Ideias Roménia/Grécia
Missa da Páscoa na igreja de Sarichioi, no leste da Roménia.

A Igreja às portas do purgatório

Tanto em Bucareste como em Atenas, o agravamento da crise faz com que a população aceite cada vez menos os privilégios da Igreja ortodoxa. Se nada mudar, alerta o România Liberă, esta corre o risco de sofrer graves consequências culturais.

Publicado em 9 Novembro 2011 às 14:43
Missa da Páscoa na igreja de Sarichioi, no leste da Roménia.

A crise que varre a Europa mostra-nos de forma cada vez mais premente que cada dia que passa coloca em causa não a capacidade dos Estados em manter um mínimo de solvabilidade, mas a própria filosofia que fomentou até agora os fundamentos do sistema social e económico europeu instaurado após a Segunda Guerra Mundial.

As ideologias clássicas chegaram ao fim, tornando-se cada vez mais difícil adaptá-las à realidade. Mas a crise económica atual não assinala apenas o fim das dívidas dos Estados e o fracasso dos princípios que as tornaram possíveis, esta põe também termo a certos tabus. As igrejas ortodoxas gregas e romenas, por exemplo, e a atitude provocadora apresentada pelas duas entidades no contexto atual.

A audácia dos altos prelados em Atenas e Salónica atingiu o auge, após as ovelhas tresmalhadas que se manifestam nas ruas terem começado a apresentar sinais de uma certa atenção redistributiva, concentrando-se não apenas na rejeição dos planos de austeridade, como também na riqueza, nunca avaliada, da Igreja ortodoxa [na Grécia e na Roménia a igreja está isenta de impostos e beneficia de diversos privilégios]. É lamentável o facto de a pressão exercida no alto clero derivar não de um debate público, mas de um sentimento de raiva crescente provocado por circunstâncias económicas e sociais extremas. E a Igreja ortodoxa romena está confrontada com uma contestação similar.

O que explica as reações lacónicas da hierarquia eclesiástica helénica sobre o assunto e o cinismo com a qual menosprezou as vozes da sociedade civil que cederam ao pecado da contestação. O que, mais uma vez, também se aplica ao nosso país.

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Mas à medida que a situação se complica – e definir dessa forma a situação da Grécia é um eufemismo – as hipóteses dos movimentos contestatários contra a falta de transparência e o autismo da Igreja, a pretensão dos que a representam e a distância mantida por estes últimos em relação ao resto da sociedade aumentam.

Depois da crise económica, o choque cultural

Enquanto no passado a indignação tinha por objeto as finanças da Igreja, no futuro a sua influência política e social será o alvo predileto de uma vigilância popular que a crise avivou. A história já nos mostrou que a Igreja evoluiu muitas vezes em paralelo com a sociedade, talvez porque se sentiu pressionada pela sua posição permanente na fronteira entre dois mundos, o transcendente e o imanente.

Porém, desde as grandes descobertas científicas e as grandes transformações culturais, sociais e políticas do século passado, a Igreja, apesar da sua esmagadora influência, viu-se finalmente forçada a fazer o seu aggiornamento. Não o fez por convicção, nem por princípio, mas simplesmente para sobreviver. Por outras palavras, a Igreja tem-se adaptado, embora demore algum tempo, por vezes muito, a fazê-lo. Fará o mesmo agora, na medida em que é necessário, ou até mais do que necessário?

Nesta fase, a crise na Europa está a ser tratada como uma crise estritamente económica. Esta não passa de uma etapa preparatória, por assim dizer, para um choque cultural. Os que não o pressentem enganam-se e os que pensam saber o que os espera estão iludidos.

Opinião

Delírios de grandeza

“Igreja ortodoxa romena (BOR) comporta-se como o patrão de uma grande multinacional em vez de como um Santo Pai. Deitou a mão a tudo o que pôde, deixando as obras de caridade para as ONG”, escreve o Adevărul. Os romenos, “um povo invulgarmente crente nos dias atuais”, que são 90 por cento ortodoxos, dificilmente aceitam as medidas de austeridade impostas devido ao empréstimo concedido pelo FMI em 2009.

Na medida em que, enquanto os romenos apertavam o cinto, a BOR angariou dez milhões de euros em lucros no ano de 2010, segundo o Tesouro público, sem no entanto ficar sujeita a impostos e tendo iniciado a construção da maior catedral do país. “Com o custo de 120 milhões de euros, estará terminada em 2015”, realça o România liberă, que conta no mínimo com quatro mil outras igrejas construídas há 20 anos”. Para o Adevărul, a BOR mostrou “sinais de autismo social” e, caso esta não mude, está destinada a “apodrecer, como um peixe, começando pela cabeça”.

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