À primeira vista e com a exceção do atual movimento de protesto [desde fins de fevereiro, houve manifestações nas grandes cidades croatas, exigindo a demissão do Governo de Jadranka Kosor, acusado de corrupção e de má gestão], tudo gira em torno da União Europeia. Todos os olhares estão postos em Bruxelas e nas mensagens que de lá vêm. Mas só à primeira vista.
Porque, pondo de lado os órgãos de comunicação e os altos responsáveis políticos, raras são as pessoas que ainda pensam na adesão à UE. Preocupados com a crise e com os problemas de sobrevivência, os croatas, na sua maioria, não dão qualquer importância aos recados de Bruxelas!
Na sua perspetiva, as negociações decorrem numa esfera à qual não têm acesso e sobre a qual não querem nem podem saber muito. No caminho das negociações, a União Europeia perdeu os cidadãos, cujo interesse deveria ter captado.
Uma história que se arrasta há muito
Porquê? A verdade é que a história da entrada na Europa se arrastou por demasiado tempo. A maior parte dos jovens que presentemente participam nas manifestações não se lembra da Cimeira de Zagreb [que, em 2000, reuniu os Estados dos Balcãs Ocidentais e a UE], nem do Acordos de Estabilização e Associação, nem do momento em que a Croácia apresentou a sua candidatura de adesão à UE [em fevereiro de 2003].
Houve tantos obstáculos e humilhações neste longo caminho – a começar pelo caso do general Gotovina [em março de 2005, a UE adiou o início das negociações de adesão, exigindo que a Croácia entregasse ao TPI este general acusado de crimes de guerra], passando pelo diferendo com a Eslovénia sobre a Zona Ecológica e de Proteção das Pescas (ZERP), e incluindo o bloqueio das negociações de adesão causado pela Eslovénia [em 2008 e 2009, os dois países discordaram quanto ao traçado da fronteira marítima na zona da baía de Piran] – que, a pouco e pouco, o ponto de partida foi sendo esquecido, o mesmo se podendo dizer do ponto onde se pretendia chegar.
Ao fim de uma década de reformas e reajustamentos, encontramo-nos numa crise profunda e dolorosa. Tanto mais que, nos últimos dois anos, não chegou nenhuma boa notícia vinda da Europa. Basta ver o que se passa na Grécia, na Irlanda, em Portugal e em Espanha. No entanto, mais do que estes fatores externos, foi a atitude das elites políticas croatas que desencorajou os cidadãos. Na tentativa de se mostrarem mais europeus do que os políticos de Bruxelas, os nossos políticos provaram que estavam dispostos a pagar qualquer preço para alcançar o "objetivo estratégico".
O desprezo do poder pelos cidadãos
Se a isso acrescentarmos que muitas das decisões impopulares tomadas pelo Governo pouco tinham a ver com as negociações ou com as condições de adesão impostas pela Europa, não é de espantar que até muitos dos seus defensores tenham acabado por ficar fartos da própria ideia de entrar na União Europeia.
Os órgãos de comunicação também têm a sua quota de responsabilidade. Cinco anos e meio depois do início das negociações com Bruxelas, ainda não foi realizado um verdadeiro debate fundamentado sobre os aspetos positivos e negativos da adesão à UE. E eis que chegamos ao fim da estrada, cansados pelo longo caminho percorrido, esgotados pela crise e pela falta de confiança, sem conhecermos bem o objetivo que nos é apresentado como uma realidade sem alternativa.
No momento em que a conclusão das negociações parece ao alcance da mão [fim de junho, se tudo correr bem] e a alguns meses apenas do referendo sobre a União Europeia, encontramo-nos confrontados com a pergunta que será então feita: "É a favor ou contra a entrada da Croácia na UE?"
Como encara o Governo este referendo, o primeiro desde a independência da Croácia? Qual será o grau de participação dos cidadãos? E, se este for significativo, não irão os cidadãos aproveitar a oportunidade para dizerem o que pensam sobre o poder estabelecido e sobre a oposição, que conhecem indiscutivelmente melhor do que a construção europeia?
Aqueles que queimaram na praça pública as bandeiras do HDZ (União Democrática da Croácia, o partido no poder), do SDP (Partido Social-Democrata, oposição) e da União Europeia sentir-se-ão tentados a penalizar esses partidos e a UE? O desprezo constante do poder pelos cidadãos no que se refere à decisão mais importante a tomar em 20 anos, mostra claramente qual é o estado da democracia na Croácia.
Adesão
Nuvens pairam sobre as negociações
"Um mau presságio", comenta o Jutarnji list, depois de o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, de passagem pela Croácia, não ter indicado a data de conclusão das negociações, apesar de não ter excluído fins de junho, uma data tida como "ambiciosa". Por seu turno, a presidência húngara da UE considera que o atraso nas negociações, que continuam a arrastar-se no capítulo da Justiça, "põe em questão a credibilidade de todo o processo de alargamento".
Entretanto, Die Presse pensa ser "mais provável" que a conclusão das negociações de adesão – e a assinatura do correspondente tratado – seja adiada para outubro, ficando a adesão prevista para 2013. No último balanço sobre o avanço dos trabalhos, em março deste ano, a Comissão criticou os poucos progressos em matéria de combate à corrupção. Por outro lado, sete dos 33 capítulos continuam a suscitar dificuldades, em especial o da Justiça, salienta Die Presse. Segundo uma sondagem publicada pelo Jutarnji list, "apesar do euroceticismo demonstrado nas manifestações [das últimas semanas], a maioria dos croatas apoia a adesão do seu país à União Europeia (56% a favor e 37% contra)". Entretanto, 63% consideram que a UE foi "injusta" para com a Croácia, no processo de adesão, e 23% pensam que não há nada a criticar nas condições impostas por Bruxelas.