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O centro de dados de Iliad, onde o Presseurop.eu está instalado, em Vitry-sur-Seine, nas imediações de Paris.

A Europa está a construir o Big Brother?

A União Europeia está a tirar, com uma mão, aquilo que está a dar, com a outra, aos utilizadores da Internet e aos defensores da privacidade em linha, defende um jornalista irlandês que escreve sobre a vaga de oposição à crescente vigilância dos dados pessoais.

Publicado em 9 Agosto 2010 às 13:38
O centro de dados de Iliad, onde o Presseurop.eu está instalado, em Vitry-sur-Seine, nas imediações de Paris.

A UE tem limites mais rígidos do que os Estados Unidos em matéria de recolha, utilização e venda de dados pessoais pelas empresas em linha mas também exige que os fornecedores de serviços de Internet conservem os dados pessoais, para o caso de o Governo vir a querer investigar qualquer utilizador individual. Neste momento, o Parlamento Europeu está a ponderar a aprovação de uma lei chamada "Smile29", que iria exigir que o motor de busca Google – que processa milhares de milhão de pesquisas mensais no continente – conservasse também dados sobre os utilizadores.

O esforço da UE é apenas o último de uma série de outros desenvolvidos pelos governos de todo o mundo no sentido de reunir mais elementos sobre os seus cidadãos, a partir do seu comportamento em linha. Para os críticos, as leis da UE equivalem a uma vigilância imprópria que desencadeou uma vaga de oposição em toda a Europa. Agora, um grupo irlandês está a pôr em causa o novo regime – procurando obter a autorização dos tribunais irlandeses para pedir ao Tribunal de Justiça Europeu (TJE) que anule a nova lei irlandesa elaborada com vista a alinhar o país com normas europeias mais amplas. Se o Digital Rights Ireland [Direitos Digitais Irlanda] – que defende que a lei viola a Convenção Europeia dos Direitos do Homem – vencer, essa vitória abrirá caminho a intervenções bem sucedidas contra as regras, em toda a Europa. "Aquilo que mais queremos é ver revogada a lei da conservação de dados", diz T.J. McIntyre, conferencista do University College, de Dublin, e presidente da organização. McIntyre afirma que a lei trata o cidadão comum como um criminoso.

A privacidade em linha tornou-se um terreno primordial de luta pelas liberdades civis. O Facebook e o Google estão a compilar quantidades colossais de dados sobre os pensamentos, desejos e impulsos dos utilizadores, que as empresas cobiçam e pelos quais pagam muitíssimo bem. E, por toda a Europa, a reação contra o armazenamento de dados está a aumentar. Grupos da sociedade civil, como a Federação Europeia de Jornalistas, criticaram esta prática e, na Alemanha, cerca de 35 mil pessoas, entre as quais a ministra da Justiça, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, procederam contra o seu próprio Governo quanto a esta questão. "Há hoje na Europa um verdadeiro problema. É uma violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que diz que toda a gente tem direito à vida privada. Esse direito fundamental tem de ser extensivo à vida digital", diz Christian Engström, representante do controverso Partido Pirata no Parlamento Europeu, para o qual foi eleito com base numa plataforma de direitos digitais.

Presentemente, na Irlanda, os registos telefónicos têm de ser conservados durante três anos mas não existem disposições que exijam que os fornecedores de serviços de Internet conservem os dados – uma situação que tanto a UE como o Governo irlandês querem alterar. McIntyre afirma que o Governo já detém o controlo. "Em 2002, o Governo irlandês lançou secretamente a conservação de dados. Fê-lo por despacho ministerial e, até hoje, o Ministério da Justiça não confirmou o despacho." McIntyre espera que o caso seja decidido pelo TJE.

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A própria UE parece incapaz de se decidir, no que se refere à privacidade na Internet. Os poderes de controlo e vigilância foram consideravelmente alargados mas o organismo da UE que conduz a tentativa de alargar a retenção de dados aos motores de busca, no quadro da Smile29, queixou-se, num relatório, de que os membros da UE já estavam a compilar mais informação sobre os cidadãos do que deviam e "praticamente não apresentaram estatísticas sobre a utilização dos dados conservados no âmbito da Diretiva, o que limita a possibilidade de verificar a utilidade da conservação de dados".

O grupo defende alterações substanciais à lei, incluindo a redução do período máximo de armazenamento, a reconsideração pela Comissão Europeia da segurança global da transferência de dados, a clarificação do conceito de "crime grave" a nível dos Estados-membros e a "divulgação, a todas as partes interessadas relevantes, da lista de entidades autorizadas a aceder aos dados". Segundo Christian Engström, do Partido Pirata, o problema da UE é o défice de democracia: "Quase todo o poder é detido pelos comissários e [outros] funcionários não eleitos”.

Engström aponta ainda as várias burocracias da UE, muitas vezes em disputa umas com as outras, como sendo um problema. "É importante reconhecer que isto não é 'o mal'; não há nenhum senhor tenebroso a puxar os cordelinhos, mas a UE tornou-se muito próxima de vários interesses e isso, juntamente com um executivo não eleito, é muito preocupante." Engström defende que os organismos encarregues de fazer cumprir a lei procuram ter acesso aos dados, simplesmente porque eles existem: "Essas coisas não têm nada a ver com o verdadeiro trabalho da polícia. Estas medidas podem servir para apanhar criminosos obviamente estúpidos e ineptos, mas os verdadeiros criminosos vão saber como lhes dar a volta”. O deputado europeu refere ainda o perigo de falsas acusações e argumenta que a prospeção de dados pouco mais é do que reconhecer padrões: "O cérebro humano é espantoso a detetar padrões – mesmo quando eles não existem”.

Voltando à Irlanda, McIntyre diz que a sua luta vai continuar apenas pela seguinte razão: "Não se pode fazer deteção do crime automatizada. Não se sabe porquê mas essa ideia é muito do gosto das autoridades policiais. A ideia associada é travar antecipadamente as pessoas. A prospeção de dados produz demasiados positivos falsos. Numa perspetiva comercial, isso não tem importância – quem é que se importa se um anúncio irrelevante for parar à sua página do Facebook? Mas, quando se trata de terrorismo, este envolve um número extremamente reduzido de pessoas e, por isso, não existe uma base de dados disponíveis a partir da qual se poderia traçar o perfil das pessoas”.

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