Durão Barroso em Lausanne (Suiça) en 2007. (AFP).

O triunfo do homem do aparelho

Sem grande entusiasmo, Durão Barroso foi reeleito para a presidência da Comissão Europeia com 382 votos contra 219. Adrian Hamilton, em The Independent, diz que a Europa precisava de alguém com mais envergadura que um burocrata para enfrentar a recessão, as alterações climáticas e segurança energética.

Publicado em 17 Setembro 2009
Durão Barroso em Lausanne (Suiça) en 2007. (AFP).

Os discursos dos líderes europeus podem ser grandiosos mas quantas vezes a prática os contradiz! A recente recondução por mais cinco anos do presidente da Comissão, José Manuel Durão Barroso, é um bom exemplo.

Estamos perante a recondução de um homem em quem ninguém deposita grandes esperanças para o desempenho do cargo mais elevado da UE, no momento talvez mais crítico da Europa, em plena recessão económica e perante enormes desafios no que toca às alterações climáticas, à segurança energética e às relações internacionais.

Não se trata de um ataque pessoal a Durão Barroso, antigo primeiro-ministro português de centro-direita, que se tem esforçado, ao seu limitado nível, para desbloquear a enredada nova "Constituição", rejeitada pelos eleitorados irlandês, francês e dinamarquês.

Há cinco anos, foi escolhido para Presidente da Comissão Europeia porque os poderes europeus não chegavam a acordo sobre as restantes alternativas. Desta vez foi novamente eleito porque os líderes continuaram sem chegar a acordo sobre outro eventual candidato (embora o presidente Sarkozy tenha insistido bastante num francês), ao passo que os partidos de centro-esquerda do Parlamento Europeu nem conseguiram apresentar um candidato próprio.

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A culpa não é toda da Europa. Basta olhar para o Reino Unido e para o peso das organizações não governamentais, quase autónomas, para se perceber que, tendencialmente, um cargo que exija consenso não atrai o melhor candidato, mas o que fizer menos ondas. Uma assembleia de 27 líderes, cada qual olhando para a UE como para uma agência de colocação de candidatos nacionais, não vai escolher um presidente que se destaque no meio da burocracia e venha a revelar-se incontrolável.

Absurdo democrático

A UE passou a ser, consciente ou inconscientemente, a associação mais eficaz para o desenvolvimento de uma política comum em matéria de recuperação económica, objectivos ambientais, iniciativa política externa e, nessa matéria, defesa e segurança.

Seria uma loucura, neste momento, reconduzir um presidente incapaz de fazer avançar a instituição em áreas tão básicas como a aplicação de uma política comum nestas matérias. Mas ainda é uma loucura maior continuar a insistir, como os líderes da UE, num Tratado Constitucional claramente rejeitado em referendo pelos irlandeses e que, em todas as sondagens de opinião, não recolhe qualquer entusiasmo da população europeia em geral.

Tratando-se de uma tentativa concertada em direcção ao futuro que se quer para a Europa, seria preferível que os irlandeses rejeitassem o Tratado pela segunda vez. Isso, pelo menos, forçaria os chefes de Estado europeus a uma reacção conjunta. Caso contrário, regressamos à velha maneira errada de proceder – nomeações acordadas nos bastidores, políticas enfraquecidas, burocracia desordenada.

À semelhança da recondução de Durão Barroso, o sistema europeu talvez consiga levar a melhor sobre os irlandeses. Trata-se de uma estratégia profundamente desmoralizante que em nada contribui para preencher o défice democrático que atraiçoa o projecto europeu. E será saudada – especialmente em Londres – não por ser uma forma de reavivar a Europa, mas por ser uma forma de a retirar da agenda.

INSTITUIÇÕES

O periclitante Barroso

A UE vai ter um Presidente (disfarçado de Presidente do Conselho Europeu) e um Ministro dos Negócios Estrangeiros (disfarçado de Alto Comissário) e as competências do Parlamento Europeu vão ser muito mais abrangentes. José Manuel Durão Barroso, desapossado de verdadeiro poder, vai ser o homólogo continental da Rainha de Inglaterra, ainda por cima sem coroa, nem castelos e nem propriedades agrícolas. É isto que vai acontecer se os irlandeses disserem ‘SIM’ ao Tratado de Lisboa no dia 2 de Outubro.

Porém, se disserem ‘NÃO’, a União Europeia de 2014 irá ser praticamente igual à de hoje. Durão Barroso continuará a ser o rosto da Europa e continuará a fazer de conta que controla os assuntos europeus. Os líderes europeus vão continuar a trabalhar na construção de um novo tratado – desta vez, de Berlim, Paris, ou Estocolmo – para “salvar a Europa da apatia e enfrentar os desafios da globalização”. E os deputados europeus vão continuar a protestar que não são ouvidos.

Durão Barroso encontra-se, assim, na estranha situação de, por um lado, apoiar incondicionalmente o Tratado de Lisboa e, por outro, perceber que, assim que o Tratado for adoptado, o seu papel à frente da Comissão Europeia passa a ser marginal. À primeira vista, pode parecer esquizofrénico, mas as aparências iludem. Durão Barroso sabe perfeitamente que o que está em jogo não é o poder, mas o prolongamento de um agradável e bem pago caso amoroso político.

Por isso, se me perguntassem o significado da eleição de ontem de Durão Barroso para o futuro da Europa, eu diria que não é nenhum.

Marek Magierowski, Rzeczpospolita

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