Kaliningrado (Rússia), março de 2011.

A “janela para a Europa” deverá abrir-se

Os habitantes do enclave russo de Kaliningrado, situado entre a Polónia e a Lituânia, consideram-se uma “janela para a Europa” e reclamam de Moscovo uma aproximação à UE. Esperam, especialmente, a supressão dos vistos, verdadeira “cortina de ferro” que os afasta da modernidade ocidental.

Publicado em 10 Maio 2011 às 16:18
rrtem  | Kaliningrado (Rússia), março de 2011.

Foi Estaline que ordenou a anexação à União Soviética de uma pequena parte da antiga Prússia oriental com a sua capital, a cidade de… Como havemos de lhe chamar? Królewiec, Karaliaučius, Königsberg, ou Kaliningrado? Trata-se de um enclave: uma zona separada do principal território do Estado. Neste caso, a Lituânia e a Bielorrússia separam Kaliningrado da Rússia.

Até 1991 o “oblast” [subdivisão administrativa e territorial dos países eslavos] de Kaliningrado foi, como se dizia na época, um porta-aviões que não poderá afundar-se, com o seu contingente de cerca de 200 mil homens, a guarnição militar ali estacionada. Hoje, o quase milhão de pessoas que ali vive prefere chamar-lhe “janela para a Europa”, ou mais precisamente para a União Europeia.

Com as manifestações antigovernamentais do início de 2010, Kaliningrado, apesar de isolado do resto do país, tornou-se o epicentro de um sismo político em toda a Rússia. Cerca de 20 mil manifestantes reclamaram então o direito de elegerem o seu governador de entre candidatos locais que conheçam as suas reais necessidades. Gritaram que estavam fartos até aos cabelos dos funcionários caídos de paraquedas de Moscovo.

A insuportável centralização de Moscovo

Em primeiro lugar, os manifestantes perguntaram a Moscovo porque é que a “janela para a Europa”, rica em petróleo e em âmbar, e potencialmente atrativa do ponto de vista turístico, continuava a ser uma das regiões mais pobres do país. E perguntavam, também, porque é que no estrangeiro Kaliningrado é associado às armas nucleares, à sida e à criminalidade.

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O Kremlin nomeou um novo governador para Kaliningrado, Nikolai Tsoukanov, membro do partido no poder, Rússia Unida, mas autóctone. Mas tal decisão não pôs fim ao debate público sobre os efeitos desastrosos da política de centralização e de controlo das regiões a partir de si.

Há 20 anos que o Kremlin tenta transformar o enclave numa zona económica especial, sem conseguir atrair investimentos estrangeiros. O projeto de instalar ali uma das quatro zonas legais de jogos de azar da Rússia saldou-se igualmente por um fracasso. A falta de infraestruturas e as insuficiências energéticas estiveram na origem dessas tentativas abortadas.

Moscovo não hesita em instrumentalizar a especificidade geográfica e geopolítica de Kaliningrado na cena internacional. Serviu-se disso mesmo quando negociou com Bruxelas as condições de instauração de um regime de circulação sem visto para os habitantes da região de Kaliningrado. Embora a união Europeia estivesse disposta a encontrar um compromisso, a Rússia considerou que qualquer medida aplicável à população do enclave devia ser generalizada a todo o seu território nacional.

As relações entre a Rússia e a NATO são, por seu lado, afetadas pelo problema recorrente das armas nucleares táticas que se supõe estarem instaladas em Kaliningrado, sem que o Kremlin o confirme ou o desminta.

"O direito a uma vida que não seja pior do que a da l'UE"

O politólogo de Kaliningrado, Andrei Sukhanov, afirma que 90% dos habitantes do enclave consideram-se provavelmente mais russos do que as populações das outras regiões do país. Longe de recusarem a sua ligação nacional, querem, simplesmente, que a sua pequena pátria se torne um terreno de cooperação entre a Rússia e a União Europeia.

Esta análise não é partilhada por Serguei Pasko, fundador do Partido Republicano Báltico. Este defensor da autonomia do enclave redigiu, mesmo, uma constituição da república Báltica de Kaliningrado, que aderiria à União Europeia e à NATO, continuando a ser parte integrante da Federação Russa.

É verdade que a vontade de rebelião pode germinar facilmente na população local, especialmente entre os jovens, sobretudo quando se referem à qualidade de vida dos seus vizinhos polacos e lituanos. “O direito a uma vida que não seja pior do que a da União Europeia” é um dos slogans atualmente mais ouvidos em Kaliningrado. Como é possível conseguir esse direito sem uma aproximação à UE?

Uma delegação de Kaliningrado organizou recentemente uma manifestação frente à sede da Comissão Europeia, em Bruxelas, para exigir a supressão da “cortina de ferro” que constituem os vistos. Para os jovens russos, esta cortina é tão insuportável como o Partido Comunista foi para os seus pais.

É bom que a UE se interesse por Kaliningrado e que esteja disposta a abrir um novo terreno de cooperação com a Rússia. A Rússia sabe que não se pode modernizar sem a Europa, e que Kaliningrado oferece um excelente terreno para ensaiar a sua relação com a União. Mas, primeiro, é preciso convencer os países da UE a abolirem os vistos ainda necessários para se passar a fronteira. Até agora, a UE autorizou uma livre circulação num perímetro de 30 quilómetros, mas nenhuma cidade importante está na zona assim delimitada.

A Polónia e a Rússia elaboraram um projeto de novo acordo, abrangendo uma zona fronteiriça alargada (50 quilómetros de cada um dos lados da fronteira), todo o território do enclave russo e, do lado polaco, a cidade de Gdansk [situada a 170 quilómetros de Kaliningrado]. O consentimento dos outros países do espaço Schengen continua a ser uma condição indispensável à concretização deste projeto, que implica modificações na legislação comunitária.

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