Europa atrasada nas ciências

Numa altura em que os objetivos de Lisboa, em matéria de inovação, foram adiados para 2020, as grandes universidades europeias dizem que a investigação está excessivamente dependente do setor financeiro.

Publicado em 3 Fevereiro 2011 às 17:36

A Europa corre o risco de perder o comboio do avanço científico. A UE avança demasiado lentamente no terreno da ciência para cortar caminho à liderança dos Estados Unidos e do Japão e assiste enquanto a China reduz rapidamente o seu ancestral atraso. Os objetivos do fracassado processo de Lisboa foram adiados nada menos do que uma década, passando de 2010 para 2020. Neste contexto, cresce a preocupação de que os ajustes orçamentais acabem por travar uma atividade investigadora ainda muito dependente do investimento estatal.

Este é o cenário que a Comissão Europeia confirma ao anunciar a classificação em inovação dos países europeus. Os dados refletem a insuficiência do esforço orçamental: perante o objetivo de dedicar 3% do PIB a I+D [Investigação+Desenvolvimento], os Vinte e Sete estão ainda nos 2,01%.

Os reitores das universidades europeias mais envolvidas na investigação fizeram um apelo para que haja um impulso de investimento público para que não se perca a competitividade. Os 22 reitores de universidades como Oxford, Cambridge, Lovaina ou a Universidade de Barcelona pedem aos líderes da UE que “tenham consciência da importância, para a competitividade da Europa, de um investimento adequado e a longo prazo em investigação básica”.

A meta dos 3% fixada em 2000, na cimeira de Lisboa, para o final da primeira década deste século não conseguiu ser alcançada. Há diferenças notáveis de país para país. A Alemanha ou a França, a Suécia ou a Dinamarca superam largamente a média europeia, segundo os dados do Eurostat e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE).

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Japão ultrapassa toda a UE

Na Europa, o investimento em I+D tem mais peso do que noutros polos económicos. Daí a importância das políticas governamentais neste âmbito. Na União Europeia, 45% do investimento em I+D é público. Não é isso que acontece nos Estados Unidos, onde o Estado investe apenas 33%; nem tão-pouco no Japão e na Coreia do Sul, onde a percentagem de investimento público não chega aos 30%.

As universidades europeias defendem o seu papel na investigação, em especial na investigação básica. “O mundo é global e o investimento também. Há que gerar conhecimento através do investimento em investigação”, diz o vice-reitor para a investigação da Universidade de Barcelona, Jordi Alberch. “A investigação básica gera conhecimento para entender, por exemplo, como funcionam os diferentes materiais, os organismos, ou as células e isso, depois, pode gerar patentes e é aí que as universidades europeias têm um importante papel”, sublinha Alberch.

O Japão ultrapassa o conjunto dos países da União Europeia em total de patentes registadas, no Gabinete Europeu de Patentes, por milhão de habitante, segundo o Eurostat. Tem 161 registos por milhão de habitantes, enquanto a União Europeia tem 116, apesar de países como a Alemanha e a Dinamarca estarem, por seu lado, acima do Japão. “O número de patentes registadas por um país é relevante, mas uma patente não significa, necessariamente, que tal descoberta esteja a ser explorada”, afirma Juan Mulet, diretor general da Fundação para a Inovação Tecnológica (Cotec), que agrupa 80 empresas espanholas com base na tecnologia.

Agenda de Lisboa fracassou

Que relação há entre o investimento e a investigação, as patentes e o crescimento económico? Luis Sanz, diretor do Instituto de Política e Bens Públicos do Conselho Superior de Investigações Científicas, sublinha: “Em geral, há uma relação entre os gastos em I+D, especialmente os privados, e as patentes”. As patentes são “uma forma de medir o potencial inovador de um país”, acrescenta este especialista.

O objetivo da comissária para a Investigação e Inovação, Máire Geoghegan-Quinn, é que esses 3% do PIB destinados à ciência são repartidos entre 1% de fundos públicos e 2% de fundos privados.

Se, na Europa, países com uma tradição científica consolidada, como são países nórdicos, a Alemanha e o Reino Unido, se mantêm à frente, na cena internacional os Estados Unidos demonstram perante a UE o seu excelente instinto para a investigação e uma potente China começa já a aparecer no horizonte.

A Comissão mantém que uma I+D efetiva é a única saída para que a Europa consiga atingir um crescimento que gere emprego de qualidade que não esteja à mercê dos vaivéns da globalização. Fracassado o sonho da Agenda de Lisboa de, em 2010, converter a UE no líder global da economia do conhecimento, a Comissão e os Vinte e Sete criaram agora um novo rótulo: União da Inovação, que integra a chamada Estratégia 2020, orientada para conseguir uma economia inteligente, sustentável e inclusiva. O enfoque desta União da Inovação aponta para questões que, em teoria, interessam aos europeus, como sejam as alterações climáticas, a eficiência energética e a vida saudável.

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