Com mais de dois metros de altura, barba majestosa e ventre proeminente, Kalev Vilgats tem tudo para fazer dele a encarnação do temível invasor viking. Para ele, uma cerveja normal é um copo de litro e as paredes tremem quando vai conversar com amigos para o seu restaurante favorito, próximo do centro de Paernu, uma cidade do Sul da Estónia.
Independentemente do tema em discussão, seja a qualidade da cerveja, a crise económica ou o euro que entrará em vigor no país em Janeiro próximo. Antes de dar a palavra ao convidado, como autêntico patriota estónio, Kalev detém-se no elogio dos méritos das termas locais e recorda que a sua cidade natal vai organizar, este Verão, o grande festival das cidades da Hansa, o que, segundo a Câmara Municipal, permitirá relançar o sector do turismo, duramente afectado pela crise.
"Para as pessoas comuns, a vida está difícil, têm ainda de fazer contas", afirma este jornalista do diário local. No ano passado, o PIB do país caiu 14%, os salários sofreram uma redução média de 15% e o desemprego atingiu a fasquia dos 16%. E vem então a pergunta que surpreende tanto este ogre tão seguro de si como a maioria dos estónios. Como explicar a magia do êxito do seu país e a firmeza dos seus compatriotas? É que, apesar da crise, não se revoltam, não acusam ninguém, não caem nem no populismo nem no pessimismo, trabalham afincadamente e dispõem de um sistema electrónico de gestão pública transparente.
Uma prática de consenso
“A verdade é que já nos tínhamos pronunciado pelo euro em 2003, durante o referendo para adesão à União Europeia.” Portanto, explica Kalev, “a única questão em suspenso era saber exactamente quando conseguiríamos satisfazer os critérios exigidos para a sua introdução”. A Estónia, que partia de uma situação pós-soviética de marasmo, conseguiu, gradualmente, alcançar os patamares mais elevados das diferentes classificações de avaliação das condições empresariais e de vivência democrática.
É o país onde se preenche a declaração de impostos com três cliques do rato. É também o primeiro país da Europa a ter introduzido o imposto de taxa única. Por último, é um país cuja economia aberta foi duramente fustigada pela crise financeira mundial. O que distingue a Estónia dos outros países pós-comunistas? Existe um consenso sobre alguns fundamentos de uma estratégia de desenvolvimento, que ninguém pôs realmente em causa desde 1990. Não existe polarização ideológica, como acontece na Eslováquia, na República Checa ou na Hungria.
A adesão à União Europeia e à NATO é um objectivo que todos os países da Europa Central partilham; mas a Estónia tem algo, para além disso, a que se pode chamar uma certa prática de consenso. Não é um conceito fácil de compreender. Os estónios são ao mesmo tempo um povo muito fechado e trabalhador. O sociólogo e filósofo lituano Zenonas Norkus tem uma explicação histórica para este espírito aplicado, que assenta na famosa tese do sociólogo Máximo Weber sobre o protestantismo como berço do capitalismo. Ora, os estónios são maioritariamente luteranos não praticantes…
Confiança nas instituições
O desejo dos estónios em libertar-se da influência soviética e desembaraçar-se da sua herança constitui outro motivo histórico de consenso. Além disso, vêem nos finlandeses, dos quais estão linguisticamente próximos, um modelo. Nada os lisonjeia mais do que dizerem-lhes que o seu país não é nem báltico nem pós-comunista, mas escandinavo.
Aliás, esta afirmação é em certa medida apoiada em factos, dadas as relações estreitas que existem entre a Finlândia e a Estónia, tanto do ponto de vista comercial como dos respectivos mercados do trabalho. À hipótese de o consenso poder ser, de certo modo, sinónimo de um Estado corporativo, respondem que, num tão pequeno país, é inevitável que todas as pessoas se conheçam entre si, que o sector público e o sector privado estejam naturalmente ligados e que as regras e as leis sejam elaboradas de maneira muito transparente.
“As pessoas têm confiança nas instituições, porque após a independência, a Estónia conheceu um crescimento económico muito forte e o Estado soube demonstrar transparência. Daí ser possível uma política unitária, aqui”, considera o sociólogo Aivar Voog. A relação positiva com o Estado é, sem dúvida, o elemento essencial que distingue a Estónia dos outros países pós-comunistas. Os estónios reconhecem-se verdadeiramente no seu Estado. Isso permite explicar o comportamento respeitoso que têm entre si e em relação ao Estado.
Luta contra a crise
Letónia ou Hungria: quem tem razão?
Rigor ou despesa para estimular o crescimento? O dilema europeu foi abordado de forma diferente por dois países da Europa Central e Oriental, comparados pelo Dziennik Gazeta Prawna. De um lado, a Letónia apertou o cinto e, levando muito a sério as recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI), cortou radicalmente nas despesas. Ao ponto de, como escreve o diário polaco, no Inverno passado, os estudantes terem tido aulas em anfiteatros pouco aquecidos. O jovem primeiro-ministro Valdis Dombrovskis, com apenas 37 anos, impôs um regime draconiano aos seus compatriotas: aumentou o IVA de 18% para 21%, baixou as pensões de reforma, diminuiu as despesas com os hospitais em 57% e reduziu drasticamente os salários de médicos e professores universitários. Os efeitos não tardaram a fazer-se sentir: o défice das contas correntes do país passou de 27%, em finais de 2006, para zero, no início deste ano.
Em contrapartida, o novo primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, optou por um modelo de combate à crise assente num elevado défice orçamental, promessas de redução de impostos para estimular o crescimento e reduzir o desemprego e um papel mais interveniente do Estado na economia. Perante as críticas do FMI e da UE, anunciou que não pretende submeter-se às imposições do mercado ou das instituições internacionais. Espera-se que a erradicação definitiva da economia paralela que, de acordo com as estimativas, gera 25% do PIB da Hungria, venha a ser a arma secreta de Viktor Orbán.