Entrem os opositores

Muitos acusam a UE de falta de transparência e de défice democrático. Mas o problema não é esse, considera o sociólogo Armin Nassehi. O que faz falta à UE é uma verdadeira oposição transnacional e integrada às instituições.

Publicado em 24 Maio 2013 às 15:22

Os partidários e os detratores da organização política europeia e dos seus processos de tomada de decisões estão de acordo num aspeto: o diagnóstico de um défice de democracia. Para os apoiantes do sistema, esse défice deve-se essencialmente à ausência de uma consciência e de uma opinião pública europeias. Por seu turno, os que censuram esse mesmo sistema sublinham que não é possível impor essa consciência, devido às especificidades culturais e políticas e, sobretudo – na situação atual –, às especificidades económicas de cada país.

Por conseguinte, a questão parece ser clara: a política europeia sofre de um défice democrático. Resta saber o que quer isso dizer. O Parlamento Europeu é eleito democraticamente, os membros da Comissão Europeia são nomeados por governos eleitos democraticamente e aprovados pelo Parlamento Europeu. E o Tribunal de Justiça da União Europeia assegura que a lei nesta matéria seja respeitada.

Existe realmente um défice de democracia na Europa, mas este reside na ausência de oposição, ou seja, de uma organização política das opiniões não maioritárias.

Défice democrático da Europa

Os mandatos são legitimados por maiorias, em eleições mais ou menos diretas – e esse é o princípio básico da democracia. Acontece que esses mandatos só são democráticos se tiverem uma duração determinada. É por isso que, numa democracia, o ato decisivo não é o voto mas a destituição explícita através do voto. Contudo, para a destituição ser aplicável a todos, importa criar, no seio do sistema político, uma oposição que possa ser eleita, quando considerado fundamental. Essa oposição deve ser dotada dos recursos e das competências necessários, de um programa adequado, de uma equipa e de um grupo alvo capaz de lhe dar resposta. É pois a oposição que permite a destituição dos dirigentes ou dos governos – é a condição indispensável de uma política democrática.

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Dito isto, poderemos definir com maior precisão o défice democrático da Europa. Evidentemente que é possível mudar de maioria, quando se realizam eleições europeias, o que tem importantes repercussões sobre as decisões políticas concretas na Europa. Mas, no fundo, isso não equivale a uma destituição explícita: esta assinala uma rutura e torna a comunicação política percetível para a opinião pública.

A falta de transparência da Europa não é fruto de estruturas duvidosas nem do excesso de burocracia: os aparelhos políticos nacionais não são menos complicados. A Europa parece muito complexa unicamente devido ao facto de não ser possível entender o processo político europeu através de uma reprodução do jogo político entre um governo e uma oposição.

Regresso à esfera nacional

Poder-se-á dizer que o problema da política europeia reside em esta ser avaliada num plano puramente factual. As pessoas interessam-se muito mais pelos seus resultados do que pelos resultados obtidos pelos políticos que têm de dar provas, defendendo esta ou aquela solução perante a opinião pública, e que são obrigados a ter em conta e a prever a possibilidade de serem destituídos.

Uma das consequências desta ausência de oposição é o regresso da comunicação política à esfera nacional, no momento da crise europeia. No interior do sistema, não está disponível nenhuma política de oposição nem qualquer hipótese de destituição através do voto e, no seio da política europeia e das suas instituições, não existe qualquer solução alternativa – pelo menos uma solução alternativa que seja compreensível para a opinião pública. A única oposição visível assume a forma de posições antieuropeias, que envenenam a política europeia, por preconizarem o recuo da esfera comunitária e um retorno à esfera nacional.

Resultado: as soluções propostas assumem a forma de alternativas entre modelos nacionais e não entre opções políticas. O facto de o partido político antieuropeu recentemente criado na Alemanha se chamar Alternativa para a Alemanha insere-se nessa lógica.

Por uma constituição comum

À escala nacional, uma formação deste tipo tem por efeito limitar as margens de manobra. À escala europeia, não constitui uma verdadeira oposição. O partido Alternativa para a Alemanha corrompe a democracia europeia, precisamente por não se tratar de uma oposição que seja capaz, ou tenha sequer o desejo, de governar. Mais do que nunca, a Europa precisa de crítica: mas de uma crítica e de uma oposição políticas, à escala europeia.

As campanhas de promoção da Europa não deveriam apostar tanto em profissões de fé e nos apelos à solidariedade – os quais se obtêm facilmente. Essas campanhas só têm impacto se for possível destituir o governo europeu através do voto – se existir uma oposição oficial à Comissão Europeia [segundo o modelo da oposição oficial a Sua Majestade, no Reino Unido], dotada de verdadeiro poder de ataque mediático. Uma oposição desse tipo conduziria, naturalmente ou quase, ao aparecimento de uma opinião pública europeia transnacional.

Paradoxalmente, a Europa teria muitos ensinamentos a retirar da génese das nações. Os países europeus só conseguiram chegar à unidade política a partir do dia em que foram capazes de integrar as formas internas de oposição e, portanto, de as tornar viáveis. Não há dúvida de que a Europa deveria dotar-se de uma constituição comum – para tornar possível a oposição na Europa, contra a Europa e a favor da Europa. É preciso dar à opinião pública a possibilidade de depor o “governo” europeu, sem exonerar a governação europeia.

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