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Como salvar o euro? Dar um pontapé na Alemanha

Apesar do acordo divulgado por Paris e Berlim, as visões do futuro da Europa diferem bastante. E a Alemanha tornou-se o principal obstáculo no caminho para uma maior integração. É por isso, lança um editorialista do Times, que a França deve apoderar-se da liderança e deixar o parceiro de lado.

Publicado em 18 Agosto 2011 às 14:19

Com o “destino federal” da Europa cada vez mais próximo, uma segunda falha no projeto europeu, muito mais profunda do que a contradição entre as políticas monetária e fiscal dos países da zona euro, está a ficar à vista.

Toda a gente concorda que a Europa enfrenta uma escolha clara: ou abandona o euro ou dá um salto quântico em direção a um “verdadeiro governo económico europeu”, como defendeu o presidente Sarkozy depois do encontro de 16 de agosto, em Paris.

Na prática, isto quer dizer duas coisas. A primeira, é a substituição parcial das dívidas dos governos nacionais pelas chamadas euro-obrigações, conjuntamente garantidas por todos os países da zona euro e pelos seus contribuintes. A Alemanha e a Áustria, bem como outros países credores, têm-se oposto categoricamente a esta solução, e a questão foi mais uma vez adiada durante a reunião com a chanceler alemã Angela Merkel, mas a resistência está a enfraquecer.

A segunda condição, exigida como um quid pro quo por parte dos países credores, será um controle centralizado sobre os impostos e os gastos governamentais, feito por um tesouro federal europeu, com poderes de veto sobre as políticas fiscais de todos os Estados membros. A Grécia, a Itália, a Espanha e outros países devedores, evidentemente, opõem-se fortemente a esta solução, mas também esta resistência está a enfraquecer. Mas encarregar Herman Van Rompuy, o presidente da UE, de uma nova comissão não é um grande passo em frente.

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Versões diferentes para a Europa

No entanto, a primeira falha fundamental do projeto europeu – as contradições entre uma moeda única e a multiplicidade de diferentes políticas fiscais nacionais – ainda pode, eventualmente, ser resolvida a favor de uma solução federal. Este foi sempre o objetivo final de François Mitterrand e Helmut Kohl, os ‘pais’ do euro.

Agora, a Europa tem de enfrentar a segunda falha – as conceções alemã e francesa, mutuamente incompatíveis, de uma Europa federal. Os dois países não só têm teorias muito diferentes sobre centralização e descentralização de governo como, muito mais cruamente, as suas visões de uma Europa federal são fundamentalmente incompatíveis em termos de simples poder político.

Os alemães acham que são a superpotência económica da Europa e que, por isso, têm o direito de gerir a zona euro de acordo com o seu próprio modelo. Os franceses também estão convencidos que que o seu país foi sempre, historicamente, o líder diplomático, intelectual e burocrático e veem-se a si próprios como os gestores naturais das instituições europeias. A questão fundamental que agora tem de ser resolvida para que o euro continue a existir, não e a necessidade de uma Europa federal, mas sim se essa federação nascente será dirigida pela Alemanha ou pela França.

Atualmente, a Alemanha tem tido um papel dominante, como tesoureira da crise do euro, mas se Sarkozy jogar bem, pode conseguir provar que isto é completamente errado. Imaginemos que ele reage à última, inconclusiva, cimeira com uma proposta modesta. Pode argumentar que a Alemanha recusou apoiar o euro durante esta crise. Berlim nem concordou com a proposta de garantia conjunta de euro-obrigações nem permitiu que o Banco Central Europeu refinanciasse a Itália, a Espanha e Grécia comprando obrigações destes países. Os políticos alemães defenderam que os países que não conseguem pagar as suas dívidas devem ser expulsos do euro – mas porque não fazer ao contrário e expulsar a Alemanha?

Perante a sua falta de solidariedade para com outros países da zona euro, podia pedir-se educadamente a Alemanha que fosse ela a sair. Ou a decisão pode ser desencadeada por uma revolta política ou por uma decisão de tribunal na Alemanha, se os outros membros do euro ultrapassarem as objeções alemãs e obrigarem o BCE a comprar grandes quantidades de dívida italiana e espanhola. A Alemanha, então, emitiria um novo marco e os outros países teriam de escolher: ou seguiam a Alemanha, fora do euro, ou continuavam, num grupo mais pequeno, liderado pela França, semelhante à União da Moeda Latina, que juntou a França, a Espanha, a Itália, a Grécia e a Bélgica, entre 1866 e 1908.

A saída voluntária da Alemanha levantaria muito menos problemas legais e institucionais do que uma quebra na zona euro provocada pela expulsão da Grécia, da Itália ou da Espanha. Podia ser concedida à Alemanha uma derrogação ao Tratado de Maastricht, semelhante à que foi conferida à Grã-Bretanha e à Dinamarca. Os detentores de títulos de dívida alemã não levantariam objeções, uma vez que as suas participações seriam convertidas numa moeda mais forte, o novo marco.

Sarkozy pode triunfar

O BCE continuaria como antes, mas sem diretores alemães (ou holandeses ou austríacos). Com o desaparecimento do veto alemão, o BCE ficaria livre para comprar imediatamente quantidades ilimitadas de obrigações italianas e espanholas, tal como o Banco de Inglaterra e a Reserva Federal dos Estados Unidos compram obrigações dos seus respetivos governos. Ao longo do tempo, os restantes membros do euro negociariam um novo tratado, criando um Ministério das Finanças federal, encarregue da emissão de títulos conjuntamente garantidos e da gestão das políticas orçamentais comuns.

Para todos os países latinos, incluindo a França, esta solução teria muitas vantagens e nenhuma desvantagem real. Recuperariam o controlo sobre a sua moeda e poderiam usá-lo para resgatarem as dívidas dos seus governos. Poderiam desvalorizar a sua moeda à vontade, sem provocarem guerras comerciais com os seus vizinhos latinos. Para a França, as vantagens geopolíticas seriam ainda maiores: deixaria de estar condenada a um segundo lugar, depois da Alemanha, e não perderia o seu caráter nacional tendo tornar-se mais alemã do que a própria Alemanha.

Os países da Europa Central correriam a juntar-se ao euro liderado pela França, uma vez que a alternativa seriam moedas muito valorizadas. Mais importante ainda, a Polónia e a Hungria preferem olhar para si próprias como países europeus que seguem a liderança francesa do que como colónias económicas da Alemanha. O melhor de tudo, para a França: a elite burocrática francesa voltaria a ser a líder inquestionável do projeto federal europeu.

Por sua vez, os exportadores e os bancos alemães, sofreriam o maior choque deflacionário de sempre – de tal maneira que a Alemanha viria a rastejar, com o rabo entre as pernas, pedir licença para se juntar a uma união monetária liderada pela França. Em resumo, a diplomacia francesa tem agora a oportunidade de estabelecer, de uma vez por todas, a sua superioridade sobre a Alemanha industrial, como força dominante na Europa. Onde Clemenceau e Napoleão falharam, Sarkozy pode ainda triunfar. Le jour de gloire est arrivé! [Chegou o dia da glória!, verso do hino nacional de França. Em francês no original].

Segunda opinião

Não há tempo para a etiqueta de Bruxelas

Martin Sandbu, cronista do Financial Times, defendeque a única coisa que impede governos europeus de apoiarem as euro-obrigações e a Alemanha – e a solução pode ser deixar Berlim para trás.

“Pensemos na zona euro sem a Alemanha e sem os parceiros que pensam como ela – a Holanda, a Áustria, a Finlândia e a Eslováquia. Excluamos também a Grécia. Os restantes 11 países podem criar um mercado de 3.500 mil milhões de euros com números macroeconómicos apenas marginalmente piores do que os da zona euro no seu todo.

Pareceria a Bruxelas um subgrupo da zona euro capaz de andar sozinho. Mas não é menos contrário ao espírito europeu para aqueles que desejam conjugar soberanias para protegerem o seu bem-estar, sob a recalcitrância alemã. Seria justificado se Berlim pagasse o projeto – mas a verdade é que não paga.

Como é que isto pode derrotar a Alemanha? Economicamente, Berlim pode sofrer a erosão das suas vantagens de empréstimo se os investidores virem uma alternativa num mercado de obrigações dominado pelo euro e que é maior e economicamente mais atrativo. Politicamente, os eleitores podem temer muito mais ficarem para trás em matéria de integração europeia do que temem o risco de terem de ser eles a pagarem a Europa. Assim sendo, o verdadeiro poder está nas mãos dos outros membros da zona euro. E devem usá-lo.”

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