Estação de Turim Porta Susa

Buracos na grande rede

A Comissão Europeia identificou dez projectos prioritários de infraestrutura ferroviária. O objetivo: facilitar o fluxo de passageiros e mercadorias e acelerar a integração no coração da Europa. Ambição ameaçada por políticos da oposição e dos cidadãos.

Publicado em 6 Julho 2011 às 14:15
Atzu  | Estação de Turim Porta Susa

Todos os dias, um comboio de 750 metros de comprimento, deixa a estação de Barcelona em direção a Lyon. Avança a 40 quilómetros à hora, o que é pouco, mas a velocidade não é a primeira virtude dos comboios de mercadorias. Quinze horas depois, chega ao seu destino o que, até ao ano passado, ainda era um sonho: a linha está velha e, sobretudo, os problemas provocados pelas diferenças de largura das vias obrigavam ao transbordo das mercadorias na fronteira francesa.

Madrid a toda a velocidade

Os espanhóis trabalharam a contrarrelógio na uniformização das suas linhas férreas e, em dezembro, um primeiro comboio de contentores atravessou os Pirenéus, três vezes por semana, no início, passando depois para sete, reduzindo assim as emissões poluentes e o tráfego rodoviário. Agora, a Espanha encara a possibilidade de dobrar esse número, convencida de que a oferta gera procura. Apesar de um começo complicado, Bruxelas pensa que as grandes redes ferroviárias espanholas estão no bom caminho. “Estão no centro do processo de integração continental”, diz-se na Comissão Europeia. No próximo ano, a linha de alta velocidade chega à Catalunha e, de lá, servirá Madrid diretamente. Um projeto de ligação com Valência está previsto para 2020, para depois ligar Cartagena. A longo prazo, e é assim que se deve pensar, todos os portos mediterrânicos da Península Ibérica estarão ligados por uma linha de grande capacidade. A partir daí, as mercadorias poderão chegar facilmente a todo o mercado europeu. E ainda mais além.

Nos andares mais altos dos edifícios de Bruxelas, os peritos do RTE-T, o nome dado à rede de transporte transeuropeu, estão moderadamente satisfeitos. Garantem a gestão de trinta projetos prioritários, ou seja, 11 mil quilómetros de estradas, 32 e oitocentos de linhas ferroviárias e três mil 660 de vias fluviais. No final de 2010, representavam um volume de investimento de 395 mil milhões de euros, 62% dos quais deverão ser gastos em 2013. “Nos percursos superiores a 300 quilómetros, deverá haver um aumento de um terço de fretes e passageiros nessas linhas, até 2030”, lembra a Comissão. Nada menos que isso.

O novo orçamento da UE

No final de junho, Bruxelas reviu o seu orçamento provisório e selecionou dez projetos prioritários. Entre os quatro projetos principais figuram a ligação ferroviária do Fehmarn Belt entre Copenhaga e Hamburgo, o canal Sena-Escaut, o túnel de Brenner e a ligação Lyon-Turim – um único, o quarto, está em ponto morto, por razões largamente noticiadas na Imprensa, desde há algum tempo, e que não são apenas económicas. O túnel previsto para os Alpes faz parte do eixo número 6, que liga o Reno a Budapeste, atravessando a planície do Pó. A partir de 2025, o nosso comboio de 750 metros de comprimento deverá circular por ali, espera a Comissão. Os franceses estão tão satisfeitos que, nas últimas semanas, começaram a imaginar um túnel sob o Montgenèvre. “A região Reno-Alpes não quer ser deixada de fora”, comenta-se em Bruxelas.

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De facto, o mapa da Europa fervilha de estaleiros de obras em curso. Sarkozy quer que o canal Sena-Norte da Europa esteja operacional até 2017 e acaba de lhe dar luz verde. Os trabalhos do túnel de Brenner começaram na primavera e foi prometido que estaria pronto em 2024. No túnel ferroviário de Saint-Gothard, a fase de perfuração está terminada e agora trabalha-se na construção da obra, estimando que tudo esteja acabado em 2017. Por seu lado, o prolongamento do túnel de Ceneri devia estar terminado em 2019. Será mesmo necessário? “Olhem para o Simplon”, dizem em Bruxelas, “os dois túneis já estão saturados, o novo permitirá a passagem de 110 comboios por dia”. Idem para o túnel de Brenner. As linhas ferroviárias estão sobrecarregadas e as autoestradas congestionadas.

Confrontos em Estugarda

A Bélgica, a Polónia e a Alemanha estão em grande efervescência, o que é impossível de acontecer sem fricções políticas. Um movimento de protesto bloqueia o projeto de ligação Estugarda-Ulm por causa da nova gare de Estugarda que, na opinião dos seus opositores, prejudica a paisagem urbana da capital alemã do automóvel. “Está em curso um processo de mediação e até meados do mês ficaremos a conhecer os resultados”, garantem-nos em Bruxelas.

O braço de ferro é seguido com grande interesse em Itália e, especialmente, no Piemonte. Por Estugarda deverá passar, de facto, o Projeto 17, que liga Paris a Viena e Bratislava, via Estrasburgo, destinado a tornar-se o terminal de transporte de carga do continente. Por ali desfilarão os comboios provenientes de Lyon (e, por sua vez, de Marselha) e de Genebra, com destino a Antuérpia e Roterdão. Na capital alsaciana passa a cruzar-se tanto o tráfego que ligará o mar Tirreno ao mar do Norte como o que ligará o Atlântico ao mar Negro. “Sem o túnel de Fréjus, Turim está condenada a tornar-se um beco sem saída, um impasse”, reconhece um funcionário europeu; uma antiga capital entalada entre o Ocidente e o Oriente, deixada à margem das rotas comerciais previstas para depois de 2030 e, por consequência, votada ao declínio.

“Pudemos dizer que está tudo bem, mas é preciso pesar as consequências. A Europa, por vontade da Comissão e dos governos nacionais, está determinada a avançar”, é a conclusão de Bruxelas.

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