Banco de atuns vermelhos ao largo da costa espanhola

Pobre 'Mare nostrum'

As centenas de cientistas que elaboraram o primeiro estudo mundial sobre o estado dos oceanos, do Ártico ao Antártico, passando pelas águas tropicais, apresentaram um veredito alarmante: o Mediterrâneo é o mar mais em risco do planeta.

Publicado em 3 Agosto 2010 às 16:23
Banco de atuns vermelhos ao largo da costa espanhola

A lista dos problemas parece não ter fim. A destruição do habitat, a pesca sem controlo, a contaminação, o aquecimento global e a descarga maciça de adubos agrícolas e águas residuais estão a afectar 17 mil espécies que vivem no Mar Mediterrâneo. "E, provavelmente, estas ameaças vão aumentar no futuro, em especial as associadas às alterações climáticas e à degradação do habitat." É esta a opinião de uma das coordenadoras do estudo, Marta Coll, investigadora do Instituto de Ciências do Mar (ICM), em Barcelona.

Há mais perigos, porém. Segundo este novo estudo, incluído no projecto internacional que tem em vista elaborar um Censo da Vida Marinha, o Mediterrâneo foi invadido por um exército de mais de 600 espécies alóctones. Mais de metade provêm do Mar Vermelho e entraram pelo Canal do Suez. Outras, num total de 22%, chegaram de barco, vindas de outras regiões do mundo. E uma em cada dez tem origem em fugas registadas em explorações aquícolas.

É muito difícil calcular os estragos que estas espécies invasivas podem provocar no Mediterrâneo. Os autores do estudo, publicado a 2 de agosto na revista científica PLoS ONE, recordam o caso da medusa Mnemiopsis leidyi, que chegou de barco a águas europeias, vinda do noroeste do Atlântico e que, em 2009, se expandiu de Israel até Espanha. Na década de 80, esta medusa causou estragos no Mar Negro e provocou um colapso da população de anchovas e graves prejuízos económicos.

Muitas destas espécies invasivas provêm de águas tropicais e são favorecidas pelo aquecimento das águas. Na década de 1980, a temperatura da superfície marinha na costa mediterrânica oscilava entre os 16,25 graus, na zona ocidental, e os 22,75, na zona oriental. No entanto, os cientistas calculam que, por alturas de 2050, a temperatura ultrapassará os 24 graus em algumas zonas, segundo Bhavani Narayanaswamy, porta-voz para a Europa do projeto Censo da Vida Marinha.

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"Entre as espécies mais ameaçadas do Mediterrâneo incluem-se os corais de águas frias e profundas. São incapazes de escapar ao aquecimento da água e, por isso, as suas populações estão a diminuir", lamenta Bhavani Narayanaswamy, que teme, inclusive, algumas "extinções locais".

O que mais se assemelha a uma operação de salvamento do Mediterrâneo é a iniciativa Horizonte 2020, lançada há quatro anos pela Comissão Europeia. O seu objectivo é muito ambicioso: reduzir de forma drástica a contaminação. O próprio Executivo comunitário apresenta números para explicar a magnitude do desafio. Mais de 140 milhões de pessoas vivem na costa do Mediterrâneo, que é visitada anualmente por 175 milhões de pessoas. Em 2025, metade do litoral mediterrânico estará urbanizado, sepultado debaixo de cimento. Segundo a Comissão, 80% das pressões sofridas pelos organismos marinhos têm origem em terra firme. Mais de metade dos centros urbanos com mais 100 mil habitantes não dispõem de unidades de tratamento de águas residuais. E 60% destas são despejadas directamente no mar.

No entanto, Bhavani Narayanaswamy mostra-se desconfiada. "Não tenho a certeza de que reduzir as descargas da indústria, da agricultura e dos centros urbanos possa reconduzir o ecossistema mediterrânico àquilo que este era", diz. Para outro dos autores, Josep María Gasol, do ICM de Barcelona, "o mais surpreendente foi comprovar que não se sabe nada". Os novos dados do Censo da Vida Marinha referem 17 mil espécies marinhas descritas pela ciência e existentes na bacia mediterrânica – quase o dobro das últimas estimativas. Contudo, 75% das espécies que vivem nas profundezas do Mediterrâneo nem sequer são conhecidas. Podem extinguir-se sem que ninguém lance o grito de alarme.

Hidrocarbonetos

Por uma moratória às perfurações no Mediterrâneo

A ministra italiana do Ambiente lançou um apelo aos 21 Estados com costa mediterrânica, pedindo uma moratória sobre as prospeçõesde petróleo e gás mais perigosas (as que implicam perfurações petrolíferas em águas profundas e jazidas de petróleo ou gás a alta pressão ou alta temperatura). Depois da catástrofe provocada pela explosão da plataforma da BP no Golfo do México, a moratória "daria tempo à Europa para definir uma estratégia nova e específica, ponderada para o Mediterrâneo", explicaIl Sole-24 Ore. A proposta italiana é menos restritiva do que a que foi feita no início de julho pelo comissário europeu da Energia, Günther Oettinger, acrescenta o diário italiano, que explica ainda que o apelo tem por alvo principal o projeto da BP de iniciar prospeções no Golfo da Síria, nas águas líbias e nalguns cabos da Sicília.

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