A doente não está muito mal

Quase todos os observadores estão de acordo: a UE atravessa uma crise que põe em causa o seu futuro. Contudo, a sua capacidade de adaptação e o contributo dos seus Estados-membros mais recentes permitir-lhe-ão sair da crise. Eis o cenário otimista do editorialista polaco Jacek Pawlicki.

Publicado em 2 Maio 2011 às 16:30

As coisas preocupantes que se passam na Europa são demasiadas para não termos receios quanto ao seu futuro. A crise subsiste e temos a sensação de que a situação está a degradar-se.

O alerta soou em 23 de março, quando o Governo português se demitiu, depois de o Parlamento ter rejeitado o plano de recuperação das finanças públicas, preconizado pela União Europeia.

Confrontado com uma crise dupla – política e económica – Portugal tornou-se assim o terceiro dos países da zona euro, no último ano, a pedir ajuda financeira à União Europeia e ao FMI.

Depois da Grécia, que recebeu 110 mil milhões de euros, e da Irlanda, à qual foi concedida ajuda no valor de 85 mil milhões de euros, outros países estão já na lista e os especialistas receiam o efeito dominó.

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UE, um mecanismo eficaz e aperfeiçoado

Os cenários de catástrofe encontram frequentemente maior eco do que as explicações racionais. Portanto, eu deveria escrever um texto necrológico sobre a União Europeia e não fazer uma análise otimista da situação. Sobretudo, porque não sou otimista por natureza. No entanto, ainda acredito na UE, por várias razões.

A União Europeia continua a ser um mecanismo eficaz, construído e aperfeiçoado ao longo dos anos, associado a um mercado comum e, para a maior parte dos países, a uma moeda única. Em muitas situações e sem que nos demos conta disso, os cidadãos europeus e também as empresas, os bancos, as instituições, e igualmente os países vizinhos, tiram partido dos progressos comunitários.

A integração europeia é como o ar: só o apreciamos, se faltar. É impossível sobreviver sem ele para além de uns breves instantes, durante os quais podemos suster a respiração. É isso que a Europa está a tentar fazer atualmente.

A UE e a zona euro, que retiram a sua força de décadas de consenso europeu, continuam a beneficiar de uma base política sólida, apesar das falhas da chanceler Merkel e do Presidente Sarkozy. Seja a esquerda ou a direita a deter o poder em Paris, Berlim, Roma ou Madrid, o rumo da Europa manter-se-á. Apesar de serem claramente prejudiciais para a saúde da União, o populismo dos dirigentes europeus e a primazia dada aos interesses nacionais não põem em perigo a sua sobrevivência.

No interior da União, o grau de dependência entre os países, os mercados, os partidos políticos e, por último, entre as pessoas, é tão grande que a dimensão dos custos de uma incerta desintegração europeia incentivariam as elites políticas e económicas e os cidadãos comuns a aceitarem bastantes sacrifícios. As greves, os bloqueios e as manifestações em Bruxelas de organizações sindicais vindas de toda a Europa são uma espécie de teatro, que constitui uma forma de catarse grega, ainda que de curta duração.

A sua cólera resulta do facto de a situação ser pior do que há algum tempo, de os fundos europeus terem deixado de correr a rodos, de os jovens terem de trabalhar mais e de pagar a preguiça dos pais, uma geração que ignorou a necessidade de poupar para um futuro melhor. A União – ou, pelo menos, a União de outrora – engordou e mergulhou na preguiça.

A experiência benéfica dos antigos países comunistas

O alargamento da União Europeia a Leste, em 2004, representou uma nova experiência, que poderá ser útil num período de austeridade. Só recentemente me apercebi disso, graças ao modo como o Presidente estónio, Toomas Hendrik Ilves, explicou a atitude estoica dos estónios e dos lituanos perante reduções de salários e de pensões de reforma, que fariam sair à rua os europeus ocidentais.

"Depois daquilo que vivemos sob o regime soviético, depois das deportações em massa e da repressão, é impensável para nós, europeus de Leste, descansar à sombra dos louros colhidos", afirmou. Os polacos, os letões e os estónios sabem muito bem que ganharam a lotaria, ao entrarem na União. Mas sabem igualmente que nada nos é dado para sempre e que nada é de graça.

Apesar de os ajustamentos não serem tão rápidos quanto desejaríamos, a Europa continua a adaptar-se às novas condições. O mecanismo de salvamento da zona euro só estará em funcionamento de facto dentro de alguns anos [em 2013]. Os efeitos do "pacto euro-plus", que deverá favorecer a competitividade e a disciplina orçamental, também não serão imediatos.

No passado, a sua flexibilidade sempre permitiu à União Europeia fazer face às diferentes crises. E o mesmo deverá acontecer desta vez, ainda que os protestos e a dimensão das mudanças no seio da União atinjam escalas completamente diferentes, como observa Paweł Świeboda, especialista em questões europeias e presidente do think-tank polaco demos Europa.

Uma visão otimista menos mediática que o colapso da UE

A Europa está a penetrar cada vez mais na área da governação dos Estados-membros. E isso é novo. O preço a pagar para sairmos da crise será sem dúvida a crescente coordenação das políticas económicas em matéria de regime de impostos, pensões de reforma e défice público. Será preciso meter no armário o conceito de Estado providência, trabalhar mais durante mais tempo e poupar…

Podemos, contudo, estar confiantes no que se refere à sobrevivência da União, mesmo que essa sobrevivência nos cause algumas feridas. A UE vai mudar, passará sem dúvida a mostrar-se menos predisposta ao alargamento e mais diversificada em matéria de grau de integração. Os países da zona euro serão impelidos a aprofundar a sua integração, o que, mais cedo ou mais tarde, representará um problema para o Reino Unido, que deseja manter-se fora da zona euro e, ao mesmo tempo, não quer perder influência à mesa da UE.

A crise traduzir-se-á num controlo ainda maior das economias nacionais e das finanças públicas dos Estados-membros, por parte de Bruxelas, e ainda numa menor generosidade na atribuição de fundos da UE. A batalha do orçamento da UE para o período 2014-2020 anuncia-se especialmente renhida.

No entanto, a derradeira hora da União ainda não chegou. Estou convencido disso, apesar de, na perspetiva de um editorialista, a antecipação do afundamento da zona euro, da falência de vários países, de motins e de caos político ser muito mais espetacular do que a tentativa de convencer o leitor de que a Europa vai sair da crise, como quem vence uma gripe grave.

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