O salvador russo ganha tempo

Detentora de uma grande parte do dinheiro colocado na ilha e chamada, por Nicósia, a ajudar, a Rússia impõe condições. Está fora de questão que as suas empresas sejam taxadas ou que sofram com as perdas dos bancos cipriotas. E continua à espera de um gesto dos europeus.

Publicado em 22 Março 2013 às 16:47

No dissimulado confronto que o opõe à União Europeia, o Kremlin acaba de ripostar. A UE não conseguiu persuadir Chipre a instaurar uma taxa confiscatória que teria sido prejudicial para as empresas públicas russas. Agora, não é possível vislumbrar uma saída para a crise que seja simples ou que não provoque demasiadas perdas. E a relutância da Rússia em conceder um novo empréstimo a Chipre é um conveniente meio de pressão sobre a Europa.

Chipre espera uma ajuda de Moscovo em troca de algumas “vantagens” para a economia russa. Michalis Sarris, o ministro cipriota das Finanças, sublinhou que [a 20 de março] não foi a Moscovo de mãos vazias. Foi apresentar as possibilidades que se apresentam à Rússia se ajudar a sua ilha. A lista inclui uma participação no sistema bancário e a exploração do gás. O que Chipre pede, não é simplesmente um crédito, mas a conclusão de uma transação que seja considerada mutuamente lucrativa.

Declarações abruptas de Moscovo

Mas, agora, a Rússia parece querer ganhar tempo. Andreï Kostine, presidente do banco VTB [Vnechtorgbank], principal vítima da crise cipriota, anunciou que a sua instituição não está absolutamente nada interessada na compra de ativos bancários da ilha: “Localmente, há dois bancos em situação crítica que precisam de ser saneados. Seria absurdo pretender que temos interesse neles. O nosso único interesse é encontrar o mais depressa possível a capacidade de fazer pagamentos e de gerir as contas dos nossos clientes.” E acrescenta que o seu banco vai “parar a atividade e simplesmente abandonar o mercado cipriota” no caso de “decisões que violem o direito, ditadas pela política”.

Na véspera, numa entrevista a dois meios de comunicação europeus, o primeiro-ministro Dmitri Medvedev declarou que, em Chipre, as atividades dos grandes bancos russos e das empresas com participação do Estado estavam bloqueadas, apesar de não terem nenhum problema contabilístico ou fiscal. Foi assim que explicou as declarações abruptas de Moscovo. De passagem, confirmava que o paraíso fiscal cipriota não é apenas atrativo para o setor privado russo, mas também para as empresas públicas. O primeiro-ministro acrescentou que a Rússia está a pensar num apoio a Chipre, uma vez que a UE tenha proposto o seu próprio conjunto de medidas destinadas a combater a crise.

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A Rússia está a fazer uma pausa. E não parece conseguir ver como poderá sair desta crise com o mínimo de danos colaterais possíveis e, por isso, decidiu vingar-se da UE adotando uma posição de espera porque, se Moscovo se retira, a Europa deixará de ter de procurar os €10 mil milhões necessários para salvar o Chipre e precisará de reunir a totalidade da soma, ou seja, €17 mil milhões.

Tom de apaziguamento na Europa

Confrontados com este cara-a-cara geopolítico, alguns funcionários europeus tentaram suavizar os seus comentários. Durão Barroso, o presidente da Comissão, invocou a hora tardia da reunião dos ministros das Finanças europeus que chegou a uma decisão já às primeiras horas de sábado. Terá sido isso o que impediu que Moscovo fosse previamente avisado.

O tom da Europa é de apaziguamento, mas não se traduz em atos. A partir 25 de março, o BCE poderá interromper o fornecimento de dinheiro líquido a Chipre, o que deixaria exangue toda a economia da ilha. A 21 de março, uma fonte europeia anónima ameaçou os bancos cipriotas de fecho se não se chegasse a um novo acordo acerca de uma taxa sobre os depósitos. Isto levou o New York Post a classificar o confronto entre a Rússia e a UE como uma batalha épica entre o Presidente Putin e a chanceler alemã Angela Merkel. Visto de fora, Putin terá entendido a proposta da taxa confiscatória do Eurogrupo como um insulto pessoal.

Os especialistas confirmam que a ilha não está em estado de fazer qualquer proposta verdadeiramente vantajosa a Moscovo. “O único interesse de Chipre para a economia russa residia na utilização que dele fazia anteriormente, uma plataforma financeira de fuga à legislação russa, mas razoavelmente sólida e previsível. Do ponto de vista do investimento, Chipre, enquanto país, não é melhor do que qualquer outro Estado politicamente estável do Mediterrâneo Oriental”, comenta Viktor Koukharski, diretor-geral do grupo Razvitié. Sublinha, no entanto, que se os bancos cipriotas acolheram muitas fortunas provenientes da Rússia, acumularam ainda mais vindas de Inglaterra. “A Alemanha decidiu recuperar uma parte desses depósitos secretos para os colocar no cofre europeu”, supõe Koukharski. Mas isso tornou-se um escândalo.

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