O atacante alemão Lukas Podolski, após a derrota da Alemanha contra a Sérvia, por 1-0.

Um continente fora de jogo

O futebol reflete muitas vezes a realidade. O Mundial de Futebol não é excepção: as grandes equipas europeias parecem tímidas, confusas e hesitantes, como os seus governos. E os outsiders dos países emergentes desafiam a velha supremacia europeia.

Publicado em 22 Junho 2010 às 16:23
O atacante alemão Lukas Podolski, após a derrota da Alemanha contra a Sérvia, por 1-0.

Também no futebol, estamos a ficar um "Velho Continente", tal como na política, na economia e na sociedade. Velhas ideias, velhos hábitos, velhos erros, conhecidos de todos mas que mantemos ciosamente. Viram-nos, por estes dias, na televisão: Marcello Lippi, Fabio Capello e Raymond Domenech, os treinadores da Itália, da Inglaterra e da França? Não se assemelhavam, surpreendentemente, aos dirigentes periclitantes dos países respectivos à saída de um Conselho Europeu dedicado à crise?

A cacofonia a que nos habituaram as reuniões de Bruxelas, de repente, propagou-se, como farsa, aos campos de futebol da África do Sul. As velhas potências parecem ter perdido as certezas. O núcleo dos países fundadores é severamente posto à prova. Os Países Baixos resistem, mas os outros estão no limite das forças. Mesmo a Alemanha, por baixo da couraça, revelou estar fraca das canetas.

Os vícios e as inércias do Velho Continente

Os problemas extrafutebolísticos da velha Europa há muito que eram conhecidos: uma população que não aumenta, não cria e não assume riscos; a economia e o emprego paralisados por regras anacrónicas, às quais continuamos arreigados, escamoteando a realidade, porque temos medo de mudanças que possam pôr em causa antigos privilégios. A sociedade europeia parece imobilizada: os que têm a sorte de ter nascido num meio privilegiado podem esperar que o seu nível de vida venha a ser semelhante ao dos pais; os demais remetem-se aos ditames da sorte ou a um milagre.

Estudar, empenhar-se, formar-se, permitem, em geral, abrir os olhos para as oportunidades que surgem para lá das nossas fronteiras. Aliás, é inútil depositar esperanças na procura de soluções úteis e partilhadas a nível europeu, dado que, sempre que surge uma emergência, são as lógicas nacionais que prevalecem. E isto repete-se nos campos de futebol da Taça do Mundo, onde, em teoria, imaginação e criatividade poderiam ter livre curso. Os resultados, e sobretudo os comportamentos, das grandes equipas europeias têm reproduzido até agora, de forma emblemática, os defeitos e as inércias do Velho Continente.

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Os franceses, como sabemos, inventaram a revolução e, por conseguinte, nunca perdem uma ocasião de contestar a autoridade. Hoje, a sua equipa nacional joga de uma forma lamentável, os jogadores voltam-se contra o treinador, Anelka é expulso e os colegas de equipa reagem com uma assembleia-geral, redigem um comunicado e entram em greve, para proteger os seus direitos inalienáveis. Para a próxima, em vez de um capitão, contratam um sindicalista.

Equipas menos competitivas

Os ingleses, é sabido, conquistaram o mundo com a sua audácia. Como se sentiam apertados na sua ilha chuvosa, largavam logo que podiam a amenidade do lar e embarcavam em expedições arriscadas, que fizeram deles a potência dominante do globo. Na sua missão sul-africana, a equipa nacional dos três leões não conquistou sequer a Argélia. E os jogadores como reagem? Queixando-se do treinador, que proibiu a presença junto deles das “wags”, umas senhoras e raparigas que cultivam as mais elevadas virtudes nacionais. Os alemães, também é do domínio público, são… alemães. Quando a máquina funciona segundo as instruções, dão cabo da Austrália. Quando a máquina encrava, como aconteceu com a Sérvia, perdem a cabeça.

Nós, italianos, em má forma este ano, mas cheios de boa vontade, estamos já a arranjar polémica. Antes mesmo de termos sido eliminados. A Espanha também tergiversou, mostrando receios que nem fazem parte da sua tradição. E só os que há muito tempo sonhavam ser convidados para o banquete, como os portugueses, estão cheios de audácia e prontos a morder.

É naturalmente de desconfiar dos lugares comuns, mas não há dúvida que, na África do Sul, a grande Europa dá a impressão de ser um continente imóvel, atemorizado, preocupado sobretudo em não perder o que tem, em vez de querer conquistar algo de novo. Zinédine Zidane diz que as grandes equipas do Velho Continente têm todas o mesmo problema: os valores a nível mundial nivelaram-se e já não somos tão competitivos como dantes. É a sua análise futebolística, mas, sem o saber, exprime também uma verdade importante, que se estende a todos os domínios: a sociedade global não tem paciência para os que não querem seguir para diante e retardam o passo, em vez se mexerem, de experimentarem, de correrem riscos.

Política

Angela Merkel presa ao destino da Mannschaft

Se a Alemanha não ganhar a Taça do Mundo, o Governo de Angela Merkel pode não sobreviver até ao fim da legislatura, escreve a Newsweek Polska. "A coligação formada pelos democratas-cristãos e os liberais tem apenas seis meses, mas já a atmosfera é tão desgraçada como num casamento em vésperas de divórcio", considera a revista: discutem os apoios públicos, o serviço militar e a energia atómica. Marcados pelas querelas entre a chanceler e o seu número dois, Guido Westerwelle, as tensões no Governo correm o risco de atingir o auge no dia 30 de Junho, com a eleição do novo Presidente da República: alguns franco-atiradores liberais podem, com efeito, votar em Joachim Glauck, o candidato apoiado pelos sociais-democratas e os Verdes. Para a Newsweek, isso representaria "o início do fim do gabinete de Angela Merkel".

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