Elites europeias mantêm poder afastado do povo

Os populistas têm razão numa coisa: a União Europeia não dá ouvidos aos seus cidadãos. E a ação dos dirigentes e das instituições apenas reforça a impressão de que a integração europeia é feita através de medidas tecnocráticas, sobre as quais os populares não têm influência.

Publicado em 24 Agosto 2011 às 14:46

Quando Jürgen Habermas, filósofo alemão, diz qualquer coisa sobre a Europa e o seu país, os alemães tomam nota. Europeu apaixonado, com grande apoio nos EUA, Jürgen Habermas, 82 anos, tece comentários quando acha que as coisas estão a ir muito mal. Assim, deu recentemente uma palestra em Berlim, no meio da atual crise do euro, e cativou o público. Acusa as elites políticas de renegar a responsabilidade de dar a Europa aos cidadãos.

“O processo de integração europeia, que nunca esteve ao alcance da população, é agora um caso insolúvel”, afirmou Jürgen Habermas, num fórum realizado pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores. “Não poderá avançar mais enquanto não puser de parte o seu modo administrativo habitual e enveredar por um maior envolvimento do público.” As elites políticas “andam com a cabeça enterrada na areia”, afirmou, acrescentando que “persistem obstinadamente num projeto elitista e na desemancipação da população europeia”.

Os que concordam com Jürgen Habermas citam, muitas vezes, o comportamento de Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, e de Herman Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, que representa os 27 Estados-membros. Nestes últimos meses, nenhum deles conseguiu explicar a um público mais abrangente o que está a acontecer à Europa e ao euro. Nas entrevistas que dão, tendem a dirigir-se a uma elite. Nenhum deles chega ao cidadão. “Duvido que alguma vez tenham posto a hipótese de fazer uma reunião municipal”, afirmou Pawel Swieboda, director da DemosEuropa, uma organização independente de pesquisa, de Varsóvia.

Durão Barroso e Van Rompuy foram escolhidos à porta fechada. Angela Merkel, chanceler alemã, e Nicolas Sarkozy, presidente francês, que em matéria de assuntos europeus geralmente contornam o público mais amplo, exerceram uma poderosa influência sobre a escolha da figura que iria gerir Bruxelas. Optaram por líderes fracos, que ficassem comprometidos, dizem os analistas. Os que argumentam a favor de mais democracia na União Europeia, que dê aos líderes de Bruxelas uma verdadeira legitimidade e os force a justificar as decisões em público, estão perante dois grandes obstáculos.

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O primeiro é a determinação dos parlamentos nacionais em se agarrarem ao que lhes resta de poder próprio. Neste momento, dois terços da legislação é aprovada em Bruxelas e, depois, passada para os parlamentos nacionais, onde é aprovada com um aceno de cabeça. Não admira que os legisladores alemães estejam tão calejados na questão da crise do euro. O plano, vagamente definido por Merkel e Sarkozy, no encontro de Paris de 16 de agosto, de introduzir uma governação económica na UE, implica uma intromissão de Bruxelas no sistema fiscal e no orçamento da Alemanha. Este tipo de governação é um passo lógico em direção a uma maior integração económica. Mas, e a transparência e a responsabilidade democrática, perguntam os legisladores. Jürgen Habermas diz que não existem.

A UE funciona na base do método

O segundo obstáculo é que, com uma maior democracia, haveria uma reanálise dos tratados europeus que, entre muitas outras coisas, determinam o modo como as lideranças de Bruxelas são escolhidas e o modo de funcionamento das instituições. “É um grande problema de legitimidade. Se o que se pretende é mais legitimidade por meios legais, isso implica a revisão dos tratados”, explicou Krzysztof Bledowski, perito europeu, economista e diretor executivo do Manufacturers Alliance, um grupo de pressão sedeado em Arlington, na Virgínia, que se mantém atento aos desenvolvimentos na Europa. Mas nenhum líder europeu quer reabrir os tratados tão laboriosamente negociados.

A UE poderia, pelo menos, ser democratizada em pequeninas coisas. Contudo, nota Pawel Swieboda, “a UE funciona na base do método, de processos, que têm prioridade sobre a democracia”. Decisões momentâneas, como a introdução do euro, ou o alargamento, são tomadas aos poucos, numa fase inicial, o que dificulta o trabalho dos opositores de reunir apoio público num determinado momento. Mas, depois de arrancarem, ainda são mais difíceis de travar. A Comissão Europeia e os Estados-membros avançam sempre com o argumento de que seria demasiado arriscado e demasiado dispendioso. Para além disso, no fim, todos iremos beneficiar de uma integração mais estreita.

É verdade que a UE não existiria nos presentes moldes sem o “método Monnet”, como às vezes lhe chamam, por causa de Jean Monnet, o fundador da Europa, sob cujas orientações se tomaram as primeiras decisões modestas sobre a integração da indústria europeia do carvão e do aço, no início da década de 1950.

Inexoravelmente, aos poucos, este método levou a um mercado comum de todos os bens. Mas este método também foi aplicado durante a adesão da Grécia ao euro, em 2001, apesar dos avisos de economistas e investidores sobre a legitimidade grega e, mais tarde, durante a adesão da Bulgária e da Roménia à UE, em 2007, apesar dos avisos judiciais e de segurança quanto à situação endémica de tráfico e corrupção nos dois países. Todos estes avisos foram ignorados. O processo não podia parar.

Mas as críticas a este modelo de tomada de decisão também não são bem recebidas.

“A resposta do status quo é que, como é a solução, a Europa não deve ser questionada”, afirma Pawel Swieboda. “Se questionarmos a Comissão Europeia, por exemplo, somos considerados eurocéticos.” Esta abordagem justificou os partidos eurocéticos e populistas. Os pró-europeus chamam-lhes anti-europeus. Mas os partidos populistas, cada vez mais coniventes com a direita institucional, têm um propósito: a UE não dá ouvidos ao cidadão.

“Faltam-nos verdadeiros líderes europeus”, diz Andrea Römmele, professora de Comunicação em Política e Sociedade Civil na Hertie School of Governance, em Berlim. “Com uma interligação tão grande entre assuntos europeus e nacionais, é grande a necessidade de líderes europeus que comuniquem com o público e fortaleçam a Europa.”

A crise do euro é o melhor exemplo do fracasso dos líderes nesse aspeto. Se e quando a Europa emergir desta atual crise, os partidários de uma maior integração dizem que a liderança em Bruxelas e nas capitais não pode continuar como tem sido até aqui. A menos que as portas da UE se abram à responsabilidade e à democracia, a Europa irá render-se aos populistas.

Governo da Zona Euro

Herman Van Rompuy - o faz tudo

A ideia, reposta por Angela Merkel e Nicolas Sarkozy durante o seu encontro a 16 de agosto, de nomear Herman Van Rompuy como “Sr.Euro” é apenas a última nomeação por cooptação nas instituições europeias. “Após a respetiva eleição como Presidente do Conselho Europeu, em 2010, o antigo primeiro-ministro belga esclareceu duas coisas”, escreve o ABC: “que estava ciente de que a sua nomeação era fruto da vontade clara do eixo franco-alemão e que via o seu mandato como uma missão para salvar o Estado-Providência; pilar da organização sociopolítica do velho continente face aos desafios da economia globalizada.” A prova de que “este homem de aparência dúctil sabe o faz” refere o diário madrileno, “é que ele não respondeu à proposta franco-alemã relativamente às suas novas funções como chefe do governo económico europeu, sobre a qual o eixo franco-alemão depositou todas as esperanças para salvar o euro. A sua primeira reação foi uma visita oficial à Noruega, um país que nunca pertenceu à zona euro, mas cuja moeda depende da moeda única, como se nada se tivesse acontecido.”

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