Também há lugar para os euro-heréticos

Eurodeputados e euro funcionários, em Bruxelas, são frequentemente estereotipados como membros de uma “religião”. E isso acontece porque vivem num morno ambiente pró-europeu, escreve um jornalista holandês. Mas começam a ouvir-se vozes dissonantes.

Publicado em 19 Julho 2012 às 11:26

Derk-Jan Eppink é um herético. Eurodeputado conservador não acredita nos princípios básicos da integração europeia, nessa "união cada vez mais estreita entre os povos da Europa", tal como previsto nos tratados desde 1957.

Eppink – um holandês que ocupa o cargo em nome de um partido belga – é um dos seus maiores críticos. “Espera-se que todos os que aqui chegam apoiem essa ideia”, diz ele. Aqueles que não a apoiam são não-crentes – “heréticos” – e são tratados como párias. “Mal abrimos a boca lançam-nos logo olhares ferozes. Os federalistas saem da sala ou começam a conversar uns com os outros. Também nos dão menos tempo para falar. Daniel Cohn-Bendit [copresidente do grupo parlamentar dos Verdes da UE], ultrapassa frequentemente o seu tempo de intervenção e ninguém lhe diz nada. E somos nós a fazer isso, o gongo toca imediatamente.”

A comparação com a religião é apenas ligeiramente exagerada. Bruxelas é outro mundo, onde muitas pessoas estão zelosamente comprometidas com a feliz ideia de uma Europa unida. Um mundo onde a menção a qualquer outra crença - numa união puramente económica ou, Deus me livre, em união absolutamente nenhuma - é posta de lado como o primitivismo obscuro.

Este é particularmente o caso no Parlamento Europeu, a arena de Eppink. A maioria é definitivamente mais pró-europeia do que os membros nacionais dos seus partidos. Estão sempre a favor, nunca contra, mais transferências de poder. Neste preciso momento, estão na linha da frente dos argumentos a favor da introdução de euro-obrigações e outras medidas comuns para resolver a crise.

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“Bruxelas muda-nos”

Isto pode, sem dúvida, ser explicado pelo facto de os mais europeístas de entre eles estarem inclinados a mudarem-se para Bruxelas. A outra parte da explicação está no facto de os menos europeístas, com o passar do tempo, tenderem a converter-se. “Tornam-se nativos”, nas palavras de um alto funcionário europeu. Eppink: “Bruxelas muda as pessoas, como se tivessem sido tocadas pela mão de Deus.”

O membro da CDA [Democracia cristã] Wim van de Camp é um deles. Chegou a Bruxelas em 2009, depois de 23 anos na Câmara Baixa do parlamento holandês, com o objetivo de parar o zelo regulador e reduzir o orçamento. Agora, partilha responsabilidades no novo, mais pró-europeu, caminho da CDA.

“É verdade”, diz ele. “E isso acontece, em parte, porque agora conheço melhor o assunto. E, por outro lado, seja qual for o nosso ponto de vista, acabamos sempre por nos misturarmos com as pessoas com quem trabalhamos. Agora estou mais convencido do que nunca da utilidade e necessidade da União Europeia.” Quanto mais tempo se está lá, mais se começa a acreditar.

Além disso, diz o holandês Dennis de Jong, membro do Partido Socialista, Bruxelas está configurada de tal forma que vale a pena acreditar: "Se nos mostrarmos a favor dos Estados Unidos da Europa, as portas abrem-se automaticamente para nós. Por exemplo, eu não serei convidado tão cedo para ir ao gabinete de Herman Van Rompuy”.

E o mesmo se passa quando se tratam de atividades diárias, diz De Jong. “Se fizermos o nosso trabalho bem feito, podemos chegar a presidente de uma comissão parlamentar. É-se premiado pelo nosso trabalho parlamentar e isso é, por definição, pró-europeu. O reforço positivo é enorme. É difícil manter os pés no chão.”

O evangelho da “união cada vez mais estreita”

Para além do parlamento, a Comissão é indubitavelmente pró-europeia, mas uma conversa com três eurocratas de topo, que se mantêm no anonimato, revela que aqui a coisa é mais pragmática do que ideológica. “Nem todos somos crentes”, diz um deles, que tem um cargo [de diretor-geral] no departamento de Alargamento. “Na verdade, há dois grupos de funcionários europeus: o grupo que faz simplesmente o seu trabalho e o grupo dos verdadeiros crentes. Este segundo grupo está a ficar cada vez mais pequeno.”

No passado, dizem estes eurocratas, dois dos quais trabalham para a Comissão há mais de vinte anos, as coisas eram muito diferentes. Tinham a ideia de estarem a trabalhar numa tarefa histórica. Hoje em dia, as coisas têm mais a ver com negócios. “A UE existe, a integração europeia é uma realidade”, diz alguém que trabalha na direção-geral da Concorrência. “Agora, a questão é: como podemos ter a certeza de que isto funciona? É tudo muito mais monótono do que as pessoas possam pensar.”

Há, portanto, pouca discussão política sobre o rumo que a Europa deve agora seguir. No final do dia, eles são funcionários públicos, não importa o quão exótica a Comissão possa parecer. Por definição são apolíticos, tecnocratas, e quando se encontram ao pé da máquina do café falam de futebol e não dos prós e contras de uma união bancária europeia.

Tempos difíceis para os profetas

Desde o início de 2010, pela primeira vez, o número de pessoas que não confiam na UE é superior ao daquelas que confiam. A Comissão Europeia já começou a perceber isso. Recentemente, os eurocratas encontraram autocolantes colados nos seus carros com o desenho de um homem que usara a sua própria gravata para se enforcar. “Eurocratas, façam bom uso das vossas gravatas”, era a legenda. Um mês antes, muitos deles tinham apanhado um grande susto no metro, ao serem cercados e emboscados por “um grupo de ativistas de esquerda”. Os sindicatos da Comissão reconheceram, numa carta sobre este assunto, que sempre tinha havido “ataques” mas que, desde que a crise do euro tinha rebentado, esses ataques tinham aumentado tanto em número como em dimensão.

Estes são tempos difíceis para os profetas. A crise está a pôr a fé à prova. “Os crentes começam a ter dúvidas”, pensa Eppink. Garante que, ultimamente, quando ele ou um dos seus correligionários fala é ouvido com mais atenção. “O nosso terreno intelectual é melhor”, é a sua opinião.

As eleições mostrarão se a Holanda pensa o mesmo que ele. Mais, ou menos Europa. “É uma coisa boa”, defende o eurocrata do departamento de Alargamento. “É a prova de que a integração se está a tornar real. No passado, toda a gente estava de acordo. Mas, nessa altura, nada estava em causa. E, agora, está.”

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