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O fisco torna-se impiedoso

São 2,5 milhões de euros, para pagar os nomes de 1500 alemães que têm dinheiro escondido na Suíça. O negócio que o Governo alemão pretende fazer com um informador suscita um debate moral: é legítimo o Estado alterar o Direito consoante os seus interesses?

Publicado em 2 Fevereiro 2010 às 16:30
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Consta que há pessoas que pagam os seus impostos porque consideram que é o que está certo. Não porque pensem que o Estado tem necessidade dos vários milhares de euros que lhe pagam todos os anos, nem porque não têm conta na Suíça. São geralmente as mesmas que não sacam ilegalmente filmes da Internet, porque acham imoral privar de direitos o autor de uma obra. São pessoas que seguem o preceito do filósofo Immanuel Kant, que diz mais ou menos isto: reflecte sobre o que aconteceria se todos fizessem como tu!

O que vão pensar essas pessoas – que existem, efectivamente – de um Governo que tenciona comprar dados roubados a instituições bancárias, a fim de desmascarar os prevaricadores fiscais e reclamar-lhes impostos retroactivos?

Uma concepção particular da justiça

Pensem no que seria o Estado considerar ser seu direito violar a lei, porque alguns políticos têm uma concepção muito sua da justiça. É o caso de Sigmar Gabriel, dirigente do SPD, que resumiu este problema delicado declarando que “não se pode deixar fugir os bandidos a pretexto de que foram desmascarados por outros bandidos”. [Em 1 de Fevereiro, a chanceler Angela Merkel declarou, por seu turno, que era necessário "fazer tudo para obter esses dados".]

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É essa a concepção de justiça do Governo e do SPD: pôr-se fora da lei para apanhar os transgressores? Para eles, o fim (encher os cofres do Estado) justifica os meios, revelando a sua relação táctica com o Estado de Direito. Permitem-se colocar-se acima das leis. A compra de bens roubados para seu próprio lucro constitui, na verdade, um delito punível com pena de prisão de até cinco anos. Mesmo a simples tentativa de compra de bens roubados é um acto punido por lei.

"Aposse do poder corrompe inevitávelmente a razão"

Mas se o Estado tem o direito de definir a sua própria moral em relação à lei, por que não podem os cidadãos fazer o mesmo? Como garante do Estado de Direito, o Governo não é obrigado a respeitá-lo ainda mais ele próprio? A lei não tem precisamente por função limitar o poder do Príncipe, para que este não seja livre de fazer o que considere oportuno?

Afinal, para os particulares, não faltam boas razões para os cidadãos que pensam colocar o seu dinheiro na Suíça se justificarem. Não é preferível assegurar aos filhos uma educação de qualidade, em vez que colocarem esse dinheiro na boca do monstro estatal? Não é mais nobre dar alguns euros extra à mulher-a-dias [que trabalha clandestinamente] do que dá-lo ao fisco? Se o Estado puder fazer a sua interpretação do direito, porque não poderão os cidadãos fazer o mesmo?

E assim, os contribuintes que pagam os seus impostos porque julgam imoral violar a lei começam a duvidar das palavras de Immanuel Kant. imagine-se só o que poderia acontecer!

VISTO DA SUIÇA

Angela Merkel destrói o sigilo bancário

"É necessário fazer tudo para obter esses dados." As declarações da chanceler Angela Merkel não comportam qualquer ambiguidade. Berna pode implorar, brandir uma ridícula ameaça de recusa de colaboração, mas a Alemanha vai comprar a lista contendo cerca de 1500 nomes que praticam a evasão fiscal. Que essa lista tenha sido roubada, pouco lhe importa. A crise aberta é tão grave se não mais do que a que opõe a Suíça aos Estados Unidos. Ao lado da brecha aberta pelo vizinho germânico, a crise em curso com a França é uma brincadeira. A Alemanha é não apenas o maior parceiro comercial da Suíça, como os seus cidadãos são igualmente depositantes regulares em Zurique. À evasão fiscal vai suceder a fuga dos capitais alemães dos bancos de Zurique. O impacto económico será enorme. Como poderão os clientes estrangeiros manter a confiança nos bancos suíços? A Suíça pode berrar que se trata de um escândalo. E com alguma razão. Porque a Alemanha está prestes a entregar-se a uma actividade de receptador. Ilegal e contra qualquer ética. Que Berna, Washington, Paris ou Berlim parem de se escudar na sua virtude! Esta jogada do xadrez mundial em torno do sigilo bancário é hoje apenas norteada pelas relações de força. A falta de princípios da Alemanha atira por terra uma Suíça já em má situação. Independentemente do que digam Governo e peritos, o sigilo bancário morreu.

Pierre Ruetschi, Tribune de Genève (excertos)

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