Mulher árabe com o filho num bazar em Urfa, no Sudoeste da Turquia (AFP)

Razões para uma União no Médio Oriente

Ancara pode jogar outra cartada, se o seu desejo de adesão à Europa sair frustrado: aproximar-se dos seus vizinhos do Médio Oriente e trabalhar na formulação de um projecto de cooperação regional decalcado da UE.

Publicado em 19 Agosto 2009 às 13:58
Mulher árabe com o filho num bazar em Urfa, no Sudoeste da Turquia (AFP)

Na semana passada, Tariq Ramadan defendeu no Guardian que a Turquia era, em muitos aspectos, uma parte da Europa e merecia ser membro da UE. Do meu ponto de vista, a Turquia faz e simultaneamente não faz parte da Europa, o que também está de acordo com a minha teoria da "mescla de civilizações" [em Inglês, "mash of civilisations": jogo de palavras com o "clash of civilisations", teorizado por Samuel Huntington]. Mas ainda que a Turquia seja (pelo menos parcialmente) europeia, isso não significa que vá entrar na União Europeia. E há muitas razões para tal. Uma delas é bastante óbvia: religião e a inesgotável questão da "cultura". Muitos dirigentes e cidadãos europeus, consideram – abertamente ou não – a UE como um clube "cristão", uma versão secularizada da velha cristandade.

Esse facto explicaria que alguns países, com desempenhos questionáveis em matéria de direitos das minorias, como a Lituânia, ou com parâmetros económicos duvidosos e economias dirigidas por especuladores e oligarcas, como a Letónia, tenham conseguido tornar-se membros. E também ajuda a compreender o motivo pelo qual a Grécia – o berço da civilização ocidental – foi admitida na então CEE, sem condições prévias e sem um longo período de pré-adesão, a despeito das preocupações quanto ao seu "atraso económico" e ao conflito que a opunha à Turquia, e a razão de o seu posterior desempenho medíocre não ter feito ninguém franzir o sobrolho.

Turcos furiosos e desapontados com a UE

No entanto, seria errado exagerar a influência da identidade islâmica da Turquia. Tal como em muitos outros casos, a religião, a civilização ou a cultura são as capas que ocultam outros conflitos de interesses mais triviais. Em primeiro lugar, há que ter em conta a preocupação genuína – apesar dos grandes progressos económicos alcançados pela Turquia nos últimos anos – com o impacto que o elevado número de pobres rurais existentes no país teria sobre a União, para já não falar da questão curda. Além disso, na UE a dimensão [de um país] é realmente importante. A estrutura demográfica da Turquia significa que esta seria um dos maiores Estados Membros, senão o maior, em termos de população, o que lhe daria automaticamente uma posição de peso à mesa europeia, desequilibrando o eixo Alemanha-França e ameaçando o estatuto de outros grandes países. Por esse motivo, a Bósnia-Herzegovina ou a Albânia poderão tornar-se membros do clube antes da Turquia. É também em parte por isso que, apesar do seu entusiasmo em aderir à UE e da sua identidade cristã, está a ser oferecido à Ucrânia o prémio de consolação de laços mais estreitos.

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Assim, não é de espantar que os turcos se sintam aborrecidos e frustrados, ao fim de mais de meio século passado pacientemente à espera, à porta da UE. Contudo, em vez de esperar para sempre, a Turquia devia aproveitar a oportunidade e capitalizar os seus recentes esforços no sentido de reforçar os seus laços com o Médio Oriente. Desde a queda do Império Otomano, depois da Primeira Guerra Mundial, e da criação de uma república turca secular e moderna, por Mustafa Kemal Ataturk, a Turquia cortou efectivamente as suas ligações de séculos com o Médio Oriente.

Por seu turno, os árabes também voltaram as costas aos turcos, devido às penosas recordações deixadas por séculos de subserviência e pelo forte centralismo turco, que caracterizou os últimos anos do domínio otomano e, também, por causa do sonho de uma independência árabe plena. No entanto, há coisas que a região perdeu ao longo deste processo e que vale a pena reconstruir, sob uma forma moderna e mais justa: estabilidade relativa, o Estado de direito, liberdade de circulação transfronteiriça e um cadinho dinâmico de etnias e religiões. A UE é uma união voluntária de uma região que só foi unificada pelas conquistas de homens como Carlos Magno e Napoleão. Porque não poderá o Médio Oriente tornar-se uma união voluntária entre os territórios do antigo Império Otomano e outros vizinhos que desejem juntar-se-lhes, como o Irão, ou mesmo Israel, depois de ter chegado à paz com os palestinianos?

Reproduzir o exemplo da Europa no Médio Oriente

É indiscutível que os desafios envolvidos na realização desta visão são imensos. O Médio Oriente não é uma das regiões mais estáveis do mundo e também é incrivelmente diverso, em termos políticos, culturais e religiosos.

Em meu entender, o melhor factor de unificação seria um pragmatismo, alimentado pelo sentimento de destino comum e forjado por desafios comuns: insegurança e conflito, pobreza, o enorme peso da juventude entre a população, escassez de água, domínio estrangeiro, etc. Os primeiros passos pragmáticos da Europa no caminho para a integração foram dados quando um núcleo central de seis países criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Do mesmo modo, o Médio Oriente poderia dar os primeiros passos cautelosos agrupando-se em torno de recursos como por exemplo o petróleo e a água, que são vitais para o futuro da região.

Outro domínio essencial nesta zona volátil é a segurança. Um pacto de defesa mútua e de não-agressão entre os países da região é fundamental para a estabilidade futura – com ou sem uma união formal. A fim de garantir a segurança humana, deveriam ser desenvolvidos esforços no sentido de criar um tribunal de direitos do homem do Médio Oriente. Se encararmos a História como um guia, veremos que há o risco de o aparecimento de um bloco deste tipo ser encarado como uma ameaça a "interesses ocidentais vitais" e tanto o "soft power" [literalmente, "poder suave", no sentido da persuasão, da diplomacia] como o "hard power" ["poder duro", ou seja, sanções económicas e meios militares] ocidentais poderão erguer-se contra ele. Mas a presença da Turquia – militarmente poderosa por direito próprio, aliada leal do Ocidente e quase parceira da UE – poderia ajudar a reduzir esse risco.

Neste momento, um Médio Oriente pacífico e integrado segundo este modelo parece uma fantasia. Mas quem teria pensado que a Europa iria erguer-se pacificamente das ruínas de duas guerra mundiais e rasgar a Cortina de Ferro?

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