Paragem de autocarro em Kalininegrado (Imagem: Rrrtem)

Kalininegrado, a cosmopolita

Entalado entre a Polónia e a Lituânia, este território russo atravessa uma explosão económica que lhe vale a alcunha de "Singapura do Báltico". Reportagem do Cafébabel sobre o novo rosto meio "trash", meio "chique" de Kalininegrado.

Publicado em 20 Novembro 2009 às 14:49
Paragem de autocarro em Kalininegrado (Imagem: Rrrtem)

De onde vem? O que o traz a Kalininegrado?”, pergunta Irina, uma moscovita rica. Tem razão para indagar, porque é um destino pouco habitual. Sem McDonald's nem bares onde festejar uma despedida de solteiro, Kalininegrado pode surgir como um destino supreendente.

Entalada entre a Polónia e a Lituânia, esta cidade de meio milhão de habitantes foi entregue à URSS em 1945. Construída sobre as ruínas da Königsberg alemã, o “bastião do leste” dos nazis, tinha muito má fama nos tempos da Perestroika, sendo considerada uma desagradável relíquia da era soviética. Hoje, transformada em zona económica especial dentro da Federação Russa, Kalininegrado caiu nas graças da Administração de Vladimir Putin, cuja mulher é oriunda da cidade. Com o orçamento federal e o dinheiro do petróleo a afluir, houve um grande incremento do sector imobiliário. A cidade é, agora, uma mistura familiar do lixo e do luxo de que é feita a reputação de Moscovo. As praias próximas adoçam o quadro, começando as velhas estações balneares alemãs a ser restauradas.

A Singapura do Báltico

Na filial da moderna cadeia First Coffee, na Praça da Vitória, raparigas esqueléticas, muito produzidas, marcam encontro com Novos Russos metrossexuais. É o lugar favorito na cidade para se ser visto. Um “cappuccino” custa aqui apenas 80 rublos (1,84 euros), uma fracção dos preços de Moscovo. Numa mesa, uma empresária fala animadamente sobre voos para São Petersburgo; noutra, uma grávida elegante entra para um almoço rápido a sós. No interior enfumarado do café, vários homens de negócios estão concentrados na conversa. Na esplanada exterior, um estudante turco cumprimenta um amigo italiano.

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Kalininegrado é uma cidade com grandes ambições. Os habitantes comparam-na aos Estados Unidos da América, à Austrália ou a Singapura. É uma mistura de nacionalidades e de experiências de vida, uma batata quente política com um porto livre de gelo. “Sempre que se pergunta a alguém de onde vem”, diz Marina, professora do Quirguistão, “surge logo uma história. Dizem sempre, ‘de tal sítio’, e a pergunta seguinte é: ‘e de mais onde? Depois da deportação dos últimos residentes alemães, em 1946, vieram para cá pessoas de toda a União Soviética – frequentemente da Ásia Central. É incrível com há ainda tantas a escolherem este destino.

Não é que lhe faltem atractivos, apesar de muito do seu encanto residir nas suas evidentes contradições. Uma velha casa alemã arruinada, no meio de grandes blocos de apartamentos soviéticos, fica a 100 metros da urbanização "Aldeia Piscatória”, uma evocação da velha Königsberg sem nenhuma fidelidade ao original. Mal se sai da Praça da Vitória, o velho quartel-general da Gestapo alberga, agora, a famigerada FSB. “Só servia para isto”, diz Sergei, um guia local, com um sorriso. “Deve ter que ver com o design.”

Mais abaixo, a degradada Casa dos Sovietes domina um parque de estacionamento deserto, tendo ao lado as escavações das fundações do desaparecido castelo de Königsberg. Kalininegrado é uma mistura desconcertante do velho, do novo, do reconstruído e do imaginado: de estátuas de Karl Marx, de fontes, de pensionistas mal-encarados e de grandes veículos 4x4 de vidros escurecidos.

Uma praia que é Património da Humanidade

A História está a tornar-se um negócio para Kalininegrado, tanto para visitantes locais como para as centenas de turistas nostálgicos alemães que a visitam todos os anos. O museu da Porta Friedland proporciona uma excursão virtual à velha Königsberg, enquanto num bunker próximo da universidade se pode ver a sala onde os nazis assinaram a rendição da cidade, em 1945. Perto da catedral restaurada, há um pequeno museu dedicado à memória de Emmanuel Kant, enterrado nas redondezas. A Oeste do centro, a atmosfera burguesa da velha cidade é particularmente agradável, com ruas compostas por velhos prédios de apartamentos e antigas vivendas do século passado.

O istmo da Curlândia é o verdadeiro ex-libris de qualquer visita. É uma linha de dunas de areia no Báltico, integrada na lista do Património Mundial da UNESCO; apenas a uma hora da baixa de Kalininegrado, mais parece uma paisagem do Sara do que do frio nordeste da Europa. De um dos lados da península, enormes dunas desérticas prolongam-se por quilómetros, enquanto, do outro, as longas praias são preenchidas com excursionistas da cidade que ali vão passar o dia. Densamente arborizado, para garantir a estabilidade, o istmo alberga também a Floresta Dançante, uma estranha área florestada em que as árvores crescem com torções que podem chegar a dar várias voltas. Nenhum cientista conseguiu ainda explicar o fenómeno.

Kalininegrado está a passar por grandes mudanças. Mas, como a sua transformação se faz a um ritmo pausado, o admirável dinamismo da cidade é apenas testemunhado por um pequeno conjunto de empresários internacionais.

Ed Saunders

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