Palco mundial: preparação da 'foto de família' após uma cimeira da UE

Há algum líder por aí?

Face à crise do euro, os líderes mundiais parecem paralisados, na melhor das hipóteses, e irresponsáveis, na pior. Mas uma situação tão grave exige chefes de governo capazes de pegar o toiro pelos cornos.

Publicado em 8 Agosto 2011 às 15:45
Palco mundial: preparação da 'foto de família' após uma cimeira da UE

O grito sob de tom: esta crise é um momento para liderança. Mas a liderança é necessária onde e com o consentimento de quem? Perante o apocalipse financeiro estas perguntas levam-nos para locais ainda mais complicados. Embatem contra a progressiva expectativa de democracia: do amanhã que pode ser melhor do que o hoje. Talvez isto não seja sempre verdade.

Apesar das suas diferenças, capitalistas, socialistas, liberais e conservadores estão unidos por uma ideia comum. A assunção de uma ideia de progresso linear da civilização humana: a crença, raramente expressa porque raramente contestada, de que as coisas estão sempre a melhorar ou – se não for esse o caso – podem melhorar se escolhermos as políticas corretas.

Sob este ponto de vista, uma mudança para pior é vista como um retrocesso: razão para condenar um grupo de políticos por terem escolhido as políticas erradas, e eleger outros, que prometem coisas diferentes. A normalidade voltará rapidamente. Resolveremos o problema, provavelmente tentando um novo rumo – e continuaremos por um caminho ascendente.

Para muitos países, o Ocidente tem estado certo – quase sempre – ao aplicar estas regras. Pode continuar a estar certo, ao aplicá-las agora. A ciência e a tecnologia dão saltos em frente. O mundo rico tem a esperança de vida mais longa de sempre. A vida, para a maior parte das pessoas, é agradável. Mas, para além de uma preguiçosa elite europeia em férias enquanto tanta coisa corre mal, subsiste uma possibilidade miserável.

Newsletter em português

E possível que nenhuma cimeira do G7, nenhum telefonema, nenhum brilhante discurso de Barack Obama, nenhum ar calmo de Cameron possam quebrar a paralisia. O terror da crise financeira não é o facto de exigir uma série de respostas políticas complexas que, se forem seguidas, voltarão a colocar a economia no caminho do crescimento. O terror da crise financeira é que nada pode ser feito para atrasar o julgamento final: e a sentença é o declínio.

Estados Unidos da Europa?

O que esperamos que os ministros façam quando voltarem aos seus gabinetes? Que resolvam a crise financeira, evidentemente. Mas como? Através de aumentos de impostos ou de reduções de impostos? Com mais austeridade ou com um aumento de consumo? Permitindo a criação dos Estados Unidos da Europa, com um governo e uma dívida, ou estilhaçando a Europa em várias moedas? Acalmando os mercados ou desafiando-os? Ninguém está de acordo, claro, mais e pior do que isso: nenhuma das estratégias propostas tem em si a convicção absoluta, nem mesmo para os seus proponentes. Há, em tudo isto, uma terrível ausência de ideias brilhantes, de uma variedade de “eih, aqui está como”. Dai o aterrador silêncio.

Ontem, os líderes da zona euro conversaram; hoje, vão comprar obrigações italianas e talvez consigam domar temporariamente os mercados; mas há quem pense que isto não terá outro efeito se não conduzir-nos ao próximo desastre. Queremos um governo e precisamos de um governo, mas talvez estejamos errados ao pensar que esse governo será sempre capaz de nos proteger. No entanto, não faz parte do léxico dos políticos prometerem um futuro ainda pior aos seus eleitores.

A democracia depende de conjuntos concorrentes de possibilidades positivas. Quando os historiadores olharem para trás, para este período, o que mais se destacará é a ausência de heróis políticos. Ninguém – nem sequer Obama, que é o mais próximo que existe de um líder – parece capaz de transformar o atual desastre numa possibilidade de futuro com sentido. Estamos entregues a políticos que se convenceram de que não há nada que possam fazer para salvarem os cidadãos da crise. “Foram os mercados que causaram o problema.

Agora, são os mercados que têm de o resolver”, declarou, na sexta-feira a noite, o gabinete de Angela Merkel: e isto vem da única pessoa, na Europa, que tem dinheiro para responder.

Urgem medidas impopulares

Podemos dizer que isto é um ultraje e que as estruturas da Europa se quebraram, e é verdade. Podemos, também, dizer que os mercados são cruéis e irresponsáveis, e isso e igualmente verdade. Mas as estradas para sair deste desastre envolvem coisas que serão impopulares: impostos mais altos, mais austeridade, empobrecimento controlado das pessoas condicionadas à crença de que as suas vidas irão melhorar. Não é surpreendente que os políticos o evitem.

Há cinco séculos, na Europa, protestantes e católicos disputavam a definição do caminho da salvação – mas cada um deles pensava conhecer esse caminho. Há dois séculos, à sombra da Revolução Francesa, conservadores e radicais disputavam a posse de um futuro que cada um deles pensava poder tornar mais brilhante. No século passado, os defensores do mercado livre confrontavam os apóstolos do marxismo.

Cada um deles tinha a certeza de possuir o remédio para a presente doença. A crise que enfrentamos neste verão de 2011 não é nem menos dura nem menos assustadora, mas falta liderança, não tanto de pessoas, mas de ideias. Ao melhor, como disse Yeats, falta toda a convicção.

Tribuna

Devolvam-nos Clinton, Blair e Kohl!

“Depois da grande recessão de 2008-2009, seria de esperar duas coisas dos líderes ocidentais” escreve Alberto Alesina no diário Corriere della Sera: “Primeiro, que reconhecessem a gravidade da situação e mostrassem que querem e sabem enfrentar os problemas com urgência em vez de os reportarem. Segundo, a capacidade de separar os contrastes e os interesses partidários em nome do bem comum. A classe política ocidental falhou em ambos os pontos e passará à história como uma das piores do pós-guerra.”

O economista liberal italiano censura a classe política europeia e americana pela “evidente falta de visão a longo termo”: “Na Europa, há um ano atrás, deveríamos ter resolvido, de uma maneira ou de outra, mas de uma forma radical, a crise na Grécia com uma falência ou um resgate completo. Em vez disso, os (supostos) líderes europeus dividiram-se nas discussões que não servem de nada, senão para levar os mercados ao caos. A verdadeira crise fiscal, é o tsunami causado pelo envelhecimento da população.

As políticas de que eles falam? Claro que não: é muito dispendioso e os idosos são uma fonte crucial de votos, enquanto as gerações futuras não votam, e, como tal, não contam para a liderança medíocre, que ficará na história como aquela que não esteve à altura dos problemas graves e complexos com que nos deparamos. Na Europa, os líderes dos países em risco não encontraram solução melhor do que a de acusar os alemães para esconderem as próprias fraquezas. Os franceses têm explorado esse sentimento, mas a dívida pública francesa é tal que mais cedo ou mais tarde, os mercados vão aperceber-se. A chanceler alemã, Angela Merkel, demonstrou que não percebe muito de mercados financeiros e as posições erráticas que tem assumido também não têm ajudado”.

Em suma, conclui Alesina, “devolvam-nos De Gasperu, Thatcher, Reagan, Clinton, Blair e Kohl antes que seja tarde de mais”.

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico