Guerra na Líbia

Discordância sobre o direito à ingerência humanitária

Publicado em 29 Março 2011 às 14:38

A intervenção na Líbia suscitou um vivo debate em França, país que tomou a iniciativa dos ataques aéreos e onde foi elaborado o conceito de “ingerência humanitária”.

Às posições do muito mediático filósofo Bernard-Henri Levy que, segundo a revista Marianne, é “o inspirador da linha diplomática francesa” e que terá convencido Nicolas Sarkozy a intervir, muitos intelectuais responderam lembrando os limites da opção militar.

Assim, Rony Brauman, antigo presidente da Médicos Sem Fronteiras e especialista em intervenções humanitárias, disse, numa entrevista ao jornal Libération:

*“Deixei de acreditar nas virtudes dos bombardeamentos aéreos para instalar a democracia ou ‘pacificar’ um país. A Somália, o Afeganistão, o Iraque, a Costa do Marfim estão aí para nos lembrar a dura realidade da guerra e a sua imprevisibilidade. ‘Proteger as populações’ significa, na prática, capturar Kadhafi e substituí-lo por um Karzai local se levarmos a lógica até ao fim, ou dividir o país congelando a situação. Em ambos os casos, não seremos capazes de assumir as consequências”.

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“O saldo das intervenções armadas internacionais demonstra que já não temos meios para decidir o que é bom e o que não é bom no estrangeiro. O remédio é pior que a doença. A partir do momento em que a força deixou de nos permitir fazer avançar como nos convém uma história que hesita, melhor é que evitemos o seu uso e acabemos com os sonhos de ‘guerra justa’”.*

É esse mesmo conceito de “guerra justa” que é contestado pelo filósofo búlgaro Tzvetan Todorov, também no Libération:

“Não há guerra limpa nem guerra justa, apenas guerras inevitáveis, como a Segunda Guerra Mundial levada a cabo pelos aliados; não o caso atual. Os massacres cometidos em nome da democracia não são mais fáceis de suportar do que os causados pela fidelidade a Deus ou a Alá, ao Guia ou ao Partido: quer uns quer outros conduzem aos mesmos desastres da guerra”.

Jean Daniel, decano da imprensa francesa e editorialista do Nouvel Observateur, respondeu, uns dias depois, a Todorov:

“Não há guerra justa? É uma azenha que não precisa de água. E contribuo para tal afirmação citando Camus: ‘Quando um oprimido pega em armas em nome da justiça, entra no campo da injustiça’”. “Tomo o partido, com a morte na alma, de dizer sim, é preciso impedir Kadhafi de tomar Bengasi e, sim, há que tudo fazer para ajudar os insurrectos a libertarem-se a si próprios do seu ditador.”

No [Monde](http://abonnes.lemonde.fr/cgi-bin/ACHATS/ARCHIVES/archives.cgi?ID=f7b5c952c40fc12d1fe27349f6135d1aa25279ce6dda6cb3), Alain Frachon é o porta-voz dos defensores do caminho intermédio, daqueles que, escreve ele “se recusam a uma atitude de princípio e decidem caso a caso, segundo cada uma das situações. O caso líbio justifica uma intervenção, limitada”. Se a democracia não se exporta “com bombardeiros”, escreve referindo-se a Brauman:

“Isso condena definitivamente o princípio da intervenção externa para proteger uma população da tirania dos seus governantes? Aos antecedentes afegão e iraquiano opomos a longa lista de tragédias em consequência da não intervenção. Este tipo de intervenção é uma ação humanitária: não é porque não podemos intervir em todo o lado que não devemos agir em lado nenhum”.

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