Após os confrontos com moradores de Rosarno (Calábria), os trabalhadores imigrantes esperavam por um autocarro que os levasse para um refúgio de emergência, a 9 de janeiro de 2010.

“Escravos” de Rosarno sem solução à vista

No final de 2009, os africanos que trabalhavam nos pomares da Calábria rebelaram-se contra condições desumanas de vida e de trabalho, reacendendo o debate sobre o trabalho sazonal. Três anos depois, as iniciativas públicas falharam e os imigrantes continuam a viver em condições de exploração.

Publicado em 10 Janeiro 2013 às 12:29
Após os confrontos com moradores de Rosarno (Calábria), os trabalhadores imigrantes esperavam por um autocarro que os levasse para um refúgio de emergência, a 9 de janeiro de 2010.

Enganam-se os que dizem que tudo voltou ao normal em Rosarno, três anos após a revolta de imigrantes, as pilhagens, a contrarrevolta dos italianos, as caças ao homem e, finalmente, a deportação dos africanos. Hoje está pior.

Os africanos voltaram a atingir um milhar, como há três anos. Chegam no outono e voltam a partir na primavera, após a colheita de citrinos. Recebem €25 por dia, embora os empregadores prefiram pagar à peça, para aumentar a sua eficiência: um euro por caixa de tangerinas e €0,50 pela de laranjas, cada uma pesando entre 18 e 20 quilos.

No auge da temporada, trabalham três ou quatro dias por semana, dependendo do trabalho e desde que paguem três euros ao capataz que os transporta de madrugada numa carrinha. Nos dias sem trabalho, são vistos a atravessar a planície de bicicleta, a fazer compras no supermercado mais barato, a cozinhar arroz e asas de frango em latas enferrujadas, a embebedar-se com cerveja, a brigar uns com os outros.

Promessas por cumprir

Os dois dormitórios gigantescos nas ruínas de antigas fábricas já não existem há três anos. Um foi fechado e abandonado, o outro demolido. Após os acontecimentos de 2009, era preciso apagar tudo aquilo e não apenas psicologicamente. Mas hoje, o novo bairro de lata entre Rosarno e San Ferdinando é ainda mais terrível, se possível. As placas de fibrocimento, recuperadas de lixeiras industriais que abundam na Calábria, dão saudades dos esqueletos de cimento e das paredes de chapa metálica. Hoje, os telhados são de celofane, papelão e plástico reutilizado.

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Aterros de 20 centímetros escoram abrigos precários, invadidos por lama às primeiras chuvas. Os sanitários ficam ao fundo à direita: duas fossas com um metro por 40 centímetros escavadas na terra, a céu aberto e sem qualquer proteção. Na tenda maior, com dez metros por cinco, há uma centena de camas, ou melhor, cem colchões cheios de mofo e camas de campanha. O cheiro é indescritível. Não há água, nem esgotos, nem eletricidade. Pilhas de lixo fazem de divisória.

"Uma situação indigna, vergonhosa, um horror", explode Domenico Madafferi, o presidente da Câmara de San Ferdinando. Baseado num relatório sobre as condições de higiene "praticamente inexistentes”, esta “situação de perigo para a saúde", a “periculosidade destas barracas" e as "construções selvagens, desprovidas de condições mínimas de viabilidade", que "podem tornar-se focos de infeção", assinou pelo seu punho uma ordem de deportação. "Uma forma de encostar o Governo e a região à parede, depois de reuniões inúteis, apelos e reclamações por escrito”, explica. “Mas nada mudou. Foram só promessas."

O modelo Rosarno, um milagre?

E no entanto, há apenas um ano, as autoridades inauguraram um acampamento-modelo: 280 lugares, tendas amplas, para quatro pessoas cada e com aquecedores a óleo, TV por satélite, instalações sanitárias de campismo, iluminação nas alamedas, recolha organizada de lixo, um refeitório e uma cozinha, assistência médica. Um pedaço de Suíça na planície de Gioia Tauro.

A região desembolsou 55 mil euros para a sua gestão. A Província pagava a eletricidade. Os presidentes das Câmaras de Rosarno, Elisabetta Tripodi, e de San Ferdinando, Domenico Madafferi, faziam o resto. As mais diversas associações e voluntários – laicos, católicos, evangélicos – desdobraram-se para dar assistência, alimentação, cobertores, com a ajuda de milhares de pessoas. Iam bem longe os relentos do racismo. O campo de tendas veio acrescentar-se aos contentores instalados em fevereiro de 2011: 120 imigrantes repartidos a seis por módulo, com cozinha e casa de banho. Não só os últimos guetos tinham sido desmantelados, como o "modelo de Rosarno", numa grande inovação, fornecia abrigo e alimentação a cada imigrante por dois euros por dia por pessoa, em vez dos 45 geralmente gastos pela Proteção Civil.

E, portanto, embora com um ainda insuficiente número de lugares – 400, um terço do necessário –, numa região em permanente estado de emergência (há algum tempo, as três principais administrações municipais foram dissolvidas ao mesmo tempo pela máfia), ter acudido à ocorrência, ainda que temporariamente, parecia um milagre. Mas em breve se revelaria a sua verdadeira natureza: um interlúdio passageiro. 

Acampamento saturado de imigrantes

Junho de 2012: o financiamento da região esgotou-se, o acampamento de tendas foi fechado e abandonado, à espera da próxima campanha agrícola. Em agosto, os presidentes da Câmara falaram com os responsáveis regionais e governamentais: tinha de ser tudo organizado a tempo, caso contrário seria novamente o caos. E foi o que realmente aconteceu: no final de outubro, quando começa a colheita das tangerinas, o acampamento, sem gerente nem administração, ficou rapidamente saturado de imigrantes.

Vivem seis por tenda, mas há sempre novos a chegar. Os presidentes da Câmara reclamam ajuda. Não têm meios, nem estruturas, nem pessoal para controlar a situação. "A região e o Governo arrastam a situação, o ministro [da Cooperação Internacional e da Integração], Andrea Riccardi, não responde, só o Presidente da República deu uns sinais de atenção, através da compra e envio de cobertores, aliás inadequados", desespera o presidente da Câmara, enraivecido. Passadas algumas semanas, o refeitório transforma-se também num enorme dormitório. Não há mais espaço e os últimos a chegar começam a construir um bairro de lata adossado ao acampamento inicial.

Sem manutenção, os esgotos não aguentam uma população que quadruplicou. Os contentores equipados com casa de banho tornam-se rapidamente cloacas impróprias para utilização; fecham-se as cozinhas e os contentores de lixo transbordam. Teriam bastado 50 a 70 mil euros para recuperar o controlo da gestão do campo, para o pôr a funcionar eficaz e decentemente até à primavera. Bastavam 0,000006% da despesa pública italiana e das promessas ouvidas há três anos. Será que é pedir demasiado para Rosarno?

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