Aldeia suíça perto de Zurique (Imagem: Juhanson)

És Lisboa ou és Suíça?

A União Europeia proporciona aos seus cidadãos um alto grau de segurança, prosperidade, liberdade e bem-estar social mas, na cena mundial, é uma entidade de segundo plano. Para poder escapar ao seu estatuto de "Grande Suíça", é fundamental que a Irlanda aprove o Tratado de Lisboa, defende Timothy Garton Ash.

Publicado em 2 Outubro 2009 às 13:14
Aldeia suíça perto de Zurique (Imagem: Juhanson)

Em tempos que já lá vão – e que tempos maus eram esses –, o mundo tremia quando a Alemanha falava. Agora, o mundo quase não repara. Por exemplo: se, ao longo das últimas semanas, me tivesse fiado apenas na televisão e nos jornais americanos, poderia nem sequer ter sabido que havia eleições no país mais importante da Europa. As palhaçadas de Silvio Berlusconi são notícia, mas a política europeia séria não o é. A Europa não é suficientemente perigosa para requerer atenção nem tem uma dinâmica e uma capacidade de impacto suficientes para a impor, como acontece com a China. A Europa é simpática, maçadora e irrelevante.

Em certa medida, trata-se de um grande feito. Da última vez que a Europa sofreu uma crise financeira e económica desta dimensão, com elevados níveis de desemprego, a Alemanha não optou por ser simpática e maçadora. Desta vez, o centro aguentou-se valentemente. A política de "a culpa é dos estrangeiros" não leva a lado nenhum. Angela Merkel [da conservadora CDU] confirmou o seu estatuto como um dos políticos mais notáveis da Europa. Notável, em boa medida, devido à sua brilhante representação como pessoa sem nada de excepcional: franca, sem pretensões, terra a terra.

Em coligação com o FDP [liberais], Angela Merkel terá oportunidade de conseguir aplicar algumas reduções de impostos, de prolongar a vida de centrais nucleares e, talvez, de levantar mais algumas das restrições do mercado de trabalho. Mas nem os defensores do mercado livre devem ter demasiadas esperanças nem os social-democratas devem ter demasiados receios. Merkel II não vai ser assim tão diferente de Merkel I. A chanceler ganhou as eleições por se ter mantido ao centro. E é no centro que irá continuar. O elaborado sistema de equilíbrio de poderes [entre órgãos de soberania] não favorece as mudanças rápidas e radicais.

Com Angela Merkel e, muito provavelmente, com o liberal Guido Westerwelle no cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, a política externa alemã também não mudará muito. A Alemanha continuará a ser o maior parceiro da Rússia na Europa. Tentará ser um bom amigo dos EUA mas, ao mesmo tempo, manterá os soldados alemães a salvo de riscos no Afeganistão e continuará a negociar com o Irão, tanto quanto permitirem os limites da decência.

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Os pormenores serão acertados num mês de negociações sobre a coligação. "Quando os líderes mundiais chegarem a Berlim, em 9 de Novembro, preferiria recebê-los com um novo Governo", diz Merkel. Dia 9 de Novembro – a queda do Muro. E, de repente, recordamos as esperanças e os medos de 1989. A Alemanha no coração de uma Europa Unida, um modelo para o mundo. Ou, nas fantasias exageradas de britânicos e polacos conservadores, a Alemanha como o Quarto Reich. Em vez disso, temos… o relógio de cuco, como observou sarcasticamente Orson Welles, resumindo os feitos de dois mil anos de civilização suíça: a Alemanha como a Grande Suíça.

E não é apenas a Alemanha: a Europa de hoje é toda ela uma Grande Suíça. Tem cantões grandes e pequenos, todos eles defendendo as suas tradições e governos próprios. Temos o cantão Eslovénia e o cantão França, o cantão Grã-Bretanha e o cantão Luxemburgo. Alguns são mais importantes do que outros mas nenhum deles tem metade da importância que costumava ter ou – em especial no caso da França e da Grã-Bretanha – que ainda julgam ter. Esta Grande Suíça garante um elevado nível de segurança, prosperidade, liberdade e bem-estar social à maioria dos seus cidadãos, embora não a todos, e a alguns, embora não à maioria, dos que nela residem. Para os seus cidadãos, é um dos melhores lugares do mundo para se viver.

Mas há muita coisa a dizer sobre sermos a Suíça. A questão é esta: estaremos nós, europeus, satisfeitos em ficar por aqui? Será isto o máximo que queremos ser no século XXI? Desconfio que, no fundo do coração, muitos europeus responderão "sim". O problema é que, a longo prazo, se optarmos por sermos apenas uma Grande Suíça, iremos perder gradualmente as condições que de facto permitem que sejamos uma Grande Suíça. Porque o objectivo de termos uma política externa europeia não é o poder em si mas o poder para proteger e ampliar os interesses que são cada vez mais partilhados entre todos os países europeus – e ameaçados num mundo de gigantes não europeus.

A Alemanha é importante para esta escolha. O Reino Unido é importante para esta escolha – mas, provavelmente, seguirá na direcção errada, sob um Governo conservador. No entanto, esta semana, o país mais importante é a Irlanda. Porque a Irlanda vota de novo, em 2 de Outubro, no referendo sobre o Tratado de Lisboa. Precisamos que os irlandeses votem "sim", para termos uma voz europeia mais forte no mundo. Do ponto de vista democrático, houve alguma coisa de errado em não aceitar o "não", da primeira vez. Mas, do ponto de vista democrático, também há algo de errado no facto de os jornais britânicos que são propriedade de Rupert Murdoch desempenharem o papel que desempenham no debate irlandês.

Os irlandeses têm de se decidir; fá-lo-ão pelas suas próprias razões; e não devem ser alvo de quaisquer ameaças quanto às terríveis consequências de uma escolha "errada". E, para o futuro da Europa, a escolha irlandesa pode ser mais importante até do que a da Alemanha.

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