Foto: Andrey

Filhas do comunismo à conquista do mundo

As raparigas que nasceram na década de 80, nos antigos países da Europa de Leste, são agora jovens mulheres de vinte anos. Confiantes, exploram as oportunidades criadas pela abertura dos seus países ao capitalismo, pelo alargamento europeu, e pela globalização económica.

Publicado em 26 Junho 2009 às 15:54
Foto: Andrey

Cécilia, 22 anos, é da Bulgária, cresceu em Erlangen e estudou teatro e intervenção cultural. Katharina, 20 anos, é da Eslováquia e a sua ambição é ser diplomata e correr mundo. Anna vive na República Checa, tem 28 anos e é doutoranda na Universidade de Brno. Estes perfis são representativos de um novo rosto europeu da Europa.

Haverá um traço comum entre estas jovens mulheres, 20 anos depois da queda do Muro e do comunismo? Com a globalização e a abertura à Europa, será que o seu local de nascimento continua a ser importante? “As circunstâncias que levaram a que eu, por acaso, nascesse num país comunista não têm grande impacto em mim. Os meus pais falam-me às vezes dessa época, mas eu só conheço o sistema capitalista”, explica Katharina. Por mais indiferente que possa ser, a imagem do seu país no exterior choca-a: “Quando leio a imprensa internacional e, em particular, os artigos norte-americanos sobre a Eslováquia, somos sempre um país pós-comunista. É como uma marca que nunca desaparecerá.”

Cécilia, mais suave, mas determinada, é ainda mais radical ao falar do passado comunista do seu país: “As pessoas deviam parar definitivamente de viver no passado.” A perspectiva socialista, na opinião de Cécilia, é uma “utopia” mesmo que traga em si as intenções originais desta doutrina. “Não me parece que os homens possam ser completamente iguais. Haverá sempre quem tenha mais ambições e cada um de nós devia poder construir-se como entendesse.” Anna está convencida de que o seu passado não a marca mais do que se tivesse nascido num outro país: “Quase todos os países têm uma História susceptível de influenciar negativamente os seus cidadãos.”

Estas jovens mulheres vão buscar ânimo aos seus objectivos de carreira e às oportunidades que lhes são oferecidas. É com paixão e uma grande determinação que Anna, habitualmente pausada, nos explica que as suas aspirações profissionais foram surgindo naturalmente: “Às vezes tenho a impressão de que não fui eu que escolhi a minha profissão, mas ela que me escolheu a mim.” Depois do curso de filmografia, da sua resistência e curiosidade, Anna é actualmente doutoranda, aos 28 anos, no Instituto Masaryk (Universidade de Brno). Publica ensaios sobre cinema mudo e sobre a história do desenvolvimento das tecnologias filmográficas em várias línguas. Apesar das dificuldades, de decisões frutuosas e outras menos, o caminho que tomou foi o correcto: “A minha profissão reflecte o que eu sou na realidade.”

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Para Cécilia, sair da Bulgária foi um meio de se emancipar. “Para mim, foi uma forma de me tornar independente e de não me ver mais obrigada a viver em casa dos meus pais.” Para esta jovem mulher, o trabalho não é apenas um modo de ganhar a vida, mas também um modo de aprender “o que se passa à nossa volta, os nossos direitos e os nossos privilégios. Só assim conseguiremos mudar as coisas.” O apego que caracteriza estas jovens mulheres e a noção que têm do seu futuro profissional explica-se, segundo a Drª Christina Klenner, professora de referência na investigação sobre o género, na Fundação Hans Böcker, pela grande percentagem de mulheres no mercado de trabalho nos antigos países de Leste. Segundo as estatísticas de 2005, a percentagem de mulheres no total da população activa, após a entrada na economia de mercado, regrediu um pouco, mas, em termos globais, a média de mulheres activas nos países da Europa Central e da Europa de Leste continua a ser superior à média da Europa dos 15.

Nenhuma destas jovens mulheres se identifica como feminista. O seu estilo de vida e de trabalho explica-se por si próprio: “Sinto-me bem como mulher e sinto-me feliz por ser como sou”, comenta Katharina. Anna diz ainda: “Considero-me uma pessoa honesta. Nunca me questionei sobre o tipo de comportamento que teria se não fosse mulher. Fui criada assim.” A desigualdade entre homens e mulheres só é visível no mercado de trabalho. Katharina mostra-se irritada: “Quando, para a mesma função, os homens são mais bem pagos do que as mulheres, acho isso intolerável. É como se os homens obtivessem um bónus pelo seu pénis.”

Um estudo lançado pela Universidade Friedrich-Willhelm, em 2005, sobre a temática "O Papel dos Géneros na Europa de Leste e Ocidental”, destaca o facto de as mulheres da Europa de Leste terem a noção de que a igualdade entre homens e mulheres, particularmente no mercado de trabalho, não é uma realidade nos seus países. Uma verdadeira igualdade, para estas mulheres, não residira numa igualdade entre homens e mulheres, mas no acesso aos mesmos direitos.

A flexibilidade e a mobilidade com as quais Cécilia, Katharina e Anna sacodem a Europa podem ser igualmente um entrave ao desenvolvimento dos seus países de origem. “São muitos os cidadãos da Europa de Leste que se teriam sentido felizes de poder regressar aos seus países de origem”, acrescenta Anna, “se tivessem tido oportunidade de aí poderem viver, trabalhar e sobreviver.” Katharina não se sente simplesmente europeia, mas sobretudo cidadã do mundo. “Não gosto que as pessoas se liguem demasiado às suas origens. Isso leva invariavelmente a conflitos étnicos e nacionalistas.” Cécilia resume admiravelmente a grande diferença entre aquilo que o seu país e a Europa lhe podem oferecer: “A unidade é talvez o valor que me leva a ficar suspensa entre duas culturas.”

Christiane Lötsch, traduzido para françês por Anne Fargeas

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