Devia ser uma consagração – a condizer com o palácio de Versalhes –, mas foi, na verdade, o "falhanço de Versalhes", destacava o Libération. Inaugurando uma reforma institucional votada em Julho de 2008, o Presidente francês dirigiu-se pela primeira vez aos deputados reunidos em Congresso. E desiludiu. Começou por o seu discurso "clássico", para não dizer banal, contrastar com o fausto bastante monárquico do lugar. "A própria direita não escondia a sua decepção. Um discurso inesperado para o seu carácter… esperado", escreve o diário de esquerda.
Mesma constatação fora da França. “Coisas revolucionárias se passam no castelo do rei”, escreve o Der Standard. Mas apesar de o Presidente francês utilizar pela primeira vez o seu novo direito à palavra, “o conteúdo não teve nada de revolucionário. (…) Único anúncio de interesse: Sarkozy não conta aumentar os impostos”, constata o diário vienense, que sublinha o carácter mediático do discurso – e a presença de Carla Bruni para o efeito.
Vista de Varsóvia, a alocução de Nicolas Sarkozy não foi um discurso, mas um espectáculo destinado a promover o seu novo programa. E esse programa, lamenta Andrzej Talaga, no diário Dziennik, é "uma mistura de populismo, socialismo e nacionalismo". Ao procurar ajudar os sectores-chave da indústria francesa, o Presidente francês ameaça os pilares da Europa, que são o mercado comum e a livre concorrência não falseada. "Sarkozy calcou profundamente esses princípios na lama com os seus tacões", escreve o editorialista.
Para o espanhol El Mundo, o Congresso de Versalhes resumiu-se sobretudo a um "delírio monárquico" por parte do Presidente francês. "O evento custou um milhão de euros", recorda o correspondente do diário conservador, que lamenta que esta reunião do Congresso tenha derrapado tanto para a "grandiloquência".
"Sarkozy quer ampliar as reformas para sair da crise", destaca o Le Figaro. Ao arrepio das críticas, o diário pró-governamental francês defende o Presidente. Num editorial, Etienne Mougeotte, o seu chefe de Redacção, aplaude energicamente o catálogo de reformas proposto por Nicolas Sarkozy e louva a sua "inegável visão", a sua "firmeza" (sobre o uso da burqa), "a sua audácia visionária". Segundo ele, este discurso que "tem inegavelmente fôlego" teve mesmo algumas ressonâncias das "exortações kennedianas" sobre a Nova Fronteira [política que previa designadamente, o fim da expansão comunista no mundo, a reactivação económica, o envio do homem à Lua, a igualdade entre negros e brancos]. Mais nada!
O discurso do Presidente francês continua mesmo assim a ser histórico, considera o Süddeutsche Zeitung. O diário alemão de centro-esquerda destaca “uma entrada em cena com grande pompa” e evoca “um sopro de história, algo novo. Não era o discurso daquele que os meios de comunicação social ridicularizam. Sarkozy não precisava deste fórum. Para atingir os eleitores, tem todo o espaço que quer nos meios de comunicação franceses. (…) Mas este Presidente não quer apenas ser reeleito. Quer deixar uma marca, modificar a República à sua imagem. Com a sua prestação no palácio de Versalhes, deu um novo sentido ao seu papel. Como o Presidente norte-americano quando se dirige à Nação. Espera assim entrar na galeria dos grandes Presidentes", conclui o jornal.
Para escapar à condição de simples presidente e subir à estratosfera do poder, Nicolas Sarkozy não deve contentar-se com um discurso à americana na residência de Luís XIV. Propõe também cultivar-se, escreveu John Walsh no The Independent. “O Presidente profundamente ignorante e anti-intelectual” que gostava “de hamburgers, Ray Ban e Rolex“, cita agora despreocupadamente Céline e “leva as obras de Zola a almoços entre poderosos”. Há apenas três meses, a intelectualidade francesa mostrou a que ponto odiava o gosto literário do Presidente comprando em massa um livro que ele tinha dito odiar quando andava na escola (“A Princesa de Clèves”, de Madame de La Fayette). “Diz-se que é influência da Carla”, comenta Walsh, que se interroga se Sarkozy não corre o risco de perder o apoio da classe operária e dos pequenos comerciantes que o elegeram. Contudo, está mais convencido de que a conversão do Presidente é “sincera, uma coisa muito pessoal” e lamenta que "não possamos prever tal transformação em Gordon Brown.”