Imagem: Presseurop, Sanyam Sharma, Cleopatra

A palavra ao deputado da... Costa do Sol

O Governo francês aprovou recentemente uma lei que atribui aos cidadãos franceses a residir no estrangeiro os seus próprios deputados à Assembleia Nacional nas eleições gerais previstas para 2012. Giles Tremlet, radicado em Madrid, afirma que, com os mais de um milhão de expatriados só em Espanha, a diáspora britânica carece de representação – quer no país de origem, quer nos países de acolhimento.

Publicado em 3 Novembro 2009 às 16:08
Imagem: Presseurop, Sanyam Sharma, Cleopatra

Pode parecer deslocado, mas já era tempo de o Parlamento britânico reservar um lugar na Câmara dos Comuns para "o Senhor Deputado da Costa del Sol". Graças à decisão do Presidente Nicolas Sarkozy, de incluir 11 lugares para os representantes da diáspora na Assembleia Nacional de França, uma ideia que outrora se afigurava impossível revela-se agora não apenas acertada, como óbvia. Se um francês em South Kensington merece um deputado que o represente, porque razão não o há-de merecer um britânico em Málaga, Alicante e Tenerife?

São um milhão os britânicos que vivem todo o ano, ou praticamente todo o ano, em Espanha. Desses, 352 mil inscreveram-se nas câmaras municipais das cidades espanholas como residentes permanentes. São centenas de milhares os cidadãos britânicos que vivem espalhados pela União Europeia. Os que saíram do país nestes últimos 15 anos (a grande maioria) podem votar nas eleições do Reino Unido. Contudo, a maior parte nem se dá a esse trabalho. Não é de surpreender, visto que são obrigados a enviar o voto por correspondência para o círculo eleitoral da última residência que tiveram no país. Não é justo. Que sabem eles e que lhes interessa os hospitais e os postos de correio e os planos de cinturas externas a centenas de quilómetros de distância? E também não é justo para as pessoas que vivem nesses círculos eleitorais.

As comunidades britânicas no estrangeiro debatem-se com problemas muito específicos. Em Espanha, preocupam-se com as pensões, a assistência médica, as questões burocráticas que têm de resolver quando querem mudar de casa e o preço (exorbitante) dos serviços consulares. Muitos dos que sentem os efeitos catastróficos de uma moeda fraca, gostariam que o Reino Unido tivesse aderido à moeda única. Muitos outros têm problemas com as leis locais da habitação que, insistem, violam a legislação comunitária. Estas pessoas gostariam que os deputados da Câmara dos Comuns e o Governo britânico levassem a sério os seus problemas. Sem um deputado a que se dirigir, contudo, as hipóteses de que alguém lhes preste atenção são realmente escassas.

Um sistema eleitoral ultrapassado numa Europa sem fronteiras

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O Reino Unido preocupa-se com os imigrantes, mas não se quer incomodar a pensar nos seus emigrantes. Mas devia! Todos os anos saem do país cerca de 200 mil pessoas, segundo um estudo realizado pelo IPPR (Institute for Public Policy Research). Perto de 10% dos britânicos, i.e., 5,5 milhões de pessoas, vive no estrangeiro. Os governos estrangeiros preocupam-se incomparavelmente mais com estes emigrantes do que o Governo britânico. Criámos alegremente uma Europa sem fronteiras, que encoraja as pessoas a viajar, a viver e a trabalhar noutros países, mas não alterámos o nosso sistema eleitoral de modo a reflectir essa realidade. Há uma geração de jovens profissionais que também se deslocou para o estrangeiro, trilhando o percurso de uma carreira natural numa economia globalizada. Também não têm quem os represente no Parlamento britânico, em Westminster.

Neste último ano, tenho sondado várias pessoas sobre a possibilidade de haver "deputados da diáspora". Os deputados e os diplomatas com quem falei mostraram-se preocupados com o impacto dessa possibilidade, neste caso, nas relações diplomáticas com Espanha. Imaginemos, dizem, um deputado que passe metade da vida a queixar-se às autoridades espanholas dos problemas que afligem os seus conterrâneos expatriados.

Obviamente que isso nos oferece a possibilidade de uma outra solução. Por que razão não hão-de os cidadãos britânicos a residir na Europa votar nas eleições gerais nos seus países de acolhimento? Infelizmente, nem o Reino Unido, nem qualquer outro país europeu se mostra especialmente interessado nisso. Consequentemente, vivo em Madrid e pago impostos à Fazenda espanhola e não tenho direito a pronunciar-me sobre o modo como o dinheiro dos meus impostos é gasto.

E nisso reside um outro problema. Para além de não poder votar nas eleições gerais espanholas, como vivo no estrangeiro há mais de 15 anos, deixei de poder votar no Reino Unido. Pago impostos, mas não me deixam votar. Que terá acontecido ao princípio da "isenção fiscal sem representação"? Há países (como julgo ser o caso da Alemanha) que autorizam os seus cidadãos a votar até ao fim dos seus dias, independentemente do país onde residem. Queixamo-nos sempre da apatia dos eleitores e dos elevados índices de abstenção. Há uma maneira muito fácil de promover a ida às urnas. Dêem um deputado do Parlamento britânico às centenas de milhares de eleitores residentes em Espanha.

REPRESENTAÇÃO

Deputados em três países europeus

Onze deputados para 1 270 000 franceses residentes no estrangeiro. O projecto, apresentado pelo Governo francês, prevê a criação de circunscrições regionais, seis das quais na Europa, para que os expatriados tenham um representante eleito por sufrágio directo e ligado ao seu local de residência, o que não acontece com os 12 senadores do estrangeiro que já existem.

Inovadora em França, esta medida não é uma estreia, porque os italianos, os romenos e os portugueses que vivem fora dos seus países já elegem representantes: 12 deputados e 6 senadores em Itália, 4 deputados e 2 senadores na Roménia, 4 deputados em Portugal. Os 11 milhões de gregos que vivem no estrangeiro contam com um vice-ministro encarregado da diáspora. Entretanto, o cargo de ministro dos italianos no mundo, criado por Silvio Berlusconi em 2001, não sobreviveu à fase inicial, em 2006.

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