Marinaleda. Juan Manuel Sánchez Gordillo, o aicaide da aldeia, à frente de um grafiti que faz apelo à reforma agrária.

Marinaleda, o “oásis vermelho” que desafia a crise

Esta aldeia andaluza não conhece o desemprego e prospera à sombra da sua cooperativa agrícola. Numa altura em que a política de austeridade atinge o auge em Espanha, o autarca, Juan Manuel Sánchez Gordillo, encabeça um movimento popular.

Publicado em 29 Agosto 2012 às 15:31
Marinaleda. Juan Manuel Sánchez Gordillo, o aicaide da aldeia, à frente de um grafiti que faz apelo à reforma agrária.

Juan Manuel Sánchez Gordillo que, nos últimos dias, esteve nas primeiras páginas dos jornais por ter liderado uma “expropriação forçada” de alimentos em vários supermercados juntamente com os seus companheiros do Sindicato Andaluz de Trabalhadores (SAT) para os entregar aos mais necessitados, é, sem dúvida, um líder singular dentro da classe política espanhola.

Juntamente com o seu eterno companheiro de lutas campesinas, Diego Cañamero, Sánchez Gordillo foi um dirigente histórico do Sindicato dos Operários do Campo (SOC), coluna vertebral do atual SAT. Além disso, desde 1979, é alcaide de Marinaleda, uma pequena aldeia sevilhana onde, nos últimos 40 anos, a esquerda tem tido uma hegemonia absoluta. O apoio e envolvimento dos habitantes da aldeia permitiram pôr em marcha uma verdadeira experiência política e económica, uma espécie de ilha socialista no meio dos campos andaluzes.

A terra a quem a trabalha

Por fim, chegou a crise económica e esta terriola andaluza teve a oportunidade de provar se a sua utopia muito particular de 25 quilómetros quadrados é realmente uma alternativa face aos mercados. A sua taxa de desemprego atual é de 0%. Boa parte dos habitantes está empregada na Cooperativa Humar-Marinaleda, criada pelos próprios jornaleiros durante anos de luta. Durante muito tempo, os camponeses ocuparam as terras de Humoso, onde hoje está a cooperativa, e de todas as vezes que o faziam eram expulsos pela guarda Civil. Finalmente, em 1992, conseguiram realizar o seu objetivo: “a terra para quem a trabalha” e a herdade passou a ser propriedade deles.

Nos seus campos produzem-se favas, alcachofras, pimentos verdes e vermelhos e azeite extra virgem, controlados pelos próprios trabalhadores em todas as fases da produção. As terras, situadas na Vega del Genil, são propriedade de “toda a comunidade” e, além disso, têm também uma fábrica de conservas, um lagar, estufas, instalações para o gado e uma loja. O salário de todos os trabalhadores, seja qual for o seu cargo, é de 47 euros por dia, seis dias por semana, ou seja, uma média de mil 128 euros por mês por 35 horas semanais [o salário mínimo é de 641 euros].

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Nas épocas altas chegam a trabalhar cerca de 400 pessoas na cooperativa e, no mínimo, há 100 que trabalham. Mas o posto de trabalho não é propriedade de um trabalhador em concreto, vão rodando para que todos possam ganhar alguma coisa, seguindo a máxima do “trabalhar menos para trabalharem todos”. Além disso, também há quem trabalhe em pequenas parcelas de que é dono. O resto da economia é composto por setores básicos do meio rural, como lojas, serviços básicos e desportos. Na aldeia, praticamente toda a gente ganha o mesmo que um jornaleiro, cerca de mil e 200 euros por mês.

90 metros quadrados por 15 euros por mês

Numa entrevista ao diário madrileno Público, no mês passado, o próprio Gordillo explicava como a crise está a afetar Marinaleda. “Em termos gerais, na agricultura e na alimentação não se nota muito a crise. O que acontece é que as pessoas que tinham deixado o campo para trabalharem na construção civil está a voltar e procura emprego. Por isso, não só é necessário manter o emprego que existe como também aumentar a oferta. A agricultura ecológica dá mais emprego do que a tradicional”.

Perante o 'boom' imobiliário e a especulação que se apoderou do metro quadrado espanhol durante as últimas décadas, Marinaleda decidiu seguir exatamente pela direção contrária. Ali, é possível ter uma casa em boas condições, com 90 metros quadrados e terraço, por 15 euros por mês. A única condição é que, seguindo a filosofia comunitária e horizontal que guia todas as atividades desta terra, cada pessoa ajude na construção da sua própria casa. Com um solo conseguido alternando compra e expropriação, a autarquia oferece o terreno e fornece os materiais necessários para a construção da casa, que é construída pelos próprios inquilinos ou então estes pagam a quem os substitua. Do mesmo modo, paga a pedreiros profissionais para que ajudem os habitantes e façam os trabalhos mais complicados. E ainda, como medida para fomentar a colaboração, os futuros habitantes não sabem qual das casas que estão a ser construídas será, no futuro, a sua.

Quando estás a trabalhar na construção da casa pagam-te 800 euros por mês e metade desse ordenado guarda-se para ir pagando a casa”, conta Juan José Sancho, um dos habitantes de Marinaleda que, apesar dos seus 21 anos, faz parte do 'grupo de ação' da autarquia que se encarrega, através da assembleia, de gerir os assuntos públicos da aldeia. Segundo ele, “tomou-se esta medida para que não seja possível especular com as casas."

Não há polícia e as decisões são coletivas

Temos todas as necessidades cobertas e as pessoas acomodam-se um pouco.” Numa terra onde antes a maior parte dos jornaleiros mal sabia escrever, há hoje um infantário, uma escola básica e uma escola secundária até ao 9º ano. Tanto o infantário como a escola básica têm um serviço de refeitório que custa apenas 15 euros por mês. No entanto, segundo conta Sancho, “a taxa de insucesso escolar é um pouco elevada porque as pessoas vêm que têm casa e trabalho garantidos e muitas não vêm necessidade de se esforçarem nos estudos. Esse é um dos aspetos que temos de melhorar”.

Os pilares fundamentais sobre os quais assenta o modelo económico de Marinaleda são a igualdade e a participação do povo. E estes princípios estendem-se a todas as áreas da vida e também da política. Ali não há polícia e as decisões políticas são tomadas numa assembleia em que todos os habitantes participam. Por outro lado, “há o 'grupo de ação', que trata dos temas urgentes do dia a dia. Não é um grupo de eleitos, são pessoas que querem juntar-se voluntariamente para partilhar tarefas que é necessário fazer pela aldeia”, explica Sancho.

Quanto aos impostos, “são muito baixos, são os mais baixos do município”, segundo Sancho. Os orçamentos votam-se em plenários públicos e as pessoas juntam-se em assembleia para aprovarem as despesas que se realizam. Depois, a decisão toma-se bairro a bairro, porque cada um também tem a sua própria assembleia de vizinhos e é aí que se decide em que é que se investe a parcela do dinheiro da autarquia que lhes coube.

Uma versão mais longa deste artigo foi publicada no sítio do Courrier international

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