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Burqa, a proibição impossível

Uma comissão parlamentar francesa defende a proibição da burqa em determinados espaços públicos. Numa altura em que o assunto também suscita polémica na Dinamarca, a imprensa europeia parece reticente em relação a uma abordagem legislativa restritiva.

Publicado em 27 Janeiro 2010
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Em França, a comissão parlamentar sobre o uso da burqa apresentou o seu relatório final em 26 de Janeiro. Os deputados que a integram propõem uma "resolução", acompanhada por uma proibição por lei do seu uso nos serviços públicos (administração pública, hospitais, saídas das escolas, transportes…) Essa lei obrigaria as pessoas a que respeita "não apenas a mostrar o rosto à entrada do serviço público mas também a manter o rosto descoberto", para poderem ser atendidas.

Dois terços dos deputados da maioria governamental desejariam, no entanto, que a proibição fosse alargada ao espaço público. "À coacção que tal medida [uma simples proibição nos serviços públicos] representaria, a maioria faz questão de juntar a humilhação pública", denuncia o Libération. "Para este paranóicos da identidade francesa, é portanto preciso que, apesar de serem mais vítimas do que culpadas, as mulheres sejam detidas e interpeladas na via pública."

Torrente legislativa

Entretanto, ao fim de seis meses de discussão, "ainda não é muito claro qual será a conclusão, final ou não, legal, regulamentar ou não, dessas discussões", comenta o jornal La Libre Bélgique. Afinal, salienta este diário belga, "regulamentar as condições de acesso aos serviços públicos é uma coisa, mas legislar sobre o aspecto do vestuário usado na vida pública é muito diferente". Na verdade, uma lei de proibição geral poderá ser rejeitada pelo Conselho Constitucional ou pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

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Perante as dificuldades deste tipo encontradas, o Governo dinamarquês renunciou, em Setembro último, a promulgar a lei contra a burqa. Contudo, o debate foi relançado após a publicação de um inquérito que revelava que apenas 200 mulheres usam o niqab e três a burqa. "A criação de uma comissão sobre o uso da burqa tinha por único objectivo abafar um debate embaraçoso", lançado por Naser Khader, explica o Jyllands-Posten. Porta-voz do Partido Conservador para as questões de integração, este deputado tinha exigido a proibição do véu integral no espaço público e inclusive nos jardins privados visíveis da rua.

A burqa não é uma capa de invisibilidade

Para o Politiken, "lutar por uma proibição geral no que se refere a este fenómeno sectário de reduzida amplitude poderia, paradoxalmente, contribuir para reforçar um certo conservadorismo religioso". Este diário dinamarquês considera que "a melhor maneira de difundir a burqa e o niqab é ‘apresentá-los como problemas’. Assim, estes tornar-se-iam símbolos – não da opressão da mulher – mas de protesto e desafio contra uma sociedade dinamarquesa que não sabe proteger as suas minorias". No Times, Alice Thomson escreve que "a burqa não é a capa da invisibilidade mas constitui uma rejeição passiva da comunidade – ou mesmo uma declaração agressiva contra esta. Uma pessoa que usa a burqa anuncia que quer manter-se fora da sociedade".

E acrescenta: "Apesar disso, ninguém quer ver a polícia arrancar os véus às mulheres, no meio da rua. Os franceses foram demasiado longe, ao pretender proibir o véu integral nos transportes públicos." Porque, do outro lado do Canal da Mancha, é comum pensar-se que "proibir a burqa não é britânico", como escreve Dominic Lawson, também no Times. "A França tem uma cultura decididamente anticlerical, que considera que a religião não tem qualquer espaço no domínio público. Nós temos uma abordagem muito mais tolerante em relação às diferenças religiosas e que pode ser resumida na seguinte frase: ‘Viver e deixar viver.’"

O politicamante correcto

No entanto, argumenta a escritora alemã, de Leste, Monika Maron, as nossas sociedades instalaram-se tão confortavelmente na protecção dos seus direitos cívicos, garantidos pelas constituições, que não se apercebem da ameaça inerente ao fundamentalismo muçulmano. Na Spiegel, Monika Maron reprova duramente os jornalistas dos grandes diários, que, em seu entender, estariam a impedir que a crítica ao Islão se exprima, tal como alguns utopistas da Alemanha Ocidental censuravam as críticas à Alemanha de Leste, em 1988. "*O debate não se centra no Islão e nos seus críticos mas na confiança que temos na democracia e no nosso direito de insistir em leis […] que foram conquistas de batalhas de séculos contra os despotismos estatais e clericais. Deveríamos renunciar a tudo isso, po*rque aquele ‘que insiste na tolerância não pode deixar de ser tolerante, quando o outro não quer ser tolerante’." Segundo esta lógica, a charia poderia passar a ser uma lei alemã, sem que isso causasse protestos, acrescenta com indignação Monika Maron.

EUROPA

Proibir ou não, o debate está lançado

França não é o único país da Europa onde a questão da proibição do véu integral se coloca ou suscita polémica. "Em Itália, há uma lei de 1975, que, por razões de ordem pública, proíbe que as pessoas cubram o rosto com um lenço ou com um capacete, em espaços públicos", explica o jornal La Stampa. Este diário de Turim acrescenta que foi nesse texto que "vários presidentes de câmara da Liga do Norte [partido xenófobo e regionalista] se basearam, para proibir a burqa a nível local". Na Bélgica, onde não existe "uma lei nacional que regule o uso do véu", diversas comunas tomaram também "a iniciativa de proibir o véu integral nos locais públicos ou de invocar portarias municipais que proíbem as pessoas de se mascarar fora do período do Carnaval", refere o jornal Le Soir. Nos Países Baixos e na Dinamarca, "estão em estudo vários projectos de lei destinados a proibir o uso do véu integral nos edifícios públicos (escolas, secretarias, tribunais…)", acrescenta o La Stampa. Em Itália, a Liga apresentou um projecto de lei que preconiza a aplicação de uma multa de até 2000 euros a qualquer pessoas que, "devido à sua fé religiosa, torne difícil ou impossível a sua identificação". Finalmente, no Reino Unido, "foi posta de lado a ideia de uma lei mas os directores das escolas públicas e religiosas podem proibir o uso do véu integral no recinto do estabelecimento de ensino".

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