Sorri que o mundo sorrirá para ti. Silvio Berlusconi durante a sua participação regular no "Porta a Porta", um programa televisivo nacional..

O homem que tramou um país inteiro

Após quase 20 anos na política, e dez anos no poder, Silvio Berlusconi, deixou a sua marca em Itália, como ninguém antes dele. Segundo o The Economist, num artigo que já é o assunto de muito debate no seu país, o Cavaliere, mesmo tendo a sua imagem manchada por escândalos sexuais e corrupção ", vai assombrar a Itália para os próximos anos".

Publicado em 10 Junho 2011 às 14:47
Sorri que o mundo sorrirá para ti. Silvio Berlusconi durante a sua participação regular no "Porta a Porta", um programa televisivo nacional..

Silvio Berlusconi tem bons motivos para sorrir. Aos 74 anos, criou um império de comunicação social que fez dele o homem mais rico de Itália. Domina a política desde 1974 e é hoje o primeiro-ministro com mais anos no poder, depois de Mussolini. Sobreviveu a inúmeras previsões de que o seu afastamento estaria eminente. No entanto, a despeito do seu sucesso pessoal, foi um desastre como líder nacional: de três maneiras.

Duas delas são sobejamente conhecidas. A primeira é a escabrosa história das suas festas de sexo, que ficaram conhecidas como festas "bunga bunga", uma das quais esteve na origem do nada edificante espetáculo de um primeiro-ministro a ser julgado em Milão, acusado de ter pago para fazer sexo com uma menor. O julgamento do Rubygate manchou não apenas Berlusconi mas todo o país.

Contudo, por mais vergonhoso que este tenha sido, o impacto do escândalo sexual sobre o desempenho de Berlusconi como político foi limitado. Há muito, porém, que esta publicação vem criticando o seu segundo ponto fraco: as manigâncias financeiras. Ao longo dos anos, foi julgado mais de uma dúzia de vezes por fraude, falseamento da contabilidade e suborno. Foi condenado em alguns dos casos, mas as penas não viriam a ser aplicadas, porque a complexidade dos procedimentos deu origem à prescrição dos processos – pelo menos duas vezes, porque o próprio Berlusconi alterou a lei.

Mas torna-se agora claro que nem o sexo ilegal nem a sua dúbia história como empresário serão as principais razões pelas quais os italianos consideram Berlusconi como uma fiasco desastroso ou mesmo destrutivo. Muito pior foi o seu terceiro defeito: a total falta de atenção à situação económica do país. Talvez por estar demasiado ocupado com os sarilhos judiciais em que estava envolvido, não conseguiu, em quase nove anos no cargo de primeiro-ministro, corrigir ou mesmo reconhecer de facto as graves fragilidades económicas da Itália. Assim, irá deixar atrás de si um país em sérias dificuldades.

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Uma doença crónica e não aguda

Esta triste conclusão talvez surpreenda alguns dos que estudam a crise do euro. Graças à política fiscal rígida do seu ministro das Finanças, Giulio Tremonti, a Itália escapou até agora à ira dos mercados. É a Irlanda e não a Itália que está entre os PIGS (juntamente com Portugal, a Grécia e a Espanha). A Itália escapou à bolha imobiliária e os seus bancos não foram à falência. O emprego não foi afetado: a taxa de desemprego é de 8%, em comparação com 20% em Espanha. O défice orçamental em 2011 será de 4% do PIB, em comparação com 6% em França.

No entanto, estes números tranquilizadores são enganosos. A doença económica de Itália não é de tipo agudo e, sim, uma doença crónica que vai minando lentamente a vitalidade. Quando as economias da Europa regridem, a economia italiana regride mais; quando aquelas crescem, esta cresce menos. Na década que terminou em 2010, só o Zimbabué e o Haiti tiveram um crescimento do PIB inferior ao da Itália. Na realidade, o PIB per capita em Itália caiu. A ausência de crescimento significa que, apesar de Giulio Tremonti, a dívida pública continua a ser de 120% do PIB, a terceira maior entre os países desenvolvidos. O facto é tanto mais preocupante devido ao rápido envelhecimento da população italiana.

A média baixa do desemprego oculta algumas fortes disparidades. Um quarto dos jovens – bastante mais no sul deprimido – não têm emprego. A taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho é de 46%, a mais baixa da Europa ocidental. A combinação de produtividade baixa e salários elevados está a minar a competitividade. A Itália figura em 80.º lugar no ranking "Doing Business" do Banco Mundial, depois da Bielorrússia e da Mongólia, e em 48.º na classificação relativa à competitividade do Fórum Económico Mundial, depois da Indonésia e de Barbados.

O governador cessante do Banco de Itália, Mario Draghi, foi bem claro, no seu recente e contundente discurso de despedida (antes de tomar as rédeas do Banco Central Europeu). Repetiu que a economia precisa desesperadamente de grandes reformas estruturais. Referiu a estagnação da produtividade e atacou as políticas governamentais, que "não incentivam e em muitos casos prejudicam o desenvolvimento [de Itália]".

Tudo isto começa a afetar a justamente louvada qualidade de vida da Itália. As infraestruturas estão a ficar deterioradas. Os serviços públicos estão sobrecarregados. O ambiente está a ser danificado. Os rendimentos reais estão, no mínimo, estagnados. Muitos jovens italianos ambiciosos abandonam o país, deixando o poder nas mãos de uma elite envelhecida e desligada da realidade. São poucos os europeus que desprezam os seus políticos mal habituados tanto como os italianos.

Continuará a sorrir

Quando este semanário publicou as primeiras críticas a Silvio Berlusconi, muitos italianos associados à área dos negócios replicaram que só a sua audácia impiedosa de empresário poderia modernizar a economia. Agora, ninguém diz isso. Limitam-se a argumentar que a culpa não é dele mas do país, que não aceita reformas.

No entanto, a ideia de que a mudança é impossível não é apenas derrotista: também é falsa. Em meados dos anos 1990, sucessivos governos italianos, ansiosos por não serem deixados fora do euro, levaram por diante algumas reformas notáveis. O próprio Berlusconi conseguiu, ocasionalmente e por entre as batalhas judiciais, fazer aprovar algumas medidas de liberalização. Poderia ter ido muito mais longe, se tivesse utilizado o seu grande poder e a sua popularidade para fazer mais do que proteger os seus próprios interesses. A Itália empresarial irá pagar bem caros os prazeres de Berlusconi.

E, se os sucessores de Berlusconi forem tão negligentes como ele é? A crise do euro está a obrigar a Grécia, Portugal e a Espanha a pôr em prática grandes reformas, que são motivo de protestos populares. A curto prazo, vai doer. A longo prazo, essas reformas deverão dar um novo impulso às economias periféricas. Algumas delas talvez venham a reduzir o peso da dívida, reestruturando-a. Uma Itália sem reformas e estagnada, com uma dívida pública de mais de 120% do PIB, poderia assim ficar exposta como o maior retardatário da zona euro. E o culpado? Silvio Berlusconi, que, sem dúvida, continuará a sorrir.

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