“Big Bruxelas” observa-vos

A União Europeia quer estar na vanguarda no que toca à vigilância dos nossos actos e gestos em nome da segurança. Mas se, para uns, as novas tecnologias nos protegem, para outros, como o jurista Raf Jespers, trata-se de uma violação do direito fundamental à vida privada.

Publicado em 9 Junho 2010 às 13:54

O respeito pela vida privada? É um conceito do século XX”, diz Mark Zuckerberg, fundador da rede social Facebook, que vende os seus dados às empresas que procuram perfis de consumidores. O Google não faz melhor: segue a sua maneira de navegar na net e bombardeia-o com publicidade dirigida aos seus gostos. Os poderes públicos – não são eles a instância que deveria garantir a sua vida privada? – também tira proveito disto. Ao que parece, a CIA recolhe informações a partir do Facebook, bem como do Twitter, do Flickr, da Amazon e de vários outros sites, sobre políticos, jornalistas, universitários, de críticos, de fazedores de opinião, de ONG, etc.

Enquanto o Google é alvo de críticas na Europa porque vigia o nosso comportamento na Internet, a UE, por seu lado, vai ainda mais longe: em 2006, publicou afamosa directiva sobre a preservação de dados, através da qual obriga os operadores telefónicos e os fornecedores de acesso à Internet a conservarem as nossas chamadas e as nossas buscas na Internet durante, pelo menos, dois anos e a fornecê-las sempre que os serviços públicos as pedirem. Alguns Estados membros já a adoptaram mas foram chamados à atenção pelas suas altas instâncias judiciais. “Desde os atentados de 11 de Setembro de 2001 foram votadas, praticamente em todo o mundo, leis que reduzem o respeito pela vida privada”, comenta [o autor belga] Raf Jespers, que acaba de publicar o livro Big brother in Europa (EPO, 2010). Assim, leis que aumentam os poderes da polícia e da justiça, foram adoptadas, em 2003, na Bélgica. “A segurança tornou-se sinónimo de tecnologia e isso é preocupante.

Vigiados constantemente e em todo o lado

Para o eurodeputado social-cristão Ivo Belet o aumento de poderes é “uma coisa boa”. “Veja-se [o assassino em série Marc] Fourniret. Estava identificado como assassino pela polícia francesa, mas os poderes públicos não sabiam de nada. Este género de coisas não poderá voltar a acontecer.

Nos últimos 15 anos a tecnologia teve um desenvolvimento incrível. Podemos filmar a multidão a partir de um helicóptero ou de um avião não pilotado. “As câmaras de vigilância estão por todo o lado”, diz Jespers. “Em Malines o burgomestre [Presidente da Câmara] está muito orgulhoso com a sua caríssima rede de câmaras, enquanto que na Grã-Bretanha, onde as cidades, desde há 10 anos, estão cheias de câmaras, este investimento não deu resultado.” Mas, segundo Paul De Hert, criminologista na VUB (Universidade Livre de Bruxelas, flamenga) as câmaras podem ser úteis “em locais específicos como os parques de estacionamento subterrâneos, por exemplo, ou nos transportes públicos nos bairros problemáticos”.

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A vigilância com câmaras não constitui, segundo Raf Jespers, senão um aspecto menor da questão. “Nos nossos dias toda a gente é rastreável através do seu telemóvel, do seu GPS, do seu passe de metro... Para já não falar dos novos desenvolvimentos da biometria.

Têm-nos debaixo de olho, constantemente e em todo o lado. Mas essa ausência total de vida privada não supõe ela própria uma nova forma de vida privada? Uma vez que toda a gente é constantemente vigiada, ninguém, de facto, é vigiado. “Em parte é verdade”, diz Jespers, “de facto, há um número excessivo de dados e não é possível passá-los todos pelo crivo. Mas não nos esqueçamos que há, também, que há programas de software que conseguem analisar todos os dados informáticos num tempo recorde segundo critérios definidos. Lembremo-nos do escândalo [SWIFT](http://www.presseurop.eu/fr/content/article/7431-bruxelles-nid-despions)".

A protecção da vida privada não tira o sono às jovens gerações, que cresceram com a Internet, e o mundo político também não está muito incomodado. Só algumas organizações de defesa de direitos humanos tentam, ainda, opor-se. “O pior é que os políticos, a nível nacional, escondem-se atrás da Europa”, comenta Jespers. “E se deixarmos a UE com rédea solta, iremos de mal a pior.

"Toda a gente tem algo a esconder"

*A Comissão Europeia jogou a grande cartada da tecnologia de vigilância no que diz respeito à segurança. Basta pensar nos bancos de dados SIS, VIS e EURODAC e aos organismos consultivos criados pela Comissão: “*Basta olharmos para quem se senta nos conselhos consultivos para percebermos”, diz Jespers. “O primeiro presidente do ESRAB[Conselho Consultivo Europeu para a Investigação em Segurança] foi Markus Hellenthal, do fabricante de armas EADS. No ESRIF, o sucessor do ESRAB, mais de dois terços dos consultores têm ligações a empresas de tecnologias e de armamento. Os lobistas já não precisam de fazer lóbi, são eles que tomam as decisões. As consequências estão à vista de toda a gente: o orçamento europeu de pesquisa em matéria de segurança tornou-se 10 vezes maior em apenas alguns anos atingindo agora mais de 200 milhões de euros por ano, e quase todos os projectos de investigação dizem respeito a tecnologias de controlo. A segurança europeia está, deste modo, completamente militarizada.

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