Manifestação contra a fraturação hidráulica em Bucareste, a 4 de abril de 2013.

Um cheiro a controvérsia

A Polónia e outros países europeus estão prestes a decidir o futuro das suas reservas de gás de xisto. Para os opositores desta tecnologia é a última oportunidade de salvar o continente do desastre, ou de proteger os seus interesses políticos e económicos.

Publicado em 30 Maio 2013 às 11:59
Manifestação contra a fraturação hidráulica em Bucareste, a 4 de abril de 2013.

Dobrich está a ferro e fogo com os protestos. Esta cidade do noroeste da Bulgária, com 110 mil habitantes, quer que a prospeção de gás de xisto na vizinha Roménia pare imediatamente. De Dobrich à fronteira são 40 kms, e outros tantos até à zona onde a empresa norte-americana de energia, Chevron, vai iniciar pesquisas geológicas, mas estas distâncias são irrelevantes para quem protesta. Lutam contra as empresas de energia por recearem que estas destruam a região histórica de Dobruja na fronteira romeno-búlgara.

A fonte de todas as controvérsias é um método de extração conhecido como fraturação hidráulica. Os ativistas de Dobrich acreditam que injetar nas falhas das rochas água a alta pressão, misturada com areia e produtos químicos, incluindo detergentes, para extrair gás de xisto vai contaminar a região toda.

Em Dobrich, onde houve protestos ao longo do último ano e meio, todos têm consciência do poder das manifestações de rua. Uma gigantesca onda de protestos, apoiada por um bem organizado movimento ecologista, obrigou o parlamento búlgaro a introduzir uma moratória na fraturação hidráulica em janeiro do ano passado, tornando-se assim no segundo país europeu, a seguir à França, a banir a prospeção e extração de gás de xisto.

Fogo na torneira

A inspiração para manifestações como as de Dobrich veio dos Estados Unidos onde a batalha sobre a extracção do gás de xisto é mais renhida. O movimento búlgaro anti-gás de xisto, tal como os seus congéneres europeus utiliza os mesmos argumentos e segue o mesmo profeta, o realizador Josh Fox. Quem veja o seu documentário de 2010 Gasland, só pode tornar-se num opositor acérrimo da exploração de gás de xisto. Fox viajou por vários estados norte-americanos, recolhendo testemunhos de pessoas afectadas por doenças crónicas. A sua investigação revelou provas de aumento de incidência de cancro bem como de contaminação do ar, dos poços e das águas de superfície. Numa das cenas mais impressionantes do filme, um proprietário de Weld County no Colorado mostra como com um isqueiro consegue acender uma chama numa torneira de água em casa. Gasland provocou uma histeria global, o seu autor ganhou um Emmy e foi nomeado para um Oscar.

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Entretanto, três jornalistas, dois irlandeses e um polaco, propuseram-se mostrar o que acreditam ser desinformação sobre o processo da fraturação hidráulica do gás de xisto. O seu filme
FrackNation, foi financiado através do sítio de Internet Kickstarter, e alcançou o objetivo de angariar 150 mil dólares (€116 mil) em apenas três semanas, sendo a média de cada donativo de 60 dólares. Os realizadores de FrackNation clarificaram, logo de início, que o seu objetivo era provar que o que o gás de xisto é uma fonte de energia segura e viável. Em primeiro lugar avaliaram os argumentos anti-fraturação do filme Gasland. Dizem ter encontrado várias inconsistências, bem como inverdades e asserções pouco fundamentadas.

Mesmo assim, FrackNation, foi bem menos reconhecido do que Gasland. Isto ilustra a dificuldade de uma discussão racional acerca da tecnologia do gás de xisto: as pessoas ditas comuns estão perdidas sem saber se a fraturação é segura, ou não.

O ceticismo do costume

Antes de a Bulgária banir a fraturação hidráulica, o Governo de Sófia não via nada de errado nesta tecnologia, e o interesse nos depósitos de gás de xisto do país, estimados em mais de 500 mil milhões de metros cúbicos, tinha sido expressado por várias empresas, sobretudo norte-americanas. Se começasse a ser usado, o gás de xisto reduziria a dependência energética que a Bulgária tem da Rússia. Uma dependência que se agravará nos próximos anos com a abertura do Gasoduto do Sul que atravessa o território búlgaro.

A oposição à extração do gás de xisto também foi alimentada pela popularização da ideia de que vai mudar o panorama europeu da energia. As centrais nucleares checas e húngaras olham para a tecnologia do gás de xisto como uma ameaça porque estão a desenvolver as suas instalações na esperança de conseguirem encontrar novos compradores para a energia que produzem.

Na Alemanha, a introdução da tecnologia do gás de xisto poderia minar todo o projeto da energia verde, nomeadamente tecnologias que permitam gerar eletricidade a partir da água, do vento, do sol e da biomassa. Se aparecer na Europa uma alternativa mais barata, incluindo na Polónia, as empresas alemãs podem ser obrigadas a procurar mercados-alvo noutros lugares do planeta.

Considerações semelhantes, incluindo preocupações com o impacto no setor nuclear, motivaram a França a tornar-se o mais irredutível opositor à tecnologia do gás de xisto. O Presidente francês, François Hollande acredita que a fraturação tem consequências ambientais indesejáveis e opõe-se firmemente à utilização dessa tecnologia.

Gás de xisto ameaça economia russa

Outro país que introduziu uma moratória na prospeção de gás de xisto – sobretudo por razões ecológicas – foi a Lituânia. O país depende quase exclusivamente das importações da Rússia, que paga 40% mais do que a Alemanha, daí a preocupação de Vílnius com a independência energética. Os depósitos de gás de xisto da Lituânia poderiam satisfazer as necessidades energéticas do país durante uma década, e não é por acaso que Günther Oettinger, Comissário Europeu para a Energia, escolheu Vílnius para divulgar uma importante mensagem a 10 de março deste ano: que a tecnologia do gás de xisto poderia ser um trunfo nas negociações da UE com a Gazprom.

A empresa russa, monopólio do Estado, é o maior produtor de gás natural do mundo e goza de um domínio quase absoluto sobre os mercados de vários países da União Europeia. É por isso que Moscovo tem vindo a tentar refrear o entusiasmo pela tecnologia de gás de xisto de todas as maneiras possíveis. Enquanto, oficialmente, a Gazprom não vê o gás de xisto como uma ameaça, a dimensão da campanha em curso na Rússia contra esta tecnologia sugere que esta é vista como uma grande ameaça à empresa.

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