Orgulho e preconceito

Apesar dos esforços do primeiro-ministro italiano, Mario Monti, para agradar à opinião pública alemã, os seus compatriotas lamentam a existência de um sentimento nacionalista e antieuropeu na Alemanha. A culpa é das ideias preconcebidas e, também, da atitude dos italianos, escreve o diário "La Stampa".

Publicado em 6 Agosto 2012 às 14:27

Como convencer os alemães de que não queremos o dinheiro deles? Na entrevista que concedeu à revista Der Spiegel, Mario Monti fez tudo quanto lhe era possível. Servindo-se da sua competência, tentou, mais uma vez, explicar que nós, italianos, pagámos bem mais do que eles pela ajuda à Grécia, à Irlanda e a Portugal e que, dadas as taxas atuais de rendimentos dos títulos da dívida pública, são os italianos e os espanhóis que subvencionam os alemães –e não o contrário.

Não é fácil fazer-se entender. Hoje, na Alemanha, as dificuldades da união monetária não geram apenas o desencantamento das massas em relação à integração europeia, à semelhança do que se passa em Itália, mas também um verdadeiro fenómeno cultural entre uma parte da classe dirigente alemã, que tende a considerar que tem razão contra o resto do mundo –ou quase.

Curto-circuito perigoso

Na semana passada, o muito popular diário Bild anunciou com grande alarido aos seus leitores, como se fosse um exclusivo, que o prolongamento da crise é altamente favorável à Alemanha, estimando que, nos últimos trinta meses, esse arrastar da crise rendeu 60 mil milhões de euros ao país. Este número é considerado bastante verosímil por vários especialistas. E, no entanto, não houve grandes alterações. Os populistas celebram esta nova prova de sucesso da pátria e a maioria finge que não vê nada.

Que se passa entretanto nos mercados? Alguns operadores financeiros explicaram tudo muito bem, recentemente, ao jornal The New York Times: sabem que os títulos da dívida italianos, atualmente com elevado rendimento, poderiam ser um excelente negócio, mas continuam a vendê-los, em vez de os comprarem, por medo de que se verifique entre os seus pares um "tsunami de pessimismo coletivo" que poderia destabilizar a Itália.

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Muitos economistas alemães insistem em negar esta realidade. A sua teoria não a tem em conta e, portanto, para eles, tal realidade não existe. Afirmam que os rendimentos de 6% ou 7% da dívida de Itália e da Espanha são racionais e que estes dois países têm o que merecem. O problema é que, indo contra o representante do Bundesbank [na direção do Banco Central Europeu], e apenas contra este, o BCE reconheceu essa realidade. É por isso que as decisões de quinta-feira passada são importantes.

O novo nacionalismo alemão responde quase sempre, falando de outra coisa, num entrecruzar perigoso de demagogia eleitoral com dogmas de um mundo académico conformista. Os países do Sul e a França são acusados de quererem levar o BCE a cunhar moeda para financiar o esbanjamento dos políticos, como acontecia no passado. Em Itália, essa prática irresponsável foi abandonada em 1981, dez anos antes do Tratado de Maastricht.

O espírito das Constituições, mais do que a letra

Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que diversos acontecimentos em Itália contribuíram para alimentar a desconfiança alemã. Nos anos 1990, os dois países sofriam de males semelhantes. Mas, durante a década seguinte, sucederam-se em Berlim governos capazes de cuidar desses males; em Roma, não foi esse o caso. A menção, de ânimo leve, das euro-obrigações pelos nossos responsáveis políticos traía o seu desejo de que os alemães pagassem uma parte da conta, por nós.

Portanto, é justo, ainda que possa parecer bizarro, que o compromisso saído do conselho do BCE [Frankfurt comprará dívida soberana dos Estados em dificuldades, unicamente depois de estes terem pedido a intervenção do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira] condicione as intervenções destinadas a apaziguar os mercados a iniciativas políticas (precisamente porque se trata de acalmar os mercados, e não de criar moeda em excesso).

Estamos a explorar um novo território, no qual é preciso verificar a todo o momento aquilo que deve ser decidido pelo voto dos cidadãos e aquilo que é da competência dos técnicos. Nos dois países, é preciso ter em conta mais o espírito do que a letra das Constituições que a democracia nos trouxe, no fim dos anos 1940. Quanto aos tratados europeus, se for preciso, alteram-se.

Visto da Alemanha

“Todos merkelizados”

Depois da última primeira página chocante do diário italiano Il Giornale a evocar o “Quarto Reich”, o correspondente em Roma do Spiegel Online conta as suas experiências de alemão no estrangeiro à mercê da cólera dos italianos, sujeitos à política de rigor imposta por Bruxelas e Berlim.

Em Itália, sente-se a cólera contra a Alemanha. [...] Nos bares, nos cafés e nas conversas entre vizinhos, exigese que os alemães expliquem por que motivo uma nação inteira segue “a Merkel” na sua política de crise.

Fala do seu vizinho Camillo que se regozija de a Alemanha — “enfim loser” — estar na cauda das classificações em termos de medalhas olímpicas, que constata o ressurgir de apelidos como “Crucchi” e “Panzer” e que conta a infelicidade deste jovem estudante que se dá conta tarde de mais de ser o único alemão no curso de Italiano e que atrai sobre si a hostilidade dos colegas ao declarar que “Nós não somos uma família. Os gregos têm de resolver o problema deles sozinhos. Trabalharam muito pouco e passaram muito tempo no café”.

Perante um italiano de trinta anos que lhe pergunta por que motivo os alemães falam de Itália como se fosse um país em vias de desenvolvimento, quando é a terceira economia da zona euro e assegura 125 milhões de euros no Fundo Europeu de resgate financeiro (contra 190 milhões da Alemanha), o jornalista do Spiegel Online questiona-se:

Que posso eu dizer-lhe? Que em cada país da zona euro existe uma versão própria da crise, com diferentes vítimas e verdugos? Uma verdade da cor nacional que a política e os media trazem das cimeiras de Bruxelas e de outros locais de negociação entre os 27 países. E cada um limita-se à sua.

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