Membros do grupo nacionalista flamengo Voorpost (Vanguarda) carregam um caixão de cartão para enterrar a Bélgica

O eterno barril de pólvora da região BHV

A demissão do primeiro-ministro belga, Yves Leterme, a 22 de Abril, vem reavivar o medo da cisão do reino, dois meses antes de o país assumir a presidência da UE. No cerne da crise está a zona bilingue de Bruxelas-Hal-Vilvorde, onde coabitam flamengos e francófonos, uns melhor, outros pior. Reportagem.

Publicado em 22 Abril 2010 às 15:41
Membros do grupo nacionalista flamengo Voorpost (Vanguarda) carregam um caixão de cartão para enterrar a Bélgica

Há cinco bandeiras flamengas hasteadas, com toda a dignidade, diante da Câmara Municipal de Lennik. Na varanda, uma bandeirola que diz, "Separem BHV " [Bruxelas-Hal-Vilvoorde]. O presidente do município flamengo de Lennik, Willy De Waele, explica a situação de boa vontade:. "É muito simples: a existência da BHV é completamente contrária à divisão da Bélgica". De facto, o país está dividido em três regiões: Flandres, Valónia e Bruxelas-Capital. O círculo eleitoral BHV é o único que se encontra mesmo em cima da fronteira regional. Engloba Bruxelas-Capital [19 autarquias], que é bilingue, mas também 35 autarquias flamengas, entre elas Lennik.

Consequentemente, [nas eleições europeias e federais] os partidos políticos francófonos conseguem conquistar votos dos eleitores domiciliados na Flandres [em contrapartida, os eleitores flamengos domiciliados na Valónia não podem votar nas listas flamengas em Bruxelas, situação que consideram injusta]. Mas não é só isto que incomoda os flamengos: "Há dois princípios legais em oposição: o direito do solo e o direito da pessoa. Os francófonos que residem aqui na Flandres exigem os seus direitos. Estabelecem-se aqui, mas não aceitam a nossa língua e a nossa cultura", explica De Waele.

Para construir uma casa na Flandres é obrigatório falar flamengo

Lennik, um município rural, fica apenas a dez quilómetros de Bruxelas. Há cada vez mais belgas francófonos de Bruxelas a instalarem-se ali. "Lennik é uma cidade flamenga e ecológica e é assim que queremos continuar", afirma o presidente da Câmara. Consequentemente, o município exige aos particulares que adquirem terreno para aí construírem casa que saibam falar neerlandês, ou andem a aprendê-lo. "Isso deveria ficar registado no acto notarial", explica De Waele. Apesar de tudo, o afrancesamento que angustia os flamengos não pára.

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De Waele fala fluentemente francês: "Pessoalmente, adoro esta língua e adoro discutir em francês, especialmente com o Damien, um amigo meu". Damien Thiéry, presidente francófono da Câmara de Linkebeek, confirma. "Dou-me muito bem com o Willy", declara. À semelhança de Lennik, Linkebeek é uma cidade flamenga, no território do BHV, mas na zona limítrofe de Bruxelas. Os francófonos são maioria entre os seus habitantes e usufruem de algumas "facilidades" linguísticas e burocráticas: têm direito a falar francês nos serviços administrativos locais e a solicitar documentos na língua que escolherem. Mas Thiéry nunca foi oficialmente nomeado presidente da Câmara, porque o Governo flamengo considera que não aplicou, à letra, as regras linguísticas. Os francófonos desejam a sua nomeação, em troca da divisão de BHV.

Vereadores francófonos já não podem falar francês

"Em meu entender, a democracia implica o respeito pela lei", diz Thiéry, num neerlandês razoável. "Mas a região flamenga restringe sistematicamente as facilidades [aos francófonos]. Para dar um exemplo, não temos direito a falar francês nas reuniões municipais. Gosto imenso da cultura flamenga e da sua população. Mas é lamentável que determinadas figuras políticas flamengas extremistas aspirem à independência." Thiéry não compreende a angústia flamenga por causa do "afrancesamento": "Têm medo porquê? Está tudo regulado na lei." Admite que haja uma sensibilidade perante a cultura francesa, que há muitos anos predomina na Bélgica, "mas os flamengos fazem disso um drama".

Os dois autarcas parecem estar de acordo sobre um único aspecto: revela-se impossível encontrar uma solução. "Acho que, daqui a dez anos, a Bélgica já não existe. E isso é uma pena", conclui Thiéry. Quanto a De Waele, não irá verter uma lágrima: "Há muitos anos que esta república das bananas – desculpem a expressão – deixou de funcionar. É impossível conciliar a água e o fogo, temos de admitir isso". Nota igualmente uma radicalização da população: "Há dez anos, as pessoas mostravam-se muito indiferentes. Hoje, contudo, ouço-as dizerem-me coisas do género, ‘Força, Willy. Coragem. Não se deixe enganar".

Política

Um assunto explosivo

A querela linguística entre flamengos e francófonos é "uma bomba que ameaça o Governo Leterme", titulava a Gazet van Antwerpen na manhã de 22 de Abril. Passadas algumas horas, o primeiro-ministro Yves Leterme perdeu o apoio do partido Open VLD (liberais flamengos) e apresentou a sua demissão ao rei Alberto II. O Open VLD protesta contra a inexistência de um acordo em relação aos direitos linguísticos dos francófonos que vivem na circunscrição bilingue de Bruxelas-Hal-Vilvorde. A 20 de Abril, o ex-primeiro-ministro Jean-Luc Dehaene, encarregue de negociar com os partidos de ambas as comunidades, propôs várias medidas para atenuar certas vantagens dos francófonos no território flamengo, embora protegendo os seus direitos linguísticos. Ambas as facções rejeitaram as suas propostas.

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