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Estação Berney Arms. Norfolk (Reino Unido).

A que distância fica a estação mais próxima?

Em 2019, viajar de comboio tornou-se mais popular do que nunca face às últimas décadas. Mas até que ponto é fácil para os europeus ir dar um passeio e apanhar um comboio até à capital do seu país? A EDJNet simulou mais de 40 milhões de viagens para mais de 20 000 estações numa tentativa de responder a esta questão.

Publicado em 23 Dezembro 2019 às 14:17
Estação Berney Arms. Norfolk (Reino Unido).

Ao que parece, os europeus viajam agora mais do que nunca de comboio. No segundo trimestre deste ano, pelo menos, 2,4 mil milhões de passageiros apanharam o comboio num país da União Europeia, segundo as estatísticas mais recentes do Eurostat. Tudo indica que o número de passageiros está a aumentar. Alguns meios de comunicação citam o conceito flygskam, orientado por questões ambientais, de ter vergonha de usar aviões, para explicar este boom repentino em viajar de comboio na Europa. É claro que existem diferenças entre países que não podem ser ignoradas. Mas a tendência global é que o número de passageiros de comboios na Europa tem vindo a aumentar ao longo dos anos e 2019 não parece ser exceção.

Em 2012, investigadores do Transportation Research Group orientados pelo professor John Preston da Universidade de Southampton, publicaram uma lista de 37 barreiras “mensuráveis”, “físicas” e “complementares” que impedem as pessoas de viajar de comboio. As barreiras mensuráveis são simples de avaliar e aplicam-se a todos os viajantes, enquanto as barreiras físicas e complementares são mais suaves e variam consoante o viajante.

Uma das maiores barreiras mensuráveis é o que chamamos de alcance, isto é, a distância entre uma estação de comboios ou caminhos de ferro e o local onde as pessoas vivem e trabalham. Se uma estação de comboios ficar longe ou não poder levá-lo até onde deseja, simplesmente vai optar por outra forma de transporte. Mas o alcance não é assim tão simples. Os investigadores revelaram que existem dois tipos de distâncias que nos afetam quando escolhemos um modo de transporte: a distância física e a distância psicológica.

Neste artigo, vamos abordar a distâncias considerando dois aspetos: quilómetros e passos. Por outras palavras, vamos focar-nos na distância física. Vamos tentar abranger as pessoas que vivem perto de uma estação e as pessoas que vivem longe, o que estes grupos têm em comum e o que os distingue. Dito isto, compreendemos que as distâncias podem depender de outras coisas além de números. A distância real até uma estação de comboios pode ser afetada por vários fatores como deficiências motoras, acessibilidade em espaços públicos e condições meteorológicas, por exemplo. Também pode depender do local para onde está a viajar, se a viagem completa dura 5 horas, talvez uma caminhada de 20 minutos até à estação não seja muito. Mas se se tratar de uma viagem de 20 minutos, uma caminhada de 10 minutos pode não parecer razoável.

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Para alguns, um quilómetro é uma longa distância, enquanto para outros é um passeio. No entanto, daqui em diante, vamos dizer que as pessoas que conseguem alcançar uma estação de comboio em 1000 passos (cerca de 800 metros) têm um excelente acesso aos caminhos de ferro, em 5000 passos têm um acesso muito bom, enquanto as pessoas que vivem a menos de 10 000 passos têm simplesmente um bom acesso. Se vive a mais de 30 000 passos de uma estação de comboios, isto é, mais de 24 quilómetros, consideramos que tem um fraco acesso.

A título de exemplo, imagine que vive no norte de Västerbotten no norte da Suécia, um dos países mais ricos da União Europeia. Está a dirigir-se bem para norte (mas ainda assim não tão a norte, como as pessoas que lá vivem diriam). Avancemos, caso contrário ficaríamos aqui o dia todo, e imaginemos que chegamos ao município de Storuman. Situado em volta do lago homónimo, Storuman poderia não se ter tornado a principal cidade da área se não fosse a estação de comboios ali construída no início do século XX. É portanto irónico que as pessoas de Storuman vivam mais longe de uma estação de comboios nacional, que os pode levar até à capital, do que praticamente todas as pessoas que vivem no território principal da Suécia.

A estação de comboios de Storuman continua em funcionamento. Há uns meses, no verão, os comboios que faziam o percurso de Inlandsbanan passavam por lá. Mas a linha Inlandsbanan já não é usada, ou referida, como um modo de transporte público desde 1992. Hoje em dia, é sobretudo utilizada por turistas que querem ver o interior da Suécia. Na Europa, existem várias estações de comboios como a de Storuman. E, embora, a estação de Storuman ainda esteja aberta, embora limitada, outras não tiveram tanta sorte.

Analisámos o alcance para 410 milhões de pessoas em 16 países europeus e mais de 22 000 estações. Com base nisto, estimamos que uma pessoa que viva num destes países irá provavelmente viver entre 2 (República Checa) e 12 (Croácia) quilómetros da estação de comboios relevante mais próxima.

Existem obviamente países onde o alcance é melhor do que noutros. Mas, no geral, estimamos que a maioria das pessoas consegue alcançar uma estação de comboios com alguma facilidade. Das 410 milhões de pessoas que analisámos em conjunto, verificámos que 350 milhões conseguem alcançar uma estação em 10 000 passos. A vasta maioria das pessoas nos nossos dados tem um bom acesso, pelo menos no que refere a viver perto de uma estação relevante (o serviço em si pode não ser tão bom).

Na República Checa, no Reino Unido, na Bélgica e na Alemanha, 9 em cada 10 pessoas têm de andar menos de 10 000 passos para chegar a uma estação de comboios que as leve de comboio até à capital. Se removermos a Bélgica e adicionarmos a Áustria e a Dinamarca, ficamos com uma lista de países em que, pelo menos, 2 em cada 10 habitantes têm de andar menos de 1000 passos para chegar a uma estação de comboios relevante – estas pessoas têm um acesso muito bom.

O número absoluto de pessoas com fraco acesso, definido para as pessoas a 30 000 passos de uma estação, é sem dúvida baixo segundo os nossos dados. Na verdade, verificamos que em 6 dos 16 países que analisámos, não existe praticamente ninguém. Em termos comparativos com a dimensão da população em cada país, as pessoas com pior acesso encontram-se na Bulgária, Croácia, Finlândia, Suécia e Portugal.
Se analisou o gráfico anterior, provavelmente observou os países mencionados, tanto em termos de bom como fraco alcance. Se prestar um pouco mais de atenção, verá o que parece ser uma repartição entre todos os países.

Lembra-se dos habitantes de Storuman? É possível vê-los no topo do gráfico para a Suécia. As maiores diferenças podem ser vistas em países como Finlândia, Suécia, Croácia, Portugal, Itália e Reino Unido. Mas até num país como a República Checa, existem pessoas que vivem mais afastadas de uma estação do que outras. Este é um lugar-comum, mas convém salientá-lo, pois leva-nos à nossa última questão.
Quais as possíveis explicações para estas diferenças? Por outras palavras, o que têm em comum as pessoas que vivem afastadas de uma estação? Para responder a esta questão, vamos afastar a análise dos países e observar os dados de um ponto de vista diferente. Imaginemos três pessoas que vivem em tipos de áreas diferentes em todos estes países: urbana, rural e uma área intermédia que brevemente se tornará urbana.

Paremos um segundo. Pois 410 milhões de pessoas são muitas pessoas. Cerca de 73 milhões vivem em áreas rurais. E, alguns países são, sem dúvida, mais rurais do que outros.

Se considerarmos apenas as áreas urbanas, pelo menos, 8 em cada 10 pessoas podem alcançar uma estação de comboios em 10 000 passos em todos os países que analisámos. Todas elas têm um bom acesso. Na Dinamarca, 99 por cento das pessoas que vivem em qualquer uma das duas áreas urbanas podem alcançar uma estação de comboios em 5000 passos. Estas pessoas têm um acesso muito bom. Se compararmos com as nossas estimativas para as áreas rurais: apenas na República Checa e na Bélgica, 8 em cada 10 pessoas têm um bom acesso.
Cerca de 7,7 milhões de pessoas vivem a, pelo menos, 30 000 passos de qualquer estação de comboios que as leva à capital do seu país. Pelo menos 4 milhões vivem em áreas rurais. Estas pessoas têm um fraco acesso. Embora cerca de 6 por cento da população na Europa rural viva afastada de estações de comboios, apenas 0,3 por cento vive em áreas urbanas e pouco menos de 2 por cento vive em áreas intermédias.

Quando lemos (e escrevemos) uma história como esta é fácil ficar preso aos valores atípicos. Se fizer os seus 10 000 passos diários, caminhar desde o centro de Storuman até à estação de comboios relevante mais próxima em Lycksele demoraria pelo menos 15 dias – é mais rápido chegar ao aeroporto. 

Storuman não é o único sítio onde encontramos distâncias extremas. Vejamos, por exemplo, a aldeia de Nuorgam na região mais a norte da Finlândia. Se alguma das 200 pessoas que lá vivem quiser ir a Helsínquia, primeiro tem de fazer 400 quilómetros até à pequena cidade de Kolari. Ou então pode viajar metade dessa distância e ir de avião desde o aeroporto mais a norte da União Europeia, o Ivalon lentoasema.

Encontramos algo semelhante na cidade croata de Dubrovnik. Será que as pessoas de lá deviam apanhar um avião para Zagreb ou fazer mais de 150 quilómetros até Split para apanhar o comboio? E viajar até à Bósnia-Herzegovina, pergunta. Na verdade, tal já não parece ser possível pois a  ligação ferroviária Sarajevo-Zagreb foi suspensa em 2016.

As pessoas de Storuman, Nuorgam e Dubrovnik não deviam ser esquecidas. Fazem parte dos milhões de pessoas que vivem em locais onde o alcance da via ferroviária é fraco, sobretudo nas regiões rurais. Estas regiões também estão frequentemente em desvantagem em termos de acesso a outros serviços públicos, como maternidades ou estabelecimentos de ensino secundário e universidades. Algo que não parece que irá mudar nos próximos tempos. Nos últimos anos, foram fechadas linhas de caminhos de ferro inteiras ou secções das mesmas (como na Península Peloponeso, na Grécia, ou em Trás-os-Montes, em Portugal) ou então está a ser considerado o seu encerramento (como é o caso em muitas áreas rurais na França). 

Para as pessoas que vivem nestes locais, os comboios podem simplesmente não ser uma opção. Mas são elas os valores atípicos nos dados. Essencialmente, os nossos dados mostram que as redes ferroviárias, nos 16 países analisados, alcançam a vasta maioria dos cidadãos que pretendem servir. As linhas ferroviárias têm um grande potencial e, para a maioria das pessoas que vivem nestes países, o alcance em termos de distância física não é uma barreira que as impede de viajar de comboio. Claro que se o encerramento das linhas continuar, isto poderá mudar.

Apesar de tudo, o alcance não é tudo. A nossa análise não tem em consideração a qualidade das linhas ferroviárias ou dos comboios. Tal como referimos no início, existem, pelo menos, 37 barreiras mensuráveis e físicas que nos impedem de optar pelo comboio.

Notas

Os locais seguintes foram excluídos da análise, embora pertençam ou estejam ligados aos países que analisamos. Córsega (França), Bornholm (Dinamarca), Norte da Irlanda (Reino Unido), Ilha de Wight (Reino Unido), Orkney (Reino Unido), Shetland (Reino Unido), Hébridas Exteriores (Reino Unido), Åland (Finlândia), Açores (Portugal), Madeira (Portugal) e Gotland (Suécia). Excluímos estas áreas pois não estão ligadas ao território principal, onde se situa o destino. Existem outras ilhas habitadas que se encontram incluídas nos nossos resultados como, por exemplo, Lampedusa (Itália) e Heligoland (Alemanha). Todas as estações na nova linha de metro Letbanen da Dinamarca ainda não estavam nos dados das estações europeias quando realizamos a investigação.

Este artigo é resultado de um projeto colaborativo da European Data Journalism Network (EDJNet). Investigação e texto da J++, com a coordenação e edição do OBC Transeuropa. Contribuições do Der Spiegel (Alemanha), VoxEurop (França), BiQdata (Polónia) e LocalFocus (Países Baixos).

Metodología

O que fizemos e como o fizemos

Este artigo tenta responder a uma questão aparentemente simples: até que ponto é fácil para os cidadãos europeus viajar de comboio e o que explica as diferenças entre os países? Numa tentativa para responder a isto, decidimos observar duas medidas: as distâncias até às estações de comboios e a proporção de pessoas que têm bom acesso (estão a menos de 10 000 passos de uma estação) em comparação às que têm fraco acesso (estão a pelo menos 30 000 passos de uma estação) à rede ferroviária.

A distância até uma estação de comboios diz-nos o quanto alguém tem de viajar, enquanto as outras medições nos dão uma ideia de quantas pessoas precisam de usar um carro, autocarro ou táxi para chegar a uma estação de comboios. O limite de 30 000 é arbitrário, mas baseia-se no pressuposto de que é provável que não ande tal distância para apanhar um comboio.

Não encontramos qualquer fonte oficial ou não oficial que contenha dados dos países europeus sobre as distâncias até às estações de comboios ou números sobre quantas pessoas vivem perto de uma estação de comboios. Isto significa que tivemos de reunir e criar estes dados.

Problemas gerais com a qualidade dos nossos dados

Não encontrámos qualquer fonte aberta internacional ou regional, privada ou pública, que contenha uma lista abrangente das estações de comboios existentes na Europa. Se tiver interesse nesta questão das estações de comboios têm, na nossa opinião, quatro alternativas: o sistema HAFAS (HaCon Fahrplan-Auskunfts-System), o RINF (European Register of Infrastructure), as autoridades nacionais ou quaisquer listas colaborativas que podem ser encontradas online.

O HAFAS é um sistema de reserva desenvolvido para subsidiária privada da Siemens, a Hannover Consulting. A vantagem do HAFAS é que bastantes grandes transportadoras nos países europeus que o usam para a reserva nos seus websites. A desvantagem é que é privado e a empresa não publica a sua lista de estações, é necessário criar uma. Isto não era uma opção viável para nós e como viemos a perceber, a qualidade dos dados no HAFAS por vezes era fraca. Não só o sistema não inclui estações para regiões inteiras em alguns países, como a localização da estação nem sempre está correta.

O European Register of Infrastructure é mantido pela European Railway Agency e cada Estado-Membro (incluindo a Noruega e a Suíça) deve comunicar as suas estações (e outras informações relacionadas com os caminhos de ferro) para serem incluídas na base de dados. O RINF é, daquilo que percebemos, a lista oficial mais abrangente de estações na Europa. Determinámos que o RINF era melhor ferramenta para abordar individualmente todos os Estados. Por conseguinte, reparámos que a cobertura de linhas ferroviárias privadas tinha menos probabilidade de ser incluídas no RINF para alguns países. Pode ler mais sobre o RINF aqui.

As listas colaborativas não são uma má ideia, mas como queríamos verificar se era possível viajar a partir de uma estação de comboios específica, confiámos no nome e coordenadas correspondentes a outra fonte (no nosso caso o HAFAS), por isso, determinamos que uma fonte oficial era mais adequada.

Outro problema relacionado com os nossos dados é que a grelha de população que usamos para representar as pessoas na Europa é de 2011. Não há dúvida de que a população aumentou e os países tornaram-se mais urbanos desde então, mas é a grelha mais recente disponível.

Cet article est publié en partenariat avec the European Data Journalism Network

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