Vivência “multilocal”

Habitar em Praga e trabalhar em Paris. Viver em Viena e ter a namorada em Estocolmo. São cada vez mais os europeus que vivem duas vidas em paralelo. Um fenómeno que começa a interessar os sociólogos.

Publicado em 17 Dezembro 2010 às 17:02

A peça acabou agora mesmo. Andrea Sedlackova está sentada no café de um teatro de Praga, onde conversa com alguns colegas de trabalho. Não é ainda meia-noite, mas tem de ir já embora, porque tem de estar no escritório às 10 horas da manhã. Em Paris.

Esta realizadora checa emigrou em 1989. Em França, trabalha na montagem de filmes de qualidade. Em Praga, tem os pais, os amigos, as recordações e faz filmes. “São as duas partes da minha vida. Se tivesse de escolher apenas uma, ficava a ser só metade de mim”. Mas isso requer ter tudo em duplicado: cama, telefone, carteira, etc.

Viver em vários lugares ao mesmo tempo tem um preço, tanto do ponto de vista do tempo e do dinheiro como da energia consumidos. Contudo, hoje, um número crescente de pessoas leva esta existência, porque, apesar dos constrangimentos que acarreta, comporta certas vantagens. Com o mundo transformado numa aldeia global cada vez mais pequena, as pessoas optam mais facilmente por este modo de vida.

Um fenómeno que ganha nova dimensão

O sociólogo Knut Petzold conhece bem o assunto. Habita em Leipzig e estudou (a 650 quilómetros de distância) em Chemnitz, enquanto a sua namorada habitava e estudava em Estugarda (a 480 quilómetros de Leipzig). Fazia mensalmente vários milhares de quilómetros. Com tantas idas e vindas, conseguiu terminar os estudos de Sociologia e fez da “multilocalidade” a sua especialização. O fenómeno não é novo. Mas desde há alguns anos ganha nova dimensão. “Com efeito, sempre existiu. No inverno, por exemplo, os agricultores iam procurar trabalho para a cidade. A diferença, hoje, é que há uma espécie de paralelismo nestas duas existências.”

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Ales Chmelar nasceu em Brno (República Checa). Tem apenas 23 anos, mas há já 10 que vive mais ou menos em “multilocalidade”. Durante a adolescência, o pai trabalhava na Polónia, em Katowice, e só ia a casa no fim de semana. “Na verdade, era bom”, explica. “Ao fim de semana, éramos uma família-modelo; durante o resto da semana, o regime era ligeiramente mais livre. Assim, nunca havia tensões em casa, os momentos que passávamos juntos eram preciosos”.

A escassez desses momentos e a impaciência pelo re-encontro são as vantagens geralmente apontadas para este tipo de vida familiar dividida entre dois lugares muito afastados. Não foi preciso muito para Ales Chmelar adotar ele próprio este modo de vida. Findo o liceu, partiu para Dijon (França), onde foi estudar Ciências Políticas, durante dois anos. Regressava ao seu país para ver a família e a sua amada. Depois, rompeu com a namorada e arranjou outra em França, proveniente da Bulgária. Mais tarde, partiu para Viena por um ano escolar, enquanto ela se mudava para Estocolmo. Este ano, juntaram-se. Estão em Londres.

Variadas situações vividas diferentemente

“As pessoas vivem em vários lugares ao mesmo tempo, porque as deslocações tornaram-se mais fáceis”, explica Knut Petzold. E existem cada vez mais “atividades de viajante”. São, nomeadamente, os estudantes universitários, os empresários e os empregados das multinacionais que são enviados para projetos em diversas partes do mundo.

As situações são inúmeras e, dependendo das pessoas, são vividas diferentemente: “Alguns consideram isso um modo de vida privilegiado, outros sofrem com ele”, afirma Knut Petzold. O sociólogo efetuou um inquérito junto de alemães de uma geração anterior, vinda da ex-Alemanha de Leste para trabalhar no Ocidente. “Consideram a sua vida como um desvio à norma, como um problema.” “As jovens gerações estão mais bem apetrechadas para fazer face a este modo de vida”, considera Petzold. Faltam ainda muitas informações sobre este fenómeno. Razão pela qual recolhe dados na Internet, através de um questionário.

Coloca-se ainda uma questão: quais as consequências deste fenómeno para a cidade onde as pessoas vivem apenas uma parte do seu tempo? Sem domicílio fixo, a pessoa não é integrada nos cálculos orçamentais, ainda que utilize as suas infraestruturas. Mas há uma consequência sem dúvida mais importante, como explica Petzold: “Se o indivíduo não se identifica com um lugar, não se investe nele” e, por conseguinte, não está disposto a, por exemplo, candidatar-se a eleições municipais, participar em manifestações ou contribuir financeiramente para reparar a igreja local.

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