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A verdadeira democracia europeia começa com a igualdade de direitos para todos

Para o analista político e ativista Ulrike Guérot, o Parlamento Europeu que emergir destas eleições deverá garantir, antes de mais, a igualdade de direitos para todos os cidadãos europeus através de um novo processo constitucional.

Publicado em 29 Maio 2019 às 13:21
Miguel Ángel García  | Europa 1.

Nas eleições europeias, foram os cidadãos europeus que assumiram a liderança: estão nas ruas da Europa, organizam manifestações (como o European May [maio europeu] ou #oneEuropeforAll [#umaeuropaparatodos], fazem exposições itinerantes (“European Alternatives” [alternativas europeias], oferecem viagens InterRail aos mais jovens, escrevem um manifesto atrás de outro (VoxEurop, EuropaNow!, o apelo do Civico Europa para um novo renascimento da Europa, entre outros), criam festas transnacionais (Volt, DiEM25, European Spring) e marcam a sua presença em mercados por toda a Europa, todos os domingos, às 14h, como o PulseofEurope. Estão a ser distribuídos online passaportes virtuais europeus pela banda de rock austríaca Bilderbuch, bem como pelo comediante alemão Jan Böhmermann.

Verificou-se uma mobilização popular sem precedentes durante estas eleições Europeia e parece estar a resultar: 59 por cento dos cidadãos polacos têm intenção de ir às urnas, o que seria o dobro dos que votaram em 2014; similarmente, 69 dos alemães afirmam que vão votar, o que representaria um aumento de 20 por cento na taxa de participação. A Comissão Europeia nunca investiu tanto tempo e dinheiro em comunicações e eventos para debater as vantagens da UE e os desafios por ela enfrentados. E não se trata apenas da Comissão: fundações, partidos, municípios, academias, sindicatos, institutos, todos organizaram debates abertos aos cidadãos na Europa ao longo dos últimos três meses. Notavelmente, Emmanuel Macron, que publicou a sua proposta de reforma para a UE em 28 jornais da Europa, não começou com “Cara Senhora Merkel, Caro Senhor Rutte ou Caro Senhor Kurz, façamos mais pela integração Europeia”. Em vez disso, dirigiu-se diretamente aos cidadãos europeus: Citoyennes et Citoyens Européens…

O regresso ou, melhor dizendo, o reconhecimento tardio, do papel fundamental dos cidadãos europeus no projeto europeu marca uma bem-vinda inversão de sentido: os cidadãos, e não os Estados, são a soberania de qualquer sistema verdadeiramente democrático.

Estas eleições representam uma mudança de paradigma: enquanto os Estados Unidos da Europa se focam na integração dos Estados-nação, os cidadãos europeus focam-se na democracia em si. A diferença é notável: coloca o projeto europeu ao alcance de todos os cidadãos. Relembremos as famosas palavras de Jean Monet: A Europa não reside na integração de Estados, mas na união de povos. É assim que estamos na Europa de 2019. Embora seja atacada por forças nacionalistas, populistas ou identitárias, cada vez mais cidadãos europeus defendem a Europa.

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Por isso é que é necessária uma leitura dialética dos dados. O The Guardian divulgou recentemente que a maioria dos cidadãos europeus está convencida de que a UE já não existirá em 2040. Segundo o ECFR e a You.Gov, apenas 24 por cento dos europeus acreditam que a UE está bem assim. Sessenta e dois por cento dizem que tanto a UE como a respetiva democracia nacional estão a falhar. No entanto, em nenhum desses estudos os cidadãos dizem que não se sentem europeus ou que não querem “mais” a Europa ou até mesmo uma Europa diferente. A antipatia para com a UE atual não significa a rejeição da Europa. Apenas significa que a maioria dos europeus quer uma Europa diferente, mais social e democrática. Numa escala de 0 (má) a 10 (boa), a maioria dos Europeus atribui um 5 à UE: demasiado boa para se abandonar, demasiado má para estarem satisfeitos. Portanto, a verdadeira questão é saber como elevar a satisfação de 5 a 10.

A minha sugestão é: levem os europeus mais a sério, confiem no europeísmo de muitos, lutem pela parlamentarização completa do sistema político europeu e, por fim, façam justiça ao conceito de “cidadão”. “Cidadão” e “cidadania” significam mais do que apenas pertencer à Europa, apreciar outras culturas europeias e partilhar os mesmos valores no estrangeiro. Ser cidadão é, sobretudo, ter os mesmos direitos. Se as noções de “cidadão europeu” e “cidadania europeia” forem levadas a sério, é necessário um novo processo constitucional para pensar no futuro da Europa com os cidadãos no centro. Nas palavras de Alexander Hamilton, sem uma constituição, “tudo é nada”.

O que devíamos imaginar é uma democracia europeia onde se aplicam os seguintes princípios: os cidadãos são a soberania do sistema político; perante a lei são iguais; o parlamento tem um papel decisor e existe uma separação de poderes. Qualquer democracia tem a condição (embora não seja suficiente) de que todos os cidadãos são iguais em matéria de voto, tributação e acesso social. O clássico “uma pessoa, um voto” é o requisito-chave para uma democracia e a composição de um sistema eleitoral único. As eleições gerais, secretas, diretas e equitativas constituem, portanto, nas palavras do sociólogo francês Pierre Rosanvallon, “Le Sacre du Citoyen” (o rito sagrado do cidadão).

Aplicar o princípio básico da igualdade a todos os europeus permitiria integrar a moeda e o mercado único europeu numa democracia europeia comum. Isto representaria um salto quântico de uma moeda e um mercado puramente interno para uma união política europeia, que era a intenção dos fundadores do projeto. Convém realçar que o conceito de cidadania não tem identidade nem cultura: igualdade jurídica não requer nem constitui um estado central. A cidadania europeia de pleno direito não cancelaria a identidade de ninguém.

O Tratado de Maastricht prometeu uma união de Estados e uma união de cidadãos “de facto”. Embora esta última nunca tenha acontecido. Eis um exemplo concreto: os cidadãos britânicos agora afetados pelo Brexit permaneceriam (na teoria) cidadãos europeus se tal cidadania fosse uma realidade jurídica, independentemente da adesão da Grã-Bretanha à UE. O Brexit deu-nos uma demonstração cruel do atual vazio da “cidadania europeia”. Milhares de cidadãos britânicos que vivem em território europeu serão afetados, bem como todos os cidadãos europeus que vivem e trabalham no Reino Unido. Já para não falar nos escoceses que votaram a favor da permanência na Europa.

Se a UE sobreviver ao Brexit e estiver pronta para aprender com toda esta confusão, eis a lição que pode tirar: é necessária uma constituição europeia, cuja votação fracassou em 2003. No entanto, desta vez, temos de votar nesta constituição europeia enquanto cidadãos – todos os 500 milhões de cidadãos. Tal processo seria o projeto mais nobre e mais importante do próximo Parlamento Europeu.

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