Soldado francês no Afeganistão (AFP)

Líder novo para uma velha aliança

No dia 1 de Agosto, o ex-primeiro-ministro dinamarquês Anders Fogh Rasmussen foi formalmente investido como secretário-geral da NATO, declarando que a resolução da guerra no Afeganistão vai ser a sua prioridade. Mas o que inquieta a imprensa europeia é a situação da aliança ocidental, entorpecida por uma dissensão interna desde a guerra no Iraque, que parece não ter fim à vista, após oito anos de batalhas contra uma força talibã que recrudesce.

Publicado em 3 Agosto 2009 às 16:38
Soldado francês no Afeganistão (AFP)

A guerra no Afeganistão vai ser a “prioridade máxima” do novo secretário-geral da NATO , Anders Fogh Rasmussen. Falando ao diário de Copenhaga Politiken , na véspera da sua nomeação como figura cimeira da aliança ocidental, o antigo primeiro-ministro dinamarquês reconhece que a segurança em determinadas zonas do Afeganistão não é “de todo satisfatória”, mas que pretende “dividir os rebeldes através de acordos de paz com grupos seleccionados associados aos talibãs”.

Os seus sentimentos fazem-se eco do que expressou o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, David Miliband, e serão sem dúvida saudados pelos sectores da Imprensa britânica que reagiram com desânimo ao relatório divulgado este fim-de-semana pela Comissão de Negócios Estrangeiros da Casa dos Comuns. Após um mês em que houve nada menos de 22 baixas britânicas no Afeganistão, o relatório intitulado Segurança Global: Afeganistão e Paquistão, divulgado pelo Observer considera que o exército britânico está “numa missão mal definida, enfraquecida por um planeamento irrealista e por falta de meios humanos”. Este tipo de observações levou o brigadeiro Allan Mallinson a dizer ao Daily Telegraph que a Inglaterra “se acomodou com a paz” e precisa de se capacitar de que “estamos em guerra e não a estamos a financiar adequadamente”.

Mas em que circunstâncias deve esta guerra ser travada? Comentando a nomeação de Rasmussen, o diário belga De Standaard observa com optimismo que ele irá beneficiar de “uma atmosfera várias vezes mais favorável do que a que enfrentou o seu antecessor durante o exercício da função, de tal modo a eleição de Barack Obama iluminou os céus transatlânticos”. O diário belga sente-se muito tranquilizado pela Declaração Estrasburgo-Kehl, de Abril passado, em que os membros da NATO se comprometeram num objectivo partilhado em situações de “guerra não convencional”.

Enquanto para o De Standaard a aliança está agora bem ancorada, Ilana Bet El no Guardian não parece partilhar o mesmo optimismo. Dispensando a Rasmussen umas “boas-vindas cautelosas”, retrata o passado recente da Aliança, observando que a maioria dos Estados europeus decidiu que “a OTAN era mais ou menos uma instituição em declínio, controlada pelos Estados Unidos e apoiada pelo Reino Unido, e não estão muito preocupados com quem a dirija.” Segundo ela, Rasmussen herda uma OTAN prejudicada “pela rejeição efectiva dos Estados Unidos, em relação à NATO e aos seus membros, na sequência dos ataques do 11 de Setembro”.

Newsletter em português

Profundamente divididos em relação à invasão do Iraque conduzida pelos EUA em 2003, os Estados-membros da OTAN que assumiram operações no Afeganistão não conseguiram coordenar-se devidamente. Numa altura em que “há tentativas claras de ambos os lados do Atlântico para deixar os acontecimentos do passado para trás, permanece uma desconfiança fundamental entre os aliados acerca da estrutura arcaica de controlo e de comando da guerra em vigor na OTAN – totalmente inadequada a uma guerra moderna”.

Noutros quadrantes, levantam-se dúvidas em relação às próprias credenciais de Rasmussen. Mesmo o De Standaard aludeao eurocepticismo da Dinamarca e às suas frequentes demarcações dos tratados europeus, levantando a questão de saber se se quadrará bem com os interesses europeus. Na Alemanha, o Frankfurter Rundschau interroga-se sobre o impacto da sua nomeação no mundo muçulmano, recordando os leitores de que Rasmussen, aquando da controvérsia sobre as caricaturas do profeta Maomé publicadas num jornal dinamarquês, se recusou a receber embaixadores de onze nações muçulmanas, invocando o primado da liberdade da Imprensa. O que, segundo o jornal, conduziu inadvertidamente ao saque das embaixadas dinamarquesas em Teerão e Damasco.

Apesar de concluir que Rasmussen é “flexível, pragmático e gosta do poder”, o Frankfurter Rundschau não consegue evitarrelatar ironicamente que uma das boas-vindas mais efusivas que recebeu veio dos talibãs. Um website da Internet do movimento islamista relata que “um grande inimigo do profeta” dirige agora a Aliança. “Isto reforçará inapelavelmente a fé dos muçulmanos na luta contra a NATO”. E intensificará naturalmente a guerra.

Na verdade, a situação no Afeganistão parece cada vez mais desoladora. Quando o brigadeiro Mallinson se interroga sobre se “o Ocidente terá estômago para a luta”, os resultados do inquérito da Casa dos Comuns, tal como são transmitidos pelo Observer, regista que, no terreno, o apoio às tropas britânicas tem sido prejudicado pelas baixas de civis. E também que “uma força de polícia fraca e corrupta está a levar os afegãos a recorrer de novo aos talibãs em busca de justiça”. Contudo, a principal questão parece ser que “a ameaça estratégica se deslocou para o Paquistão”, com a al-Qaida agora apostada em aceder ao arsenal nuclear de Islamabade. Posto isto e outros problemas com que a Aliança se defronta, Ilana Bet-El pergunta-se se Rasmussen não irá ficar na história “como o último secretário-geral da NATO”.

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico