“Eu amo a cultura europeia!”

Um desabafo por Košice

Košice partilha este ano com Marselha o título de Capital Europeia da Cultura. Uma designação que os eslovacos abreviam pela sigla "EHMK", que evoca mais uma dúvida do que um evento cultural de alto fôlego, assinala um crítico de música da Eslováquia.

Publicado em 18 Janeiro 2013 às 16:41
“Eu amo a cultura europeia!”

Desde 1 de janeiro, Košice ostenta o título de Capital Europeia da Cultura – "Európske hlavné mesto kultúry", em eslovaco. Designação complicada, que é frequentemente substituída pela sigla EHMK. Pela pronúncia, a palavra parece saída de linguagem de computador. Ou talvez uma dúvida – "Hum, Košice."

Košice não é uma cidade vulgar. Em primeiro lugar, é a única verdadeira cidade da Eslováquia, depois de Bratislava. Verdadeira no sentido de, passadas 18 horas, não nos sentirmos a viver num museu abandonado e onde podemos assistir, na mesma noite, a um concerto de jazz, à estreia de uma ópera e a uma festa techno. Uma cidade que não tem apenas um visual, mas também um odor e uma vibração especiais.

Há que ver que Košice não é propriamente uma cidade eslovaca. Não que não nos consigamos fazer entender, se falarmos eslovaco. Mas trata-se, na verdade, de um [antigo] burgo do Reino da Hungria, uma cidade cosmopolita. Facilmente se encontram cafés onde serve kotyogó, um café forte húngaro, e a qualidade dos restaurantes excede em muito a média nacional.

‘Genius loci’ remains

É uma cidade onde as pessoas ainda vão passear para a praça principal e onde convivem em relativa harmonia eslovacos, húngaros e checos. Košice é a cidade eslovaca que acolhe o maior número de checos, graças à siderurgia e à escola de aviação militar. E apesar de todos os esforços de engenharia social que imaginar se possa, os ciganos ainda vivem no centro da cidade e não apenas nas torres do bairro Lunik IX [no subúrbio do sudoeste], os guetos ciganos mais famosos da Eslováquia. Só faltam os judeus. Deixaram quatro sinagogas, dois cemitérios e um “genius loci”, um espírito do lugar, que as pessoas sensíveis ainda conseguem detetar.

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No contexto da atribuição do título de Capital Europeia da Cultura a Košice, reportamo-nos ao fortalecimento da cultura local, ao apoio às atividades criativas e ao uso dos fundos comunitários para o desenvolvimento de infraestruturas culturais. Mas o projeto tem vindo a acumular equívocos.

E não nos estamos a referir apenas ao afastamento de Zora Jaurová, a talentosa (e ambiciosa) responsável cultural e cofundadora do projeto, nem às notícias quase quotidianas nos jornais sobre diversas suspeitas que envolvem a realização, nem às pressões que são exercidas nos bastidores. Há realmente outros problemas bem patentes.

Countdown underway

Nos próximos dias 19 e 20 de janeiro, será lançado com grande pompa o projeto EHMK. A instalação do grupo de artistas de Košice, os Kassaboys, estava para participar na contagem regressiva que marca o início do evento. Os seus membros espalharam por toda a cidade explosivos fictícios acompanhados de recortes de jornais relacionados com a corrupção de funcionários locais, que integraram numa contagem regressiva numa versão à James Bond. Mas durante as festas de Natal, alguém "modificou" a instalação, de modo a tornar ilegíveis os nomes mencionados nos artigos de jornal.

A cidade difundiu posteriormente o programa da cerimónia de abertura. O cantor norte-americano Jamiroquai vai ser a principal estrela (embora ainda ninguém tenha conseguido estabelecer a relação de Košice com ele, cujos dias de glória remontam à primeira metade dos anos de 1990). E como esse cantor não está atualmente em digressão, os custos do concerto foram revistos em alta. Não haja preocupações, que dinheiro não é um problema para o EHMK. O organizador recebeu €250 mil.

A cereja no cimo do bolo é Anna Gaja, cantora conhecida pelos seus ousados vídeos promocionais, que também deve participar na festa. Diga-se, de passagem, que é a esposa do presidente da Câmara de Košice-Norte.

Naturalmente, o projeto EHMK apresenta muitos eventos culturais de qualidade e talvez até alguns dos investimentos em infraestruturas artísticas se venham a revelar úteis. Košice vai sobreviver. Mas, mesmo assim, tudo isto é um pouco estranho. Ehmk (Hum), Košice?

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