"Londres está em todo o lado" - Graffiti na frente de um banco durante o festival Schanzenfest a 20 de agosto de 2011, em Hamburgo, norte da Alemanha.

Incendiar carros, mas só por diversão

Nos últimos meses, foram incendiados em Hamburgo e Berlim centenas de carros. Mas por muito que tentem, os agentes policiais não conseguem parar a sequência de fogos postos. Agora, dá a impressão de que os criminosos não são apenas de extrema-esquerda, mas um destacamento especial em Hamburgo não teve muitos progressos.

Publicado em 26 Agosto 2011 às 11:21
"Londres está em todo o lado" - Graffiti na frente de um banco durante o festival Schanzenfest a 20 de agosto de 2011, em Hamburgo, norte da Alemanha.

Depois de Hamburgo, Berlim é a nova vítima de um fenómeno inquietante e cada vez mais frequente: todas as noites, há várias semanas, são incendiados automóveis na capital alemã.

Até agora, as investigações policiais não manifestam resultados. Com a esquerda mais radical a marcar distância em relação a estes incêndios em série, o caso entra cada vez mais na agenda política.

Christine O. e Kai K. são polícias com uma missão especial. Pertencem à brigada de proteção de menores e não se consideram meros investigadores, mas mais assistentes sociais. Através do diálogo e de um contacto regular, pretendem impedir que os jovens cometam crimes graves. Com eles, a polícia de Hamburgo joga uma última cartada para travar um fenómeno preocupante: os incêndios criminosos em série de carros estacionados.

Desde 2004, mais de 1.400 veículos foram queimados no território do município. Só este ano, até meados de agosto, os investigadores identificaram mais de 330 incêndios provocados em automóveis. E nos últimos dias, também Berlim descobriu que esse "terror pelo fogo" pode angustiar toda a cidade. Mais de sessenta viaturas foram queimadas e os bairros ricos, como Charlottenburg e Zehlendorf, não foram poupados. Estes crimes dissimulados transformaram-se rapidamente em tema político e até Angela Merkel interveio no debate, expressando a sua preocupação por vidas humanas serem assim "friamente postas em perigo."

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A palavra de ordem é: "Evitar repetir Londres".

Os ataques perpetrados na capital alemã concentraram-se, durante muito tempo, em veículos topo de gama; prefiguravam um quadro de luta ideológica que visava a requalificação de áreas residenciais em voga e foram atribuídos principalmente à esquerda radical. Mas, recentemente, o que se observa em Berlim assemelha-se cada vez mais ao que se passa em Hamburgo, onde qualquer um pode ser vítima: tanto os proprietários de carros descapotáveis desportivos de luxo que vivem no centro da cidade como os proprietários de carros utilitários ou familiares, a viver em casas geminadas nos subúrbios. Mesmo motorizadas e Vespas não estão já a salvo do vandalismo.

"Um dia destes, vai haver mortos", preocupa-se Andreas Lohmeyer, de 49 anos, chefe do gabinete de luta contra a criminalidade de Hamburgo. O comissário da divisão está sob uma pressão muito forte. A missão impossível que lhe foi confiada – proteger contra o vandalismo as ruas de Hamburgo – ou seja, 4000 quilómetros de artérias e quase 720.000 veículos registados – põe-no todos os dias duramente à prova. Lohmeyer é corresponsável por uma das maiores operações policiais da história da cidade. A luta contra os incendiários mobiliza já mais polícias do que a investigação dos terroristas da Fração do Exército Vermelho ou os distúrbios dos ocupas da Hafenstraße [palco de movimentos sociais na década de 1980]. Se o custo da operação é proporcional à sua envergadura, os resultados em si ainda não se sentem.

Há agora esperanças fundadas numa nova estratégia, que consiste em dissuadir os prevaricadores de passarem aos atos. Uma vez que não se consegue apanhar os incendiários em flagrante, a polícia pensou em experimentar não tirar os olhos dos jovens considerados suspeitos. "Queremos enviar-lhes um sinal", diz Reinhard Chedor, chefe da Polícia Judiciária de Hamburgo. "A mensagem que queremos passar é basicamente: não nos esquecemos de vocês, meus caros, portanto mantenham-se na linha. Temo-los debaixo de olho."

Aos pares, os agentes do grupo de "Incêndios" _ ou seja, mais 20 polícias para além de Christine O. e Kai K. _ visitam centenas de endereços na megalópole de Hamburgo. Aplicam a lei, põem em alerta, escrevem relatórios. Na sua mira, existem aproximadamente 6.000 pessoas, cujas identidades foram recolhidas durante operações policiais noturnas do ano passado, para além de suspeitos já detetados pelos seus comportamentos desviantes: graffiteiros de tags, consumidores de haxixe, assaltantes, membros de grupos violentos.

As raparigas são raras entre eles. Só uma dúzia de bandos de rappers, entre os quais o RGK (Reisegruppe Kiez), o NSK (North Street Klan) ou o 187 (o número do artigo que define assassínio no Código Penal da Califórnia), cuja presença não passa despercebida em algumas áreas da cidade, exerce uma atração muito forte sobre essas jovens.

É notável a constatação de que, ao contrário de Berlim, os grupos de extrema-esquerda têm fraca presença. Em meios autónomos de onde dantes saíam os incendiários, para os quais a destruição de carros de luxo era parte da luta de classes, este modo de ação tornou-se controverso. Apenas 31 dos 297 fogos-postos em carros do ano passado foram atribuídos pela polícia à esquerda radical.

Os motivos dos incendiários são pouco claros. Será mero vandalismo? Inveja das classes superiores? Gestos de ousadia para ficar bem visto dentro de um gangue? Demonstrações de poder da parte de indivíduos que não o têm na vida real?

Martin W. é um dos poucos incendiários que chegaram à barra do tribunal de Hamburgo. Devido à dependência de drogas, está em tratamento compulsivo há alguns meses. Na ausência de pai e mãe, com o rosto ainda marcado por uma briga em que participou na véspera, conta a sua história sem rodeios. Relata como ele e os seus "amigos" Christopher e André, num sábado de setembro de 2010, depois de beberem umas seis ou sete cervejas, mais vodca, e fumarem uns charros, foram divertir-se para o bairro de Schanze, onde esperavam, como sempre acontecia, participar em provocações à polícia. Quando as primeiras pedras e garrafas começaram a voar por cima das forças da ordem, o trio aderiu automaticamente ao movimento, a começar por Martin W., que, apesar de completamente apolítico, não suporta o cheiro de "chuis". O seu companheiro Christopher foi preso e os outros prosseguiram a jornada. Enquanto construíam barricadas contra os tanques de água, Martin W. e André travaram conhecimento com Tom e Kai, dois irmãos com grande capacidade inventiva. E se fôssemos pôr fogo a uns carros? Fixe. Logo um Mercedes se viu envolvido em chamas numa rua próxima. Valor em estado novo: 50.000 euros. Um BMW escapou à justa.

"Porque andam a fazer isso?", gritou um morador da varanda. "Porque nos diverte!", replicou-lhe Tom.

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