A Alemanha atravessa a crise de política estrangeira mais grave de há várias décadas. Poucos o têm notado, mas a crise isolou a Alemanha dentro da Europa, de uma maneira que o país não sentia há muito tempo.
Após demasiadas guerras, a Alemanha reflectiu sobre o seu poder civil, isto é, o seu desempenho económico. E, embora tenha criado instituições que deviam reconciliar os vizinhos europeus com o papel dominador que desempenhava, nunca esqueceu o axioma do pátio da escola: ninguém gosta do miúdo que é o primeiro da turma. Hoje, a Alemanha volta a ser vista como o país que dá lições e decide tudo - desta vez, no campo monetário. Na Grécia desenham bandeiras com suásticas e, no Reino Unido, os opositores da moeda única festejam os últimos acontecimentos. Sempre temeram que Berlim utilizasse o euro para dominar a Europa.
Grécia: a primeira peça do dominó
Todos sabem que o euro permite à Alemanha aproveitar-se do mercado comum de uma forma incomparável à dos demais países. Com salários inferiores, melhores desempenhos e qualidade superior, domina as exportações europeias e cria dependências que as economias menos poderosas são incapazes de compensar. A Alemanha vive a vida boa dos dealers e os toxicodependentes deslocam-se em Mercedes ou BMW. As obrigações do Estado – gregas, por exemplo – são subscritas com prioridade, nomeadamente pelos bancos alemães.
A Grécia é, hoje, a primeira peça de um dominó em risco de cair, sob a dupla pressão da crise económica mundial e das suas insuficiências internas, agravadas por vigarices de toda a espécie. Portugal e Espanha também estão em perigo. Mas a Alemanha tem-se mostrado insensível ao seu destino. Esses países não devem esperar qualquer ajuda da nossa parte, comunicou a "chanceler de ferro". Para ela, não pode haver perequação financeira na Europa, porque as regras do jogo não o permitem.
Um retrocesso de várias gerações
Quem quiser compreender o desastre europeu deve debruçar-se sobre essas regras. Que não foram feitas para resistir ao triplo golpe da crise económica mundial, dos défices abissais e das fraudes. Não têm em conta a eventualidade de falência de um Estado. Foram concebidas para fazer da Alemanha, a primeira potência económica do continente, o servidor de todas as economias europeias.
Os autores destas regras não pensaram que uma moeda comum reclamava uma política económica e orçamental comum. O mercado interno, só por si, não é capaz de assegurar o equilíbrio necessário.
Se esse mercado se desmoronar, ou se a moeda única for abandonada, toda a obra política de várias gerações – a União Europeia – fica ameaçada. Angela Merkel deverá mostrar mão firme à Grécia, transgredir todas as regras, pôr o euro em perigo, convidar os especuladores a assaltarem Espanha e Portugal? E repercutir a tempestade dos mercados sobre a cena política alemã, numa altura em que a oposição pergunta, a semanas das eleições para o Parlamento regional da Renânia do Norte-Vestefália, se o contribuinte alemão deve financiar o 13.º e o 14.º meses dos gregos? Deve incitar os opositores ao euro a interporem um recurso por inconstitucionalidade, oportunidade que os inimigos da moeda europeia esperam há dez anos?
A ajuda de Sarkozy
Por outras palavras, Angela Merkel tem de se perguntar se quer pôr em perigo o instrumento de política externa mais precioso de Berlim, a saber, a União Europeia. Ou se, pelo contrário, deve respeitar as regras do jogo, manter a cabeça fria no meio da chuva de críticas e impor à Europa uma das tão temidas virtudes germânicas, a disciplina?
Merkel soube manter a cabeça fria, ajudada pelo Presidente francês, Nicolas Sarkozy. Este, que normalmente não se teria recusado a desembolsar alguns euros a título excepcional, deixou-se convencer pela chanceler a apoiar a disciplina alemã. Apenas algumas semanas depois da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Europa tem pela frente um novo desafio, e de fôlego.