Numa crise que, de dois em dois meses, redefine o possível e o impossível na Europa, há já algum tempo que uma ideia dos europeístas utópicos começa a aparecer como a única alternativa ao colapso da zona euro. As euro obrigações – a emissão de dívida europeia para substituir a dívida cada vez mais cara de países soberanos como a Espanha – podem ser a única maneira de travar o efeito dominó nos mercados de dívida soberana.
Este já fez cair a Grécia e a Irlanda e agora se volta para Portugal após a subida a pique dos juros da dívida lusa. “As euro obrigações têm cada vez mais apoio em Portugal”, diz José Reis, da Universidade de Coimbra. “Seria um sinal decisivo de que existe um compromisso de gestão da União”, afirma Paul de Grauwe, da Universidade de Louvaina. “Há a perceção de uma crise existencial na zona euro”.
Convertir a dívida dos países em dívida europeia
Depois de o debate ter sido lançado, antes do Natal, por Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo, e pelo ministro das Finanças italiano, Giulio Tremonti, a opção de converter grande parte da dívida dos respetivos países membros em dívida europeia conta já com o apoio da cúpula do Partido Social Democrata [alemão], concretamente, dos ex-ministros do SPD Frank Walter Steinmeier e Pier Steinbrück. “Há uns meses as euro obrigações eram uma heresia; agora, pode dizer-se que é a posição oficial da oposição alemã”, disse Thomas Klau do think tank Conselho Europeu das Relações Estrangeiras (CERE), em Bruxelas.
Previsivelmente, Angela Merkel recusou a ideia que, segundo a maioria dos economistas, precisa de garantias alemãs para a dívida emitida e constituiria o primeiro passo para a união fiscal que tantos receios causa a Berlim e Frankfurt [sede do Banco Central alemão]. Mas, “à medida que a crise avança, na Alemanha cresce a oposição a Merkel e torna-se claro que é preciso escolher entre fragmentação ou maior integração e euro obrigações”, diz Klau.
Já há várias propostas em cima da mesa. Juncker e Tremonti, num artigo publicado no Financial Times defendem a criação de uma agência europeia de dívida – um Fundo de estabilização europeia (EFSF) reconvertido [criado em maio de 2010, ele dispõe de 440 mil milhões de euros para apoiar os Estados com necessidade de refinanciamento], que emitiria dívida equivalente a 40% do PIB de cada Estado membro, garantido pelos Estados soberanos (e, é preciso dizê-lo, de maneira desproporcionada pela Alemanha). As economias em crise trocariam uma parte da sua dívida por euro obrigações, o que facilitaria uma redução drástica do seu custo de financiamento. O Institut Bruegel, de Jean Pisani-Ferry, propõe uma ideia semelhante ao sugerir a europeização de 60% da dívida soberana.
A criação de um New Deal europeu
Os economistas Stuart Holland (Universidade de Coimbra) e Yanis Varoufakis (Universidade de Atenas) vão mais além e propõem que o BCE emita dívida europeia no valor de dívida soberana de 60% do PIB, parte do qual classificam como um New Deal europeu que inclui a re-estruturação concertada de parte da dívida soberana com a dívida dos bancos. “O mercado de euro obrigações rivalizaria com o mercado do Tesouro norte-americano e (...) daria um sinal muito forte de que os países da zona euro estão dispostos a forjarem os seus destinos a longo prazo”, explica um relatório do CERE.
É importante distinguir estas propostas da pequena emissão de euro obrigações anunciada pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF) para financial parte do resgate da Irlanda. “As euro obrigações do EFSF concorrem com a dívida soberana; a nossa proposta substitui a dívida soberana”, diz Varoufakis. As euro obrigações do EFSF coincidiram com grandes aumentos dos juros da dívida periférica, o que preocupou os seus Governos.
Um passo intermédio poderia ser a criação de uma espécie de euro obrigações para facilitar a re-estruturação da dívida de países como a Grécia e a Irlanda, defende o economista Barry Eichengreen da Universidade de Berkeley. Para facilitar a troca de dívida destes países por dívida a longo prazo e reduzir o custo dos juros de financiamento, o EFSF poderia garantir novas euro obrigações que um país insolvente – Irlanda, Grécia – ofereceria aos bancos. Eichengreen acredita que esta ideia das euro obrigações como “adoçante” de uma re-estruturação da dívida é mais prática já que a europeização da dívida soberana ainda está muito longe.
“A ideia de Juncker e Tremonti não resolve o problema imediato (a insolvência da Irlanda e da Grécia) e as suas propostas precisam de tempo para serem postas em prática”, diz Eichengreen. No entanto, nesta crise, até as propostas que hoje são as menos práticas podem vir a tornar-se, amanhã, a única alternativa ao colapso da zona euro.