Na medina de Marraquexe

Marraquexe vende a alma aos europeus

Oito mil estrangeiros, sobretudo oriundos da Europa, instalaram-se na cidade marroquina de Marraquexe, nos últimos anos. Com a sua presença e forte poder de compra, alteram-lhe profundamente o rosto.

Publicado em 24 Maio 2010 às 14:33
Na medina de Marraquexe

Há cinco anos, Bernard Pasqualini quis deixar a Córsega, ilha francesa onde residia. Tinha um restaurante e trabalhava em mármore, mas não suportava pagar tantos impostos e salários tão elevados. “Na Europa, a paixão pelo trabalho está a desaparecer, só se fala de dinheiro.” Queria encontrar um lugar ensolarado, fora da Europa, para recomeçar do princípio. O primeiro país em que parou foi Marrocos e a primeira cidade Marraquexe. Ao fim de três dias, decidiu instalar-se.

No centro moderno, abriu Le chat qui rit, um restaurante que atrai celebridades além-fronteiras. “Reina aqui uma indolência e uma alegria de viver que muitos europeus já não sabem o que é. As pessoas são agradáveis e calmas.” Bernard Pasqualini, cinquentão feliz, é um dos oito mil estrangeiros que se estabeleceram em Marraquexe nos últimos anos. São empresários ou reformados, atraídos pela beleza da cidade ocre e pela sua mentalidade. Em Marrocos, agendas e relógios são artigos pouco utilizados. Os impostos são pouco elevados e os salários baixos; o rendimento mínimo é de 200 euros por mês.

"O europeus estão a comprar a nossa cidade"

Em Marraquexe, passa-se exactamente o contrário das cidades europeias: são os marroquinos que descobrem um dia que estão cercados de comunidades estrangeiras, principalmente franceses, mas também italianos, espanhóis, alemães e ingleses. Os europeus instalam-se no centro, porque é lá que encontram as casas marroquinas tradicionais que lhes agradam, e os marroquinos partem para os arredores, onde há novas construções de apartamentos por toda a parte.

Muitos marroquinos têm outra leitura: “Os europeus estão a comprar a nossa cidade.” Bernard Pasqualini indigna-se ao ovuir isso: “São os marroquinos que vendem as suas casas. Pensa que, na Córsega, venderíamos as nossas casas? É claro que não”. Isso é fácil de dizer para Pasqualini, respondem marroquinos como Abdfetah Ueld Rahhal. O pai vendeu a sua casa no centro de Marraquexe por 100 mil euros, em 2003. Estava quase a cair e era tanto dinheiro que não podia recusar. “Os europeus podem pagar montantes que os marroquinos nunca viram”, comenta Rahhal.

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No meio de um milhão de habitantes, oito mil estrangeiros representam pouco, mas a sua presença faz-se notar. O centro moderno de Marraquexe ganhou um ar franco-italo-espanhol, com lojas como a Zara e a Etam, frequentadas por uma clientela maioritariamente europeia. Há um McDonald's e uma Pizzahut; na fachada de um café, há um retrato de Charlie Chaplin.

Preços das casas vão subindo

O jetset também descobriu Marraquexe. O actor Alain Delon e o costureiro Yves Saint Laurent tinham lá casa. Os jogadores de futebol Zidane e Raúl também. Nicolas Sarkozy e Hillary Clinton não têm casa, mas vão lá com frequência. Marraquexe adquiriu uma aura de lantejoulas e glamour e os preços nunca foram tão elevados.

Os preços das casas aumentam todos os anos, porque há cada vez mais europeus a comprar, recuperar e revender velhas casas, moda que os marroquinos ricos começam a copiar. Outro meio para ganhar dinheiro é preencher todos os espaços com edifícios. Esta mudança deixa desolada a proprietária francesa do L’Artisan Parfumeur. Sai da sua loja e mostra uma vivenda ocre em ruínas. “Antigamente Marraquexe era assim, cheia de casinhas pequenas”, diz. Depois, aponta para um complexo imobiliário informe, na mesma rua: “E eis o que é hoje. Marraquexe perdeu a alma”.

O corso Bernard Pasqualini acha isso um exagero. Apesar de tudo, os europeus também trazem coisas boas, não é verdade? Ele próprio deu trabalho a 20 pessoas, com o seu restaurante. Paga o dobro do mínimo legal e emprestou dinheiro a um dos empregados para comprar uma motorizada, para não ter de fazer 20 quilómetros a pé para ir de casa para o trabalho.

O facto de os europeus virem para aqui viver é uma evolução que aproveita às duas comunidades.” Muitos marroquinos parecem concordar. “Os europeus criam emprego”, comenta o mecânico Abdfetah Ueld Rahhal. “E, regra geral, a sua presença é simpática.

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