Na armadilha dos grupos de pressão

Os grupos de pressão são hoje mais poderosos em Bruxelas do que em Washington. E à falta de uma regulamentação estrita para as suas atividades, continuam a influenciar como querem o trabalho legislativo europeu.

Publicado em 28 Junho 2010 às 14:23

Daniel Gueguen é o veterano dos lobistas em Bruxelas. Para os defensores da transparência do sistema, é um adversário respeitável. Para os beneficiários dos seus serviços, é simplesmente um profissional com o dom da persuasão. Gueguen fundou uma espécie de academia da atividade: o European Training Institute [Instituto de Formação Europeia]. E confessa-o sem rodeios, Bruxelas é um paraíso para os diplomados da sua escola, que prefere qualificar como “pessoas que trabalham em prol das questões da União Europeia”.

Bruxelas, novo eldorado dos grupos de pressão

Este paraíso ultrapassou Washington e tornou-se a capital mundial para os grupos de pressão. Com apenas um milhão de habitantes, a cidade-sede das mais importantes instituições europeias transformou-se, nos últimos vinte e cinco anos, no Eldorado para os profissionais que influenciam os eurocratas. Em 1985, dizem os autores do livro “Bursting the Brussels Bubble” [Rebentar a bolha de Bruxelas, recém-editado pela ALTER-EU, Alliance for Lobbying Transparency and Ethics Regulation / Aliança para regulamentação de transparência e de ética na UE], são hoje pelo menos 15 mil as pessoas que pertencem a grupos de pressão. Em 2009, Washington tinha menos um milhar. Os europeus gozam, além disso, de uma posição bastante mais confortável do que os seus homólogos norte-americanos: não existe regulamentação a enquadrar a sua atividade.

Em junho de 2008, no âmbito da Iniciativa para a Transparência, a Comissão Europeia criou um Registo dos Grupos de Interesses. A única questão é que continua a ser facultativo. Até à data, inscreveram-se 2771 organizações. Este registo contém apenas informações básicas, e não obriga os agentes a precisarem que diretiva ou projeto legislativo contam influenciar, afirma William Dinan, da Universidade de Glasgow. E não é tudo. De acordo com Paul de Clerk, um dos autores de “Bursting the Brussels Bubble”, os grupos de pressão podem limitar-se a indicar no registo uma estimativa das suas despesas mensais para intervir em prol de um cliente, em intervalos que vão de mil a um milhão de euros! Com tal prática, é quase impossível determinar o custo real da promoção de um dado regulamento.

Os efeitos dos grupos de interesses na UE raiam por vezes o ridículo. Acontece deputados europeus sem a mínima ideia sobre política energética apresentarem, após algumas consultas, argumentações dignas de peritos das grandes empresas energéticas. Para preencher a sua falta de especialistas, a Comissão Europeia recorre regularmente ao serviço de grupos de peritos, que deveriam fornecer avaliações independentes. Oficialmente, trabalham gratuitamente. Os autores de “Bursting the Brussels Bubble” asseguram que são remunerados pelos grandes grupos económicos.

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Infiltração de um grupo de peritos sobre biocombustível

“Se analisarmos a composição dos grupos de peritos em finanças e banca, é fácil identificar conselheiros ligados ao Barclays ou ao Paribas, por exemplo”, defende Paul de Clerk. Acrescenta que uma das ações mais impressionantes dos grupos de pressão, nos últimos anos, foi a infiltração de um conjunto de peritos sobre biocombustível. No entanto, não é nada comparado com o que se passou durante os trabalhos sobre a diretiva REACH (Registo, Avaliação e Autorização de Produtos Químicos). Em 1998, o Conselho de Ministros para o Ambiente decidiu regulamentar a utilização, pela indústria química europeia, de cerca de 100 mil substâncias químicas que estavam a ser produzidas, importadas ou vendidas sem nenhuma informação quanto aos efeitos da sua utilização. Cabia às instituições governamentais verificar a nocividade potencial de diversos agentes químicos, com vista à sua eventual proibição. Em 2001, a Comissão Europeia propôs colocar a indústria química sob controlo. Os fabricantes e os importadores deviam, a partir de então, fornecer informações sobre as propriedades das substâncias utilizadas e substituir os produtos químicos perigosos por equivalentes menos nocivos.

Foi aqui que teve início o trabalho dos grupos de pressão na Europa, sob a sua forma atual. Os agentes insinuaram que as propostas da Comissão iam matar a indústria química na Europa e conduzir inevitavelmente a um aumento do desemprego. As principais forças na luta contra o projeto da Comissão foram as firmas Bayer e BASF. Em 2003, a Associação alemã de produtos químicos financiou três partidos políticos. O CDU-CSU [conservadores] embolsou um total de 150 mil euros, o FDP [liberais] 50 mil e o SPD [sociais-democratas] 40 mil euros.

O efeito desta operação de pressão foi que a lei que passou obriga a indústria química a fornecer informações básicas apenas sobre os produtos químicos comercializados em quantidades anuais superiores a uma tonelada. Mas, em vez de 100 mil produtos químicos, como previsto inicialmente, as disposições do REACH acabaram por afetar apenas 30 mil.

De acordo com os peritos, a pressão dos grupos de interesses instalou-se definitivamente na paisagem de Bruxelas. Agirão com toda a liberdade até ao dia em que um processo legislativo europeu considere que a sua atuação é uma clara obstrução à lei. Só um grande escândalo que os envolva pode conduzir à regulamentação da atividade dos que “trabalham em prol das questões da União Europeia”.

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