A democracia do futuro

A raiva ribomba nas ruas da Europa. É o fim da democracia? Não, responde o futurólogo alemão Matthias Horx, se as elites políticas abandonarem a sua atitude de desprezo e derem lugar a uma verdadeira democracia dos cidadãos.

Publicado em 1 Novembro 2010 às 14:49

Como vai isto acabar? As escolas francesas em chamas, a revolta dos habitantes de Schwaben [região da Alemanha] contras as novas gares [de Estugarda] e a crise do lixo, em Nápoles. Sem contar as manifestações contra o transporte dos detritos nucleares Castor, que ainda não começaram. Só falta que os impassíveis britânicos ergam barricadas contra o plano de rigor do seu Governo e que os gregos deitem fogo às suas fábricas de queijo feta para exportação. Será isto o fim da democracia, tal como murmuram já muitos analistas? Não podemos dizer “basta!” aos novos “grandes projetos de relançamento do crescimento”? Mais exatamente, não nos podemos inspirar um pouco no modelo chinês para recuperarmos aquilo que o meu amigo, o futurólogo John Naisbitt, no seu livro Megatrends Asia [O Tempo da Ásia] qualifica habilmente como “democracia vertical”?

A cultura do consenso

Temos memória curta. Na minha juventude, nos loucos anos 1970, a situação era muito diferente na Europa. Nas ditaduras militares da Grécia, de Portugal e de Espanha, os manifestantes arriscavam a vida. Em França, houve mortos durante as manifestações dos antinuclear. Em Berlim, em Frankfurt, não havia uma semana sem montras partidas. Em muitos aspetos, a sociedade estava bastante mais dividida do que hoje. Na minha cidade natal de Frankfurt tínhamos nessa altura cerca de oito mil sem-abrigo nas ruas. Quem viveu o “outono alemão” [marcado por uma série de assassinatos, em 1977] sabe até que ponto vivemos atualmente numa cultura de consenso.

A cultura política aprende com o conflito. Essa lição, que a minha geração rebelde aprendeu, é hoje reafirmada. Os anos de 1980 viram nascer, da revolução verde, o cidadão ecologista. O movimento feminista alterou a distribuição de papéis nas relações entre homens e mulheres. Enquanto o muro de Berlim caía, muitas pessoas, no Ocidente, temiam que a nossa nova sociedade civil, surpreendentemente tolerante, caísse sob os golpes de um revisionismo grosseiro. Na realidade, os alemães descobriram uma nova leveza, bem como um grande número de novos problemas.

O exemplo suíço

A história não se repete, mas rima, dizia Mark Twain. Não é por isso de espantar que a rutura de um consenso social, como o que existia sobre a produção de energia nuclear, acabe por reabrir velhas feridas. As maiorias políticas mudam, sinal de que a democracia funciona. A sociedade alemã não está cheia de cidadãos sombrios, como afirmam os discípulos de Oswald Spengler (O Declínio do Ocidente). Em Estugarda, assiste-se, simplesmente, a uma falha da democracia. As elites do velho modelo alemão voltaram à sua atitude de desprezo dos anos de 1960 e todos quantos ousaram levantar objeções viram-se tratados como preguiçosos e parasitas.

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Para termos um vislumbre da democracia do futuro, é preciso olharmos para a Suíça. Lá, os processos de decisão são mais lentos. Acontece que o povo chega a ter dificuldade em decidir numa democracia direta como esta. Mas nada é irrevogável. A Suíça está a construir, atualmente, o túnel mais comprido do mundo, com o acordo dos cidadãos e um objetivo previamente fixado. Há 12 anos que o projeto deste túnel existe. Custará exatamente o que está previsto. Isto é uma verdadeira democracia dos cidadãos. E tudo isto exige uma confiança, uma paciência e uma humildade que só se aprende verdadeiramente na dor.

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