Na lápide: "Estado-Providência"

Adeus, Estado-Providência!

A degradação das contas do setor público dos países europeus coloca em perigo a sobrevivência do Estado-Providência. É necessário criar um novo modelo que se inspiraria na democracia participativa.

Publicado em 9 Outubro 2013 às 11:31
Na lápide: "Estado-Providência"

A notícia mais importante dos últimos tempos não apareceu nas primeiras páginas. Foi dada pelo novo Rei dos holandeses num ato protocolar, a abertura oficial do ano parlamentar, ao anunciar, no seu discurso “a substituição do clássico Estado-Providência por uma sociedade participativa”. Ou seja, o fim do primeiro, considerado pouco menos do que sagrado, por qualquer coisa ainda por definir. E não foi o Rei Guilherme que o disse. Quem o disse foi o Governo que escreveu o discurso, um Governo formado não por conservadores na linha de Thatcher ou de Merkel, mas sim por liberais e sociais-democratas. A explicação chegou no parágrafo seguinte do discurso: “O caminho para uma sociedade participativa é especialmente relevante para a Segurança Social e para os que precisam de cuidados de longa duração. É precisamente nestes setores que o clássico Estado-Providência da segunda metade do século XX produziu sistemas que, na sua forma atual, não são sustentáveis”.

É preciso explicar? Bom, a explicação está nos números. A Holanda, que se fartou de dar lições aos países do Sul da Europa por não cumprirem os seus deveres, este ano não vai cumprir os seus objetivos do défice, ao mesmo tempo que a sua economia abrandará 1,2% e o poder de compra dos seus cidadãos cairá 0,5%. O que obrigou o Governo a anunciar um corte de seis mil milhões de euros para ajustar o orçamento. O Rei Guilherme expressou a confiança de que “um povo forte e consciente será capaz de adaptar a sua vida a tais mudanças”.

E isto é a chave do que está a acontecer e o cerne do discurso: não se trata de um mero ajuste devido a circunstâncias extraordinárias, depois do que, passado o embate, tudo volta a ser como antes. Não. Trata-se de uma modificação substancial, de lançar as bases de uma nova sociedade, de mudar o modelo porque o atual já não serve, de substituir, por fim, o Estado-Providência por outro muito diferente, batizado com o nome de “sociedade participativa”.

Sociedade participativa

E o que é a sociedade participativa? É aquela em que os cidadãos terão que assumir muitas das funções e responsabilidades que, até agora, eram assumidas pelo Estado, sobretudo no que se refere ao seu futuro e aos dos seus filhos. [[O Estado continuará a garantir os serviços sociais básicos, mas os indivíduos terão de contribuir mais, seja para si próprios, seja para as pessoas que lhes são próximas, como familiares, vizinhos ou parentes]]. Daí a denominação de “participativa”.

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O papá Estado não pode assumir esses encargos pela razão anteriormente apontada: as contas públicas andam mal. E andam mal porque o Estado-Providência assenta em dados falsos, quer dizer, é um logro. Todo o Estado social se baseia num “contrato social”: um pacto entre todos os cidadãos de um país, ricos e pobres, novos e velhos, para partilharem o mais equitativamente possível encargos e benefícios. Mas esse pacto não foi respeitado pelas gerações anteriores, que fizeram as contas em seu proveito. Um exemplo ilustra-o à saciedade: a pensão de reforma, em Espanha, começou por ser calculada com base na contribuição dos anos em que mais se ganhava, os dois últimos anos no ativo! Depois, esses dois anos passaram para oito, e assim ficou durante muito tempo. Não é de estranhar que a Segurança Social ameace falência, devido à irresponsabilidade de uns quantos políticos que converteram o Estado-Providência num gigantesco esquema de pirâmide, estilo Madoff, através do qual se pagam os subsídios não com o que foi pago pelos beneficiários mas sim com o dinheiro dos novos contribuintes, cada vez mais escassos.

Uma mudança de ciclo

Depois da utopia comunista se ter desmoronado, desmorona-se a utopia social-democrata, que unia mercado livre e serviços sociais de todos os géneros, o que a fazia parecer muito mais sólida e converteu a Europa em alvo de atração para milhões de pessoas dispostas a chegarem a ela vindas de África, da Ásia, da América Latina. Mas o paraíso europeu está esgotado. Já não existe nem sequer para os europeus. De facto, está falido, exceto naqueles países, como a Alemanha e os escandinavos, que fizeram a tempo os ajustes necessários para que a pirâmide não lhes caísse em cima. Agora, cabe fazê-lo àqueles que não quiseram vê-lo.

Não. O que estamos a viver é uma mudança de ciclo, talvez mesmo de era, que exige reajustes às novas circunstâncias que reinam nos nossos países e em todo o mundo. Não se podem continuar a pagar as pensões para as quais contribuímos quando a esperança de vida é maior, como não podem continuar os aumentos automáticos de salários se a empresa em que trabalhamos está em dificuldades, nem manter instituições estatais sem outra função que não seja a de pagar ordenados a familiares e amigos, nem continuar a agir como se, nas últimas décadas, não tivesse acontecido nada.

A riqueza está a transferir-se da Europa para os países emergentes. Hoje, a nossa classe média está a ser desafiada pelos que tentam ser classe média na Ásia e na América Latina. Quer isto dizer que vamos voltar às senhas de racionamento e à miséria do pós-guerra? Não. Quer dizer que os nossos jovens viverão pior que os seus pais, mas muito melhor que os seus avós. Ou, dito de outra maneira: acabou-se o gastar mais do que aquilo que se tem, como é evidente. Isso sim, rodeados de líderes sindicais presunçosos que exigem que tudo continue na mesma e por uma esquerda mais conservadora do que qualquer outra.

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