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Um graffiti no Cairo celebra a revolta egípcia, em fevereiro de 2011.

O que a Europa pode realmente esperar

Terrorismo, imigração, economia: para os europeus, a vaga de revoltas que agita o mundo árabe vem carregada de perigos mais ou menos reais. O jornal El País tentou separar o verdadeiro do falso.

Publicado em 21 Fevereiro 2011 às 16:35
Um graffiti no Cairo celebra a revolta egípcia, em fevereiro de 2011.

São raros os que põem em causa que o apoio dado, durante décadas, pelo Ocidente às ditaduras da margem sul do Mediterrâneo é uma mancha na sua História. As revoltas árabes das últimas semanas contestam estes comportamentos, entre outras abjeções. Isso não significa que as preocupações que fundamentaram esta política ocidental não fossem, e continuem a ser, fundadas em perigos reais. Este sonho de democratização do mundo árabe é uma ideia entusiasmante, mas é um caminho rodeado de inquietantes precipícios, em que alguns temem (e outros desejam) ver-se resvalar.

O receio mais evidente e o mais abundantemente discutido é de que estas transições facilitem a chegada ao poder de formações islamitas hostis a Israel e ao Ocidente. No entanto, diversos fatores parecem afastar esta ameaça, pelo menos a curto prazo. A começar pela natureza das manifestações das últimas semanas, efetuadas por legiões de jovens que aspiram a viver numa sociedade aberta e tolerante, e nas quais o islamismo não representou um papel de primeiro plano. Isso não impede algumas pessoas, na Europa, de brandir o espetro de transições instáveis, fatores de terrorismo, vagas de imigração e tráfico de droga, ameaçando a estabilidade económica e o abastecimento de energia.

Claro que existem riscos, mas alguns peritos insistem em que não há razão para exageros, porque a probabilidade de essas ameaças se concretizarem é muito fraca. Mais um motivo para se encarar com coragem o apoio à aposta democrática. Alguns desafios são mais preocupantes que outros:

- O terrorismo

Nos últimos dez anos, os países do Norte de África deram guarida a células terroristas, responsáveis por atentados nas regiões costeiras e por um número crescente de raptos de ocidentais no Sael. Os grupos salafistas argelinos agregaram-se sob o nome de Al-Qaida do Magrebe Islâmico. Para já, estas organizações estão contidas e não chegaram a semear o terror na Europa. Mas a transição entre regimes autoritários, laicos e pró-ocidentais e sistemas mais pluralistas, sem dúvida menos estáveis e menos repressivos, cria hoje novas incógnitas.

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“Até aqui, os regimes árabes eram ao mesmo tempo o mal e a panaceia”, considera Mathieu Guidère, professor universitário e autor de várias investigações sobre o terrorismo islamita. “A ausência de liberdades, a repressão e a corrupção incentivaram o islamismo, mas, em paralelo, os regimes lutavam eficazmente contra este fenómeno.” E agora? “Estou pessimista em relação aos anseios desses povos, mas otimista quanto à luta contra o terrorismo. Creio que os militares vão conter estas explosões revolucionárias e acabarão por conservar o poder: isso garante a continuidade da intervenção antiterrorista”, arrisca Mathieu Guidère.

- A imigração

Desde a queda do regime de Ben Ali, a partida desesperada para Itália de milhares de tunisinos em embarcações improvisadas faz crescer o temor de um êxodo maciço de África para a Europa. Mas a interpretação mais convincente é que esta emigração tunisina será constituída por gente fiel ao regime, que foge por temor de represálias, sublinha Philippe Fargues, diretor do Centro de Políticas Migratórias do Instituto Universitário Europeu de Florença.

A hipótese de um caos prolongado, que pressionaria numerosos indivíduos a partir e provocaria simultaneamente um abrandamento do controlo da emigração clandestina pelas forças policiais, constitui um motivo bastante mais forte de apreensão. “A imigração vinda do Norte de África explica-se por dois fatores”, comenta Philippe Fargues. “Primeiro, por um fator económico, ligado ao desemprego e a uma insuficiente remuneração do trabalho. Depois, por um fator político, ligado à falta de liberdades. Se não houver grande instabilidade, a queda de regimes autoritários não deverá provocar uma quebra da qualidade da vida civil nem aumentar, portanto, a emigração.”

Do ponto de vista económico, transição democrática não é sinónimo de arranque económico. Mas também não há razão para que a situação se deteriore e a emigração progrida. “Além disso”, acrescenta Philippe Fargues, “ainda que o controlo policial venha a ser afrouxado, é necessário recordar que as saídas clandestinas constituem uma emigração muito mediatizada, mas na verdade extremamente marginal: a maior parte das pessoas deixa o país com um visto de turismo!”

- A economia

Trinta por cento das importações europeias de petróleo e gás provêm dos países do arco árabo-persa. Um contexto de caos e de violência prolongado poderia de facto causar graves problemas de abastecimento. Mesmo uma “simples” instabilidade pode ter repercussões. O preço do barril de brent situava-se em cerca de 91 dólares, em meados de dezembro, antes de estalarem as revoltas. Em 18 de fevereiro, a bolsa fechou com o barril a 103 dólares. Alguns temem ainda limitações ao tráfego pelo canal de Suez, ou a chegada ao poder de regimes que pretendam renegociar os contratos ou alterar a sua carteira de clientes. Uma grande variedade de hipóteses, que são na verdade muito pouco fundamentadas.

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