Porta-contentores no porto de Hamburgo (Photocapy)

O naufrágio dos porta-contentores

A crise económica mundial está a ter um impacto desastroso nos transportes marítimos: a procura e os preços caíram a pique e os portos estão apinhados de cargueiros vazios. Gerou-se uma concorrência feroz a que nem todos vão sobreviver.

Publicado em 14 Agosto 2009 às 15:56
Porta-contentores no porto de Hamburgo (Photocapy)

Ainda há pouco tempo, o transporte marítimo era, simultaneamente, o principal beneficiário e o impulsionador da globalização. Permitia a circulação de mercadorias à volta do mundo a um ritmo imparável.Estava em rápido crescimento desde que a China passou a ser a fábrica do mundo.Em 2008, foram transportados por mar perto de 500 milhões de contentores normalizados (TEU) em todo o mundo – o dobro do registado na viragem do milénio. Continuaram a construir-se navios cada vez mais imponentes. O portos foram alargados e novos serviços programados.A capacidade da frota mundial de contentores passou de 4 milhões, em 2000, para as actuais 12,5 milhões de unidades TEU.

Muita gente enriqueceu durante este período, incluindo armadores, banqueiros e investidores, particularmente em Hamburgo. Nesta última década, a cidade hanseática tornou-se no principal centro mundial de comércio marítimo. Os alemães detêm 35% dos porta-contentores de todo o mundo. Cerca de 60 bancos e entidades financeiras do sector dos transportes marítimos estão sedeados em Hamburgo. A Hapag-Lloyd, também em Hamburgo, passou a ser uma das principais operadoras de linhas de transporte marítimo do mundo.

Cargueiros utilizados a 50%

De um dia para o outro a crise sufocou o crescimento do transporte marítimo em contentores.Pela primeira vez, o sector parou de crescer e até está a regredir.Só no primeiro semestre deste ano, registou a queda foi de quase 16%. Os navios são demasiado grandes para as encomendas e navegam com meia-carga ou menos.Investiram-se milhões no alargamento de portos prevendo um crescimento que não se verificou.As principais operadoras de linhas de transporte marítimo estão à beira da falência, o mesmo acontecendo aos bancos do sector e às companhias de navegação fretadas.Esta actividade, outrora uma das maiores beneficiárias da globalização, ameaça transformar-se numa das suas principais vítimas. Esta sensação de pânico é mais palpável em Hamburgo do que em qualquer outra parte do mundo.

Newsletter em português

A Hapag-Lloyd,provavelmente a mais eficiente das principais operadoras de transporte marítimo, tenta, a todo o custo, escapar à falência. Armadores e executivos dos bancos e companhias de navegação de todo o mundo inquietam-se. Se uma empresa como a Hapag-Lloyd não consegue sobreviver, quem será a próxima vítima? Embora a navegação tenha tido sempre os seus ciclos, as companhias estão convencidas de que houve uma mudança radical, para pior."Nunca tinha havido esta falta de carregamentos", afirma Ulrich Kranich, membro do conselho executivo responsável pelas operações em todo o mundo. Devido à quebra do consumo, no ocidente, e da produção, no leste, deixou de ser possível preencher a enorme capacidade de carga da frota mundial de contentores.

Dez dólares por uma TV

Despachar um televisor da Ásia para a Europa custa dez dólares, ao passo que um aspirador fica em um dólar e uma garrafa de cerveja, em um cêntimo.Foi sobretudo a existência dos contentores que tornou isto possível.Nada impulsionou mais a globalização, desde meados dos anos 80, que o florescimento destas caixas de aço.O ressurgimento da China como potência económica mundial teria sido impensável sem os contentores. Os custos do transporte marítimo são tão baixos que até compensa despachar para a China tomate espanhol, transformá-lo em pasta de tomate e reenviá-lo para a Europa. As companhias de navegação financeiramente mais robustas continuam a alimentar a guerra dos preços para conquistar quota de mercado. Aparentemente, a Hapag-Lloyd foi atingida pela maior crise no sector na pior altura.Ao transferir lucros substanciais de anos anteriores para a TUI, a empresa-mãe em dificuldades, a companhia de navegação de Hamburgo viu-se incapaz de acumular reservas. Para apoiar a principal operadora de transportes marítimos alemã, foi pedida ao Governo uma garantia de mil milhões de euros.Em princípio, o negócio dos contentores ainda é considerado extremamente rentável. A Hapag-Lloyd também está a desfazer-se de contratos de aluguer de navios. Outras companhias estão a adoptar a mesma estratégia. A Alemanha detém 1.644 dos 4.619 porta-contentores do mundo.

Efeito dominó

Discretamente uma dúzia de companhias de navegação, bancos de Hamburgo e fundos de investimento foram o principal impulsionador do financiamento e construção de porta-contentores durante os anos de crescimento. Porém, em vez de operarem as suas próprias linhas, fretaram navios, muitas vezes com tripulação incluída. Um efeito de dominó ameaça esta actividade.As operadoras já não conseguem pagar os navios que fretaram, ao passo que os armadores dos navios fretados e os fundos de transportes marítimos já não conseguem pagar os juros ao banco.Muitos bancos, por seu turno, também estão com dificuldades.

Falta o pior. A encomenda de 1.550 navios, feita em meados de 2008, está em processamento.Os estaleiros asiáticos não e aceitam cancelamentos. Navios em bom estado já começaram a ser abatidos e agora jazem em portos, estuários e baías um pouco por todo o mundo. Os consultores da Drewry estimam que só em 2012 será possível retomar um volume de negócios comparável ao de 2008. À semelhança doutros portos, Hamburgo também investiu 750 milhões de euros num programa de expansão.Durante anos, o porto registou o mais rápido crescimento europeu. O volume de negócios triplicou em dez anos, chegando a 10 milhões de contentores. As autoridades portuárias previram 20 milhões em 2015 mas já ninguém acredita nisso.De facto, os desceram 25% no primeiro trimestre de 2009 e os planos de expansão de Hamburgo foram interrompidos. "Para quê", pergunta um responsável alemão, "gastar milhões em navios que poderão nem chegar a vir?"

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico