Traçado dos gasodutos e oleodutos existentes ou em construção na região. © Presseurop

Todas as condutas vão dar a Ceyhan

Para se tornarem independentes da Rússia, os europeus precisam da Turquia, por onde se prevê que passem as condutas vindas do Médio Oriente. Eis o motivo pelo qual Die Zeit duvida que a União Europeia mantenha Ancara muito mais tempo à porta.

Publicado em 30 Setembro 2009 às 14:05
Traçado dos gasodutos e oleodutos existentes ou em construção na região. © Presseurop

Para um grande número de europeus, a Turquia não passa de um candidato indefinido à adesão, existente lá no extremo oriental da Europa. Um longínquo posto avançado da NATO, último reduto da civilização ocidental, que faz fronteira com países inquietantes como o Irão e o Iraque.

Porém, foi precisamente à Turquia que este Verão se deslocaram os poderosos do mundo, para aí discutirem questões de energia. No sector energético, de facto, aquele país é incontornável: embora não seja rico em matéria-prima, encontra-se a meio caminho dos gasodutos e dos pipelines oriundos da Ásia Central, da Rússia e do Médio Oriente, e dos que estão actualmente em construção.

Há 15 anos que se fala da Turquia como sendo um país de passagem para os recursos encontrados no fundo do mar Cáspio, após o desmembramento da antiga União Soviética. Estes recursos incluem os poços de gás do Turquemenistão, a gigantesca jazida petrolífera de Kashagan, descoberta há 25 anos no Cazaquistão, e o petróleo do Azerbaijão. Durante muito tempo, nada se sabia sobre o modo como estes hidrocarbonetos eram trazidos para a Europa.

No passado dia 13 de Julho, em Ancara, cinco chefes de Estado e de Governo chegaram a uma conclusão e decidiram construir o gasoduto Nabucco, para ligar a Turquia à Europa Ocidental. Organizaram igualmente uma sumptuosa cerimónia, no decorrer da qual o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan surgiu como director do grande circo energético.

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Um mini-Nabucco de Baku a Erzurum

O Nabucco permite que os europeus e os turcos façam chegar gás natural à União Europeia sem o aval da potência russa. Razão pela qual o Kremlin e o gigante energético Gazprom sempre consideraram o projecto insensato. A Gazprom está, inclusive, desejosa de deitar a mão a algumas jazidas do mar Cáspio.

Moscovo chegou a impedir a passagem de outros pipelines de ligação entre o leste e o ocidente, como foi o caso do grande oleoduto que ligava a capital do Azerbaijão a Ceyhan, porto turco no Mediterrâneo, passando pela Geórgia. Por essa altura, foi construído uma espécie de mini-Nabucco, um gasoduto que liga Baku, no Azerbaijão, a Erzurum, na Turquia. Apareceu também uma nova ligação à Grécia na zona ocidental da Turquia.

Estes projectos foram fervorosamente apoiados por Washington, desejosa de que as riquezas do mar Cáspio cheguem ao mercado energético sem a participação de Moscovo. Seria, porém, ilusório acreditar que os turcos deixariam o jogo dos recursos energéticos todo concentrado no "tabuleiro" americano. Foi o que revelou a visita surpresa de Vladimir Putin pouco depois da "cimeira Nabucco" em Ancara.

Alarmado com a assinatura do acordo-quadro Nabucco, o primeiro-ministro russo contactou o seu homólogo turco para lhe propor a passagem de um pipeline pela zona turca do mar Negro, em direcção à Bulgária. Prevê-se que este projecto, conhecido por South Stream, traga gás russo para a Europa sem passar pela Ucrânia, apesar de fazer concorrência ao Nabucco. A Gazprom também conseguiu, recentemente, a garantia do fornecimento de gás no Azerbaijão, que poderia ser igualmente fornecido pelas condutas europeias. A morte do projecto Nabucco encheu imediatamente as manchetes.

A Turquia traiu o projecto e a Europa?

Para responder a esta pergunta, é preciso saber qual foi a contrapartida dada à Turquia pelo acordo do South Stream: os turcos exigiram explorações de fornecimento de gás aos russos em troca da construção de um pipeline entre o porto de Samsun, no mar Negro, e Ceyhan, no Mediterrâneo. O projecto está a ser construído e prevê-se que alivie o Estreito de Bósforo, que todos os dias é atravessado por petroleiros gigantes, que passam a algumas milhas ao largo de Istambul. Ceyhan tornou-se também o mais importante porto petrolífero do Mediterrâneo Oriental.

Simultaneamente, Erdogan e o seu amigo Putin chegaram a acordo sobre a construção da primeira central nuclear turca. A Turquia importa 64% do seu gás natural da Rússia.

Uma terceira coordenada, Sul-Norte, faz da Turquia uma placa central de energia: pouco depois de Vladimir Putin, foi a vez do emir do Catar se deslocar a Ancara para se encontrar com Erdogan, a fim de discutirem a construção de um gasoduto na Turquia. O Catar detém a terceira maior reserva de gás natural do mundo. Do ponto de vista dos hidrocarbonetos, o Iraque ainda é mais importante – nestes últimos anos, foram descobertos enormes poços de gás na zona norte do país. Pensa-se agora seriamente na construção de um pipeline que faça a ligação entre o Norte do Iraque e a Turquia. Aos poucos, empresários turcos e europeus obtêm fornecimentos de gás proveniente do Iraque.

A Turquia não atraiçoou o projecto Nabucco. Este último irá servir para trazer gás do Médio Oriente, proveniente do Iraque e também do Egipto e do Catar. A este soma-se o gás natural do Azerbaijão e talvez do Turquemenistão – e até, provavelmente, do Irão. Daí que a Turquia ocupe o lugar da Ucrânia como principal país de passagem do gás russo em direcção à Europa.

Todas estas condutas em conjunto modificam o peso da Turquia na Europa. Estado marginal? Candidato impopular à adesão? "Esperamos que nos tratem com respeito", afirma Suat Kiniklioğlu, porta-voz em matéria de política externa do AKP [Partido da Justiça e do Desenvolvimento, islamita moderado e europeísta], o partido no Governo.

Será que esta crescente importância da Turquia lhe abrirá as portas da União Europeia? Só por si, não, mas servirá para reforçar os laços entre a UE e o país. Temos mais coisas a tratar com os turcos do que aquilo que os franceses, por exemplo, nos querem fazer crer.

Adesão

Uma Alemanha mais hostil à Turquia?

Será a Turquia a verdadeira derrotada nas eleições alemãs, de que resultou um Governo de coligação entre os democratas-cristãos da CDU e os liberais do FDP? The Daily Telegraph sublinha o facto de os dois partidos serem hostis à entrada da Turquia para a União Europeia. Angela Merkel, que avança razões de natureza cultural contra a adesão dos 71 milhões de turcos, maioritariamente muçulmanos, já tinha avisado o seu homólogo turco, Reccep Tayyip Erdogan, de que "a política externa alemã está a ser revista". O provável ministro dos Negócios Estrangeiros, o liberal Guido Westerwald, já afirmara, anteriormente que, "a economia turca é demasiado fraca em termos europeus para poder integrar facilmente a União Europeia".

Em Viena, e em contrapartida, Die Presse vê na Turquia um dos principais pomos da discórdia entre Meckel e Westerwald, com o ministro a pedir um referendo, "mas sem dizer exactamente sobre o quê". "Irá ser interessante ver se e, neste caso, como é que o FDP vai mudar de opinião", comenta o diário. Um politólogo próximo deste partido assegura que o FDP irá manifestar-se favorável à adesão da Turquia, mesmo que isso não agrade a Angela Merkel.

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