O primeiro-ministro sérvio Ivica Dačić.

A meio do canal

No início de 2014, Belgrado iniciará negociações de adesão à UE. Este objetivo, desejado pelas autoridades, continua a ser contestado pela sociedade. Mas o argumento económico poderá ser um dos mais fortes.

Publicado em 7 Novembro 2013 às 17:07
O primeiro-ministro sérvio Ivica Dačić.

No momento em que, na sala de jantar da residência oficial do Governo, as conversas corteses entre os convidados começam a esmorecer, o homem faz sinal aos músicos, agarra no microfone e canta algumas canções do folclore cigano. O cantor é nada mais nada menos que o primeiro-ministro, Ivica Dačić. Desde que, no ano passado, acompanhou vocalmente a orquestra do cineasta Emir Kusturica, em Bruxelas, no decorrer de um fórum destinado a promover o investimento estrangeiro na Sérvia, Dačić passou a contemplar os seus convidados com este espetáculo.

Ivica Dačić não para de cantar, porque estão sempre a chegar delegações ao seu país – que, em janeiro, vai iniciar as negociações sobre a adesão à União Europeia. Um processo pleno de obstáculos, porque, segundo novas regras, cada novo alargamento pode ser submetido a referendo nos países que já são membros da UE. E isso pode revelar-se mais do que uma simples formalidade, no caso de um país com uma imagem tão infausta como a da Sérvia, que, quinze anos depois das guerras que se seguiram ao desmembramento da antiga Jugoslávia, continua a ser associado aos crimes de guerra na Bósnia e no Kosovo e à arrogância do regime de Slobodan Milošević.

Acordo doloroso

Regressados ao “business as usual”, os herdeiros de “Slobo” sabem bem que é preciso virar a página. No fim dos anos de 1990, [[o chefe do Governo, Dačić, de 47 anos, era o porta-voz do partido de Milošević]]. No entanto, foi ele quem deu o passo de visitar Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegovina. Foi também ele – o primeiro do seu país – a apertar a mão ao antigo guerrilheiro kosovar Hashim Thaçi, seu homólogo à frente dos destinos de um Kosovo que a Sérvia não reconhece, mas com o qual aceita falar, para abrir o caminho para a União Europeia. Em abril, os dois homens assinaram um acordo sobre a normalização das relações entre Belgrado e Pristina, cuja componente mais dolorosa diz respeito ao abandono das estruturas paralelas financiadas por Belgrado, que sustentam a minoria sérvia do Kosovo, em proveito de uma associação de municípios sérvios, uma espécie de autonomia velada no seio das instituições kosovares.

Foi assim que [em 3 de novembro] os sérvios, encorajados pela primeira vez por Belgrado, participaram nas eleições municipais em todo o Kosovo. Apesar dos incidentes nas assembleias de voto, no norte da cidade dividida de Mitrovica, onde o escrutínio teve de ser suspenso, a UE está disposta a considerar que o Governo sérvio cumpriu a sua parte. “É absolutamente claro que Belgrado fez todos os possíveis para que estas eleições fossem bem organizadas e para que houvesse uma participação sólida”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros sueco, Carl Bildt.

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Na Sérvia, o desejo de entrar na Europa caminha a par da necessidade de entrar na Europa e conquistou até o coração de antigos nacionalistas, como o vice-primeiro-ministro, Aleksandar Vučić, atual presidente do SNS (Partido Progressista Sérvio), de 43 anos, que foi igualmente membro do Governo na época de Milošević. “Cerca de 70% dos nossos militantes são agora pró-europeus”, admite agora Vučić, que, quando, em junho de 2012, o seu partido entrou para o Governo, em coligação com os socialistas de Dačić, tinha afirmado que esse número era apenas 50%.

Conversão das mentes

Resta saber se esta conversão das mentes será acompanhada pela conversão dos corações. A proibição de uma Gay Pride, no mês passado, a pretexto de que esta poderia ser alvo do ataque de extremistas, mostra os limites da pacificação. “Nada foi resolvido e as coisas estão só suspensas”, comenta com amargura Radomir Diklic, um dos fundadores da agência noticiosa independente Beta.

Hoje, [[a Sérvia quer mostrar que tem alguma coisa a oferecer à Europa]]. E essa alguma coisa é uma mão de obra, não barata, como a disponibilizada pela Bulgária e pela Roménia, mas educada, formada por universidades relativamente bem classificadas na lista de Xangai. Não foi por acaso que a Microsoft abriu um centro de investigação na capital sérvia, que emprega 150 jovens investigadores, todos eles vencedores de prémios de excelência em matemática, engenheiros e licenciados em informática. A empresa norte-americana Ball Packaging também abriu recentemente ali uma fábrica automatizada de produção de embalagens, dirigida por um jovem engenheiro sérvio, e envia milhões de bebidas para a Rússia, que assinou um acordo de comércio livre com a Sérvia.

Por último, a empresa norueguesa de telecomunicações Telenor decidiu também investir fortemente em Belgrado, devido à “sua mão de obra muito qualificada”. “O Governo quer fazer acreditar que a Sérvia se tornou um país moderno”, diz Radomir Diklic. “Mas Belgrado não é a Sérvia. O resto da economia está devastada. Quando fecha uma fábrica, os engenheiros partem e os professores vão atrás deles. E as escolas perdem qualidade.”

Kosovo

A paz com Belgrado, uma pedra no sapato para a máfia

“A normalização da situação entre as comunidades sérvias do Kosovo e o Governo de Pristina incomoda sobretudo a máfia”, realça em Praga o Lidové noviny, que considera que a criminalidade organizada “converteu o norte do Kosovo num eldorado sem leis, tirando partido do contrabando entre a Sérvia e o Kosovo”. Originários do meio nacionalista sérvio, que rejeita qualquer negociação sobre o estatuto do Kosovo, certos traficantes exploram a ausência de IVA nos bens importados da Sérvia para as regiões sérvias do Kosovo para os revender em seguida no mercado kosovar explica o jornal, que estima que

no norte do Kosovo, o patriotismo passou apenas a servir – tal como no resto dos Balcãs - de pretexto para os interesses económicos da criminalidade organizada.

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