Apelo contra “uma NATO da economia”

Com a bênção de Barack Obama, a zona de comércio livre transatlântico deverá ser uma realidade dentro de dois anos. No entanto, há pelo menos quatro boas razões para a Europa não participar no projeto, segundo o diário liberal “Die Welt”.

Publicado em 13 Fevereiro 2013 às 17:26

Já passaram pelas siglas NTA, NTMA, TAD, TED ou TAFTA: são iniciativas destinadas a fortalecer os laços económicos entre os Estados Unidos e a Europa, de que nunca mais se tinha ouvido falar.

Está para breve uma nova investida. Os grupos de pressão dos empresários de ambos os lados do Atlântico estão cheios de esperança. A economia é-lhes favorável, a classe política também e, por princípio, o comércio livre é uma vantagem. No entanto, há várias razões para acolher a notícia com profundo ceticismo.

1. Um mau exemplo para o resto do mundo

Se as alfândegas ainda desempenham algum papel no comércio transatlântico, deve-se apenas ao grande volume de mercadorias comercializadas. Em 2010, as empresas químicas europeias pagaram cerca de €700 milhões ao fisco norte-americano pelas suas exportações – uma média de direitos alfandegários de apenas 2,25%.

A eliminação das tarifas desta ordem pode aliviar as empresas, mas não terá nenhum impacto sobre o crescimento macroeconómico. Para tal, seriam necessários avanços de outra envergadura que não sobre as tarifas alfandegárias, mas sobre os entraves comerciais, que são significativos.

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Ora, é precisamente nessa área que a margem de manobra é limitada – porque poderosos grupos de interesses, como o lóbi agroalimentar, defendem-se e porque a opinião pública também não estaria pelos ajustes.

Assim, a legislação dos Estados Unidos impede uma maior harmonização na introdução de medicamentos no mercado. Por seu lado, os europeus recusam-se a importar carne com hormonas ou milho geneticamente modificado dos Estados Unidos; já os norte-americanos temem as bactérias que possa conter a carne de importação ou os queijos franceses fabricados por processos naturais.

As negociações para uma maior liberalização do comércio multilateral, que, desde 2001, se arrastam sob o nome "Ronda de Doha" revelam a extensão das divergências de opinião.

Se algum dia o acordo de livre comércio transatlântico chegar a ver a luz do dia, será necessariamente incompleto – o que coloca um problema. É que, no caso de um acordo incoerente entre a União Europeia e os Estados Unidos, os dois blocos comerciais mais poderosos do mundo estariam a dar "um mau exemplo a outras zonas de comércio livre", adverte Rolf Langhammer, do Instituto de Economia Mundial de Kiel, na Alemanha.

2. Os outros países ficam em desvantagem

Se a Europa e os Estados Unidos chegarem a acordo sobre a liberalização das suas trocas comerciais, todos os outros países serão automaticamente discriminados. O maior risco é não se criarem novos fluxos comerciais, apenas se deslocando os fluxos existentes. Além disso, o resto do mundo veria num acordo transatlântico "uma forma de exclusão, ou mesmo de chantagem, em detrimento de países terceiros", denuncia Rolf Langhammer.

É por isso que o Ministério da Economia de Berlim insiste em que os europeus deveriam assegurar que o acordo permaneça aberto à adesão de outros países.

É, contudo, improvável que um acordo já de tão difícil compromisso fosse redesenhado para acomodar novos membros – é pegar ou largar.

3. Golpe de misericórdia na “Doha”

A Ronda de Doha continua enredada e pode nunca chegar à prática. A aliança entre a União Europeia e os Estados Unidos poderia significar o sinal de partida para uma era de acordos comerciais bilaterais. No entanto, cada novo acordo assinado não vai tornar mais livre o comércio global, apenas mais complexo.

Jagdish Bhagwati, professor de origem indiana da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, é um dos maiores especialistas do mundo em trocas comerciais. Para ele, corre-se também o risco de a Europa perder o seu papel de força motriz da liberalização do comércio multilateral: depois de assinar um tratado transatlântico de liberalização, "os europeus teriam de redobrar a vigilância contra interesses norte-americanos e respetivos lóbis".

4. Um projeto centrado nos parceiros comerciais errados

Nos últimos anos, o comércio transatlântico tem crescido de forma espetacular, levando as associações industriais de ambos os lados do Atlântico a pressionar a classe política no sentido de avançar com as negociações. No entanto, será na América Latina e na Ásia que pulsará o coração do comércio global no futuro.

Rolf Langhammer teme que uma aliança transatlântica acabe por ser prejudicial para a Europa, por prejudicar as relações comerciais com os países em desenvolvimento.

Uma opinião que é partilhada por Jagdish Bhagwati. Numa perspetiva europeia, o projeto "não é uma boa ideia". A Europa é nitidamente mais flexível em questões comerciais do que os Estados Unidos e, através do regulamento TMA [Tudo menos armas], permite aos países mais pobres beneficiar da isenção de direitos aduaneiros para produtos de exportação para a Europa – à exceção de armas. "A União Europeia deve, pois, enterrar esse projeto, que a enfraqueceria. E os países em desenvolvimento ficarão seguramente melhor sem ele."

Reação nos EUA

Parceria de €275 mil milhões

Por ocasião do seu discurso anual sobre o estado da nação, a 12 de fevereiro, Barack Obama anunciou que os EUA iam estabelecer negociações comerciais globais com a União Europeia com vista à criação de uma zona de comércio livre. A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, como a batizou o Presidente norte-americano, vai permitir potenciar o comércio entre as duas margens do Atlântico, que representou perto de €480 mil milhões em 2012, nota The New York Times.

Em Bruxelas, estima-se que “esta parceria possa representar cerca de €275 mil milhões por ano e possa criar dois milhões de postos de trabalho”, escreve o EUobserver.

As negociações poderão prolongar-se por dois anos, “com o regulamento europeu sobre alimentação e produtos farmacêuticos a ser o principal obstáculo”, acrescenta o New York Times. “Um acordo de harmonização dos regulamentos sobre produtos tão diversos como os alimentos, os automóveis, os brinquedos e os medicamentos seria mais importante do que a abolição das pautas aduaneiras, mas também mais complexo”, acrescenta o jornal, “nomeadamente por ainda não existirem nos 27”.

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